Muitas palavras foram escritas sobre o discussão geopolítica entre a direita e a esquerda em Israel. Os argumentos dos dois lados talvez possam ser encapsulados numa simples frase – “Nós já tínhamos dito isto…”. Não desejo elaborar sobre tal debate.
Como presidente de Israel, não tenho um mandato para decidir a questão – mas quero abordar o consenso geopolítico entre direita e esquerda. Mais precisamente, quero considerar seus elementos esquecidos.
Eu vivo no meio do meu povo. Sou obrigado a dizer que aqui vive gente madura e realista. Um povo que, mesmo imerso numa realidade complexa e cruel, não é sugado pelo messianismo, pela violência e pelo racismo. Um povo que entende as limitações da antiga fórmula “terra por paz”. Gente corajosa que, justamente, clama por seu direito e obrigação de se defender. E de não cair em erros fatais em nome de anseios ingênuos e soluções instantâneas para acabar com o conflito.
Qualquer um que tenha olhos, enxerga o que está acontecendo na nossa região – as ondas de ódio e terror que estão paralisando as nossas ruas, o fanatismo fundamentalista islâmico que despacha crianças para assassinar outras crianças.
Entendo que levará tempo até que estejamos capazes de soltar os pombos.
De fato, nas últimas duas décadas desenvolveu-se um amplo acordo, nas principais correntes da sociedade israelense, sobre princípios básicos essenciais a respeito do conflito israelense-palestino.
Uma clareza saudável e vital emergiu entre nós, sobre a vizinhança dura em que vivemos, junto a uma compreensão da necessidade de preservarmos os nossos valores subjacentes, mesmo nesta situação complexa.
Entretanto, esse realismo e essa ampla compreensão carecem de um camada adicional, igualmente essencial. Não é suficiente que olhemos de forma dura e inflexível para a realidade complicada em que vivemos. Devemos também reconhecer onde e como podemos agir dentro desta realidade, mesmo nestes tempos difíceis.
Ainda que o conflito israelense-palestino, que nos enquadra, não tenha cronogramas claros, temos o dever – hoje – de fortalecer o nosso amplo consenso nacional com um elemento adicional: um investimento determinado e proativo na perspectiva de que um dia seremos capazes de viver juntos – judeus e árabes – seja qual for a constelação política.
Tanto na direita quanto na esquerda, não somos isentos de nos perguntar, desde já. Qual o legado positivo que deixaremos para as futuras gerações, com respeito ao conflito israelense-palestino?
Temo dizer que não parece que sejamos capazes de lhes legar a paz. Porém, podemos deixar abertos novos caminhos. Mesmo que sejam localizados ou embrionários. Mesmo que não estejam no nível de terminar o conflito. Mas que ajudem na construção da confiança entre dois povos e suas lideranças.
Para que eles não tenham que começar, como nós hoje, do zero.
No calor do tempestuoso debate geopolítico entre direita e esquerda, ambos os lados da divisória política parecem ter negligenciado a simples verdade que deve constituir a base para análise do conflito israelense-palestino.
A esquerda geopolítica – em nome do paradigma da “separação” – e a direita geopolítica – em nome da ideologia do “Grande Israel” – negligenciaram, ambas, o fato de que os árabes da Terra de Israel, os palestinos, já estão aqui, agora, ao nosso lado e no nosso meio. E não irão para nenhum outro lugar.
A separação não os fará “desaparecer”, assim como o Grande Israel não os irá “engolir”. A separação não os fará “invisíveis” ou “não-hostis”, quando estiverem ao nosso lado ou no nosso meio. E o Grande Israel não os tornará nossos admiradores ou amigos.
O ponto essencial para qualquer acordo futuro está em começar a consolidar a confiança entre os lados. Agora. Este entendimento deve ser o ponto inicial do debate, tanto em Tel Aviv como na Samária.
No fundo, tanto os governos esquerdistas como os de direita – todos nós – estamos ignorando a necessidade de forjar e administrar as relações entre judeus e árabes, em Israel ou fora do país. Deste ponto de vista, estamos hoje nos comportando como ostras, em nome de um futuro incerto.
Cegueira – da direita à esquerda
A parte oriental de Jerusalém, aquela área fervente, é a representação simbólica e moral da cegueira da direita e da esquerda no país. Está sob a soberania israelense há quase 50 anos.
A esquerda, em nome da “separação”, se recusou a investir nos seus bairros, citando uma suposta “transiência” que flutua sobre a questão de uma Jerusalém unificada. Assim, a esquerda não considerou adequado concretizar a nossa soberania ali ou trabalhar para equalizar as condições de vida entre as partes oriental e ocidental da cidade.
