Por trás das duas pilhas de corpos, e do luto e sofrimento de dois povos, através das vozes fragmentadas de líderes de Israel, ainda é possível sentir o gosto amargo do próximo morto em combate.
Nós não ganhamos nada desde a Guerra dos Seis Dias. Conseguimos nos salvar do desastre em 1973. Fomos emboscados, mas sobrevivemos em 1982. Não faltam outros exemplos. Por que isto está acontecendo? Por que as nossas guerras acabam num estado permanente de ambigüidade?
Penso que não é mais possível vencer guerras. E não somos os únicos a não conseguir. O Ocidente como um todo é incapaz de fazê-lo. É difícil lembrar de uma única guerra nos últimos 60 anos que os Estados Unidos tenham vencido de maneira clara e categórica.
Dresden e Berlim foram arrasadas, Hiroshima e Nagasaki destruídas. Desde então, o Ocidente embarcou num novo caminho.
A Europa ocidental praticamente abandonou a opção militar. Não entra em combate e não é considerada pela sua capacidade de vencer guerras. Os Estados Unidos, ao contrário, saiu do isolacionismo para se tornar o principal responsável pela violência patrocinada pelo Ocidente.
Os americanos têm um poderoso exército, e sabem como ninguém mover suas forças para a linha de partida. Mas, dali em diante, sempre alguma coisa dá errado. A Coréia não foi uma vitória maravilhosa. O Vietnã terminou em desgraça e as guerras do Golfo não são consideradas como grandes conquistas militares.
Parece que algo no DNA do Ocidente não mais lhe permite fazer a guerra como costumava fazer. A civilização ocidental não mais é capaz de lutar uma guerra que objetiva destruir – nem por princípio, nem pela indisposição dos soldados de agir numa maneira vista como crime no seu mundo civil, no mundo dos seus valores.
As guerras do século passado, incluído o Holocausto dos judeus europeus, ensinaram várias lições ao Ocidente. A principal delas foi a abolição da doutrina da guerra. O Ocidente substituiu a destruição e humilhação do inimigo pela manutenção da sua capacidade de se recuperar, preservar a dignidade, mudar e tornar-se parceiro em vez de adversário.
O erro cometido com a Alemanha após a 1ª Guerra Mundial serviu de lição. A Alemanha pós-2ª Guerra tornou-se um foco importante do novo alinhamento ocidental. A dignidade do Japão não foi violada, e o país se tornou um leal aliado da democracia Ocidental. Foi onde o novo tipo de vitória começou, esta que não despreza a possibilidade de diálogo com o adversário de ontem.
Além disto, parece existir uma conexão firme entre a intensidade do compromisso de uma sociedade com os direitos humanos – a dignidade e a liberdade acordadas dentro do país – e a disposição dos seus soldados para eliminar o outro. Quanto maior a valorização da liberdade, menor o desejo das pessoas de dizimar o inimigo. Fica a questão de como uma sociedade justa combate inimigos que não partilham do mesmo sistema de valores, e de como redefinir o que é a vitória.
Acho que se o objetivo de uma guerra for a destruição do inimigo, esta será uma guerra condenada à derrota. Por razões bem conhecidas nossas, não é mais possível aniquilar nações, e nem mesmo suprimir suas aspirações à independência.
E, por razões não menos importantes, deve-se ter a esperança de que os nossos soldados não se disponham a destruir apenas pelo desejo de destruir. O objetivo de guerra moderna deve ser o de forjar o diálogo.
Caso nenhum diálogo seja estabelecido com o inimigo, a guerra terá sido uma derrota.
A liderança de Israel na guerra de Gaza está nos levando a um fracasso, da mesma forma que os líderes religiosos palestinos estão incitando sua gente a outra derrota, motivada pela ignorância da metamorfose do conceito de vitória.
O conceito de vitória mudou: de submissão para diálogo; de carnificina para a construção de pontes.
Assim como pontes acabaram sendo construídas sobre águas revoltas entre Pearl Harbor e Hiroshima, entre Dresden e Londres, entre católicos e protestantes de Dublin, existe uma ponte a construir entre Sderot e Gaza.
Aqueles que não o fizerem, levarão as suas nações à derrota em todas as suas guerras.
Avraham Burg, um dos fundadores do PAZ AGORA, foi presidente do parlamento israelense (Knesset) e da Agência Judaica. Participou da negociação dos Acordos de Genebra