Pessach do outro mundo
por Paulo Blank, abril de 2025
Em tempos de destruição programada do humanismo, insistir no Pessach parece coisa do outro mundo. E é. Textos judaicos que publiquei ao longo dos anos hoje poderiam soar perigosamente esquerdopatas. Quem sabe, frutos de uma mente equivocada. Ou talvez me considerassem mais um judeu alienado do sofrimento que estamos passando desde a carnificina que o Hamas nos impôs de forma traumática. Fato que desatou uma pororoca antissemita represada e acabou se transformando num tsunami sem intenção de refluir em direção ao mar do silêncio.
Outro dia uma pessoa me advertiu que criticar o Netaniau aqui no Face seria alimentar o antissemitismo. Ou seja: solidarizar-me com israelenses apanhando da polícia judaica em Jerusalém numa manifestação pela democracia seria incentivar no Brasil o antissemitismo da esquerda enquanto a extrema direita nacional se inspira