A direita, por sua parte, por razões de luta ideológica e impopularidade eleitoral, também não investiu adequadamente na parte oriental, o que unificaria, na prática, a cidade.
Em nome do debate sobre soluções futuras, congelamos e reprimimos o trato da Jerusalém Oriental – e abandonamos, literalmente, a segurança dos seus habitantes judeus e o bem-estar dos seus habitantes árabes.
Existe realmente alguém, na esquerda ou na direita, que acha que o fato de a parte oriental de Jerusalém, capital de Israel, parecer uma cidade do terceiro mundo, com mais de 70% dos habitantes vivendo abaixo da linha de pobreza, é um avanço para a segurança de Israel ou a segurança dos seus habitantes judeus?
Alguém imagina ser melhor deixar de lidar, até o “fim do conflito”, com o esgoto que escorre pelas ruas de Jerusalém Oriental ou que deixar seus bairros fora do planejamento urbano nos aproxima de uma solução?
Alguém acha que as consequências das disparidades econômicas abissais terminarão com uma fronteira política, autêntica ou fictícia?
No calor de nossa controvérsia interna sobre as fronteiras do país, o caráter dos nossos vizinhos e a natureza de um acordo definitivo ou sua viabilidade, estamos fadados a nos tornar condicionados à disputa sobre o fim do conflito e à necessidade de administrá-lo.
É necessário nos conscientizar da necessidade de administrar as relações entre árabes e judeus, no presente – neste aqui e agora – em que pessoas, crianças, judeus e árabes vivem de fato. O presente no qual suas consciências são formadas e cristalizadas no curso da vida.
Forjando confiança
O consenso necessário hoje, da direita com a esquerda, reside na necessidade de mapear nossos passos. O que já deveríamos ter começado ontem.
Refiro-me a passos para melhorar nossa situação relativa, independentemente do debate territorial geopolítico.
São passos que qualquer pessoa sensível entende que servem aos interesses pragmáticos e morais de Israel.
Sem recorrer à questão de existir ou não um interlocutor, é auto evidente que a construção da cidade palestina de Rawabi é de interesse de Israel.
Alguém duvida que os canais de comunicação cultivados entre os lados israelense e palestino – ao lado dos canais de cooperação existentes [entre Israel e a Autoridade Palestina] para questões de segurança – interessam a Israel?
Essa cooperação entre empresários, educadores e personalidades culturais – israelenses e palestinos – não melhoram a nossa situação relativa?
Alguém não enxerga o valor e a importância de que uma maioria da população judia – e não apenas uma pequena minoria – seja capaz de falar árabe?
Quando se trata de aumentar o conhecimento dos ativos linguísticos e culturais, intensificar o diálogo e os canais conjuntos de comunicação, melhorar a qualidade de vida investindo em infraestrutura e criando as fundações para projetos econômicos e planos de cooperação entre árabes e judeus, em Israel e for a do país – quando se trata de todas essas possibilidades, deveríamos ter começado ontem. E não estamos isentos de fazê-lo hoje, todos nós, no presente.
É nossa obrigação diferenciar entre a discussão geopolítica sobre as fronteiras futuras de Israel e o caráter das ações necessárias que – qualquer pessoa sensível entende – são de claro interesse israelense.
Devemos lutar por um acordo amplo.
Não apenas sobre o que não somos capazes de alcançar hoje, mas sobre o que pode ser alcançado já.
Não podemos permitir que sentimentos rancorosos, por mais justificáveis que possam ser – e de fato são justificados – sobreponham-se ao nosso bom senso comum e nos impeçam de construir uma confiança, determinada e sem concessões, para avançar no presente, em qualquer lugar onde exista qualquer potencial.
A missão desta geração é forjar a confiança entre árabes e judeus. A nossa grande e relevante missão é agir no presente, aceitando uma equação simples: existe uma conexão entre o bem-estar dos árabes deste país, o nosso entendimento da cultura, linguagem e religião deles, e a nossa própria imagem e o nosso bem estar.
O material promocional para a Conferência de Israel para a Paz (Israel Conference on Peace) mostra a pomba da paz presa num bloco de gelo.
Temo que o dia em que veremos esta pomba levantar voo, com um ramo de oliveira no bico, ainda esteja distante.
Mas, é essencial que, ao menos, comecemos a derreter o gelo.
O autor, Reuven Rivlin, um dos fundadores do Partido Likud, é o atual presidente do Estado de Israel.
[ publicado no Haaretz em 04|05|2015 e traduzido por Moisés Storch para os Amigos Brasileiros do PAZ AGORA ]