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O professor Moshe Maoz, coordenador do Centro para Avanços da Paz da Universidade Hebraica de Jerusalém, se apressa em dizer: não há solução militar para o conflito entre seu país e os palestinos. Especialista nas relações entre seu país e os árabes (principalmente os sírios, os mais ferrenhos inimigos do Estado Judeu), ele vai mais além: Yasser Arafat tem que ser novamente considerado por Israel como legítimo representante do povo palestino.
Suas afirmações afloram da experiência singular de ter sido um dos negociador dos acordos de Oslo, cujos encontros começaram em 1993, na Noruega. Em Oslo, israelenses e palestinos sentaram-se frente a frente pela primeira vez. Das conversas, brotou o momento histórico que emocionou o mundo – e que parece pertencer a um mundo paralelo neste 2002: o aperto de mão entre o então premier israelense Yitzhak Rabin e Arafat, sob os auspícios do ex-presidentre americano Bill Clinton.
Pode parecer estranho que justamente um israelense defenda o que o resto do mundo gostaria que o atual primeiro-ministro de Israel, Ariel Sharon, compreendesse. Maoz, porém, não é o único dentro daquele país a defender o fim da recente ofensiva à Cisjordânia. Mas ele mesmo admite que o público israelense demonstra esquizofrenia: ”A maioria dos israelenses está raivosa em relação aos palestinos, mas essa mesma maioria quer a paz”. Ultimamente, conta em entrevista ao JORNAL DO BRASIL por telefone, de Jerusalém, uma idéia tem ganhado força entre esse público ”esquizofrênico”: o da construção de uma cerca separando fisicamente Israel da Cisjordânia.
Leia a entrevista :
O que o senhor pensa da ofensiva de Sharon?
Olha, não há monopólio sobre a verdade. Mas depois de um atentado como o de Natânia e dos outros que se seguiram, nenhum país ficaria calado. Era preciso dar uma resposta para punir quem fez. Mas isso não vai resolver o problema. Não há solução militar. Só conversações e negociações. Ao que parece, Sharon não quer tanto assim negociar.
Por que, depois de tantos anos de acordos de paz, a região está em guerra?
Os acordos de Oslo, os mais importantes até hoje, funcionaram bem nos dois primeiros anos (1993, 1994), mas depois tudo começou a se deteriorar.
Quem matou o acordo e acaba com o relacionamento entre Israel e os palestinos são os radicais dos dois lados: o Hamas e a Jihad Islâmica de um e os colonos judeus de outro. Nenhum desses queria o acordo e acabaram fazendo um ”acordo” informal e muito paradoxal entre eles para destruir a paz. Por causa deles, todo mundo começou a suspeitar de todo mundo. Cada parte começou a querer tirar mais vantagem e fazer menos concessões. Os palestinos começaram a importar armas e não lutar de maneira séria contra o Hamas. Israel não fez a terceira parte da devolução de território na Cisjordânia, não libertou todos presos os palestinos que deveria e continuou construindo colônias.
Os acordos de Oslo não proibiam novos assentamentos?
Não. Não estava escrito que construir novas colônias é proibido, mas os líderes israelenses tinham que ser inteligentes para saber que isso iria esbarrar nos interesses palestinos! Não entenderam isso, nem mesmo Barak, que foi muito adiante com o processo de paz, deixou de construir colônias.
Os acordos de Oslo tinham falhas, na sua opinião?
Sim. Em primeiro lugar, deveria estar clara a idéia, desde o princípio, de que no fim do processo seria criado um Estado Palestino com Jerusalém Oriental como capital, e que os refugiados palestinos não voltariam a Israel e sim a esse Estado.
Qual a parcela de culpa dos palestinos?
Eles ajudaram bastante a acabar com o clima para a paz. Não lutaram contra o terrorismo e em Camp David, quando Barak ofereceu mais do que qualquer primeiro-ministro anterior, Arafat não quis conversar. Não era o suficiente para ele. Os palestinos começaram uma segunda intifada quando tinham uma oferta muito boa à sua frente.
Qual é o papel de Arafat nos atentados contra Israel?
Não creio que Arafat mande ele mesmo os terroristas suicidas a cidades israelenses. Mas ele não evitou que o Hamas mandasse mesmo sua polícia o informava de antemão. Teve atentados que ele concordou que acontecessem, principalmente de suicidas do Tanzim, do Fatah. De qualquer forma, acredito que nem sempre Arafat pode controlar tudo. Ele tem controle sobre uma parte grande dos palestinos, mas não sobre todos.
Ariel Sharon isolou Arafat e disse que ele é irrelevante. O senhor concorda?
Não há nenhum outro interlocutor além dele. Ele não tem substituto. Pode ser que ele não seja 100% confiável – e há muita gente não confiável também em Israel -, mas não há mais ninguém. Arafat representa o povo palestino, eles o elegeram, o mundo todo já o conhece. Israel precisa dar a ele mais uma chance e pressioná-lo a negociar sem usar terrorismo. E não só nós: o mundo, os árabes, todos. Só com negociações há chance de conseguir a paz.
Qual a solução política que o senhor vê, no momento?
Há uma que tem ganhado muita popularidade em Israel: a construção de uma cerca entre Israel e a Cisjordânia. É claro que não é uma solução perfeita, mas entre ruim e péssima, é uma solução política. Pelo menos faríamos uma separação, mesmo que por tempo limitado. Poderíamos ajudar os palestinos em termos econômicos, porque eles precisariam. Mas pelo menos daríamos segurança aos cidadãos de Israel.
Mas isso não seria um tipo de Apartheid?
Não, pelo contrário! Seria a criação de fronteiras, um passo na direção da criação do Estado Palestino. Apartheid seria se Israel conquistasse aquelas terras e governasse quem estivesse lá dentro indefinidamente. A lógica do que eu estou dizendo é criar uma fronteira. Quem quiser passar de um lado a outro teria que usar passaporte, como em qualquer outra fronteira. Em Gaza, diminuiu a violência depois da cerca que levantaram lá. Agora só tem briga nos assentamentos dentro de Gaza, não em Israel.
Quem é contra essa solução diz o quê?
Que há riscos. Dizem que se fizermos essa separação, os palestinos podem optar por construir na Cisjordânia uma base terrorista com ajuda da Síria e do Irã e outros… Sim, há riscos, mas qual a alternativa? Tem quem diga: ”Se Israel tirar as colônias dos territórios e fizer tudo que a ONU quer, os palestinos vão assim mesmo continuar com os atentados terroristas”. Não tenho certeza disso. Nem que sim nem que não. É impossível saber. Mas não se pode negar que houve um passo muito grande nessa última reunião da Liga Árabe. Pela primeira vez na História, os países árabes reconhecem algum tipo de fronteira com Israel e a legitimidade de Israel! E Sharon recusa isso!
Por quê?
Porque Sharon está acostumado com respostas militares, como a que ele fez no Líbano. Mas isso não dará certo. Os americanos não vão deixar Israel continuar, podemos perder a opinião pública da América, da Europa… Já estamos perdendo, aliás.
Oslo trouxe algo de bom, mesmo não dando em paz?
Sim. Nos primeiros anos, houve ajuda mútua entre os israelenses e palestinos em campos diversos como tecnologia, economia, know-how universitário e até mesmo segurança, com patrulhas conjuntas. Mas depois do assassinato de Yitzhak Rabin, em 1995 por um extremista israelense e dois atentados de palestinos em Jerusalém no começo de 1996, tudo mudou.
Mas Oslo não era exatamente um acordo aberto, para não melindrar as partes?
Sim, mas algumas coisas deveriam ter sido ditas desde o princípio. Saber que o Estado seria criado em cinco anos daria a eles esperança de autonomia e a nós a segurança de que os refugiados não iriam voltar a Israel.
Porque não há manifestações de israelenses pacifistas nas ruas de Israel?
Há sim. Todas as semanas tem gente que sai às ruas para pedir paz. Todo sábado o PAZ AGORA e o Gush Shalom fazem protestos na frente da casa do primeiro-ministro Ariel Sharon. O tempo todo surgem novas ONGs pró-paz em Israel. O problema é que a maioria dos israelenses está raivosa em relação aos palestinos, não acredita neles por causa dos atentados. Isso é meio esquizofrênico, porque essa mesma maioria quer a paz. Isso acontece entre os palestinos também. Estão todos muito divididos.
A opinião pública internacional está contra Israel. Por quê?
Nós israelenses sabemos disso. Lemos jornais internacionais, principalmente os americanos e os europeus. Sabemos do aumento do anti-semitismo e tudo mais. Mas no momento em que as pessoas vêem imagens como as que saem da Cisjordânia, elas sentem que não é algo não-humano. Quando se mostra um tanque em frente de crianças não há o que explicar. A resposta de Israel se mostrou tão exagerada que há perigo de que o conflito se espalhe por outros países do Oriente Médio. Síria e Líbano podem entrar no meio. Nossas relações com Jordânia e Egito podem azedar de vez.
Além disso, essa incursão não vai resolver o problema do terrorismo! Quanto ao mundo, o que acontece é que houve um atentado terrorista contra Israel, Sharon resolveu isolar Arafat e de repente Arafat é que virou foco de interesse mundial. Esse foi um passo errado. Tínhamos que retaliar, mas ao mesmo tempo dar passos diplomáticos em busca de outra solução. Reocupar os territórios ocupados é um outro erro. O que Israel vai fazer dando ordens para 3,5 milhões de palestinos?
O que o senhor acha da mudança de postura de Bush?
Os Estados Unidos são o único país que pode ajudar a que voltemos à mesa de negociações. Volto a dizer: não há caminho militar, só político. Os EUA podem ajudar nisso, assim como fez Clinton. E é isso que Bush começou a fazer quinta-feira. Esse é o caminho. O caminho também é receber e implementar todas as resoluções da ONU e pensar sério sobre a proposta da Arábia Saudita, que foi aprovada pela Liga Árabe. Se não levarmos tudo isso em conta, não vai haver paz aqui nunca. E a pergunta é quantos vão morrer até que sentemos novamente à mesa para negociar. Terrorismo também não é alternativa e quem diz que é está mentindo.
Como pessoas como você, que não aprovam Sharon no governo, vão conseguir conviver com ele até as próximas eleições, em outubro de 2003?
Sharon ainda é popular por aqui. Ele era popular, depois passou por um tempo de ostracismo, depois voltou a ser popular. As pessoas querem vingança contra os terroristas. Mas ao mesmo tempo, as pessoas querem paz e estão até mesmo preparadas para que se acabem com os assentamentos.
O problema é que não tem nenhum político hoje em dia que diga o que eu estou dizendo agora: que não há solução militar. O Partido Trabalhista de Shimon Peres, que poderia ser essa opção de governo, faz parte da coalizão do governo Sharon.
Porque os trabalhistas não saem do governo?
Pergunte a eles… Acho que, em termos políticos, é confortável para eles estar no governo.
(publicado no Jornal do Brasil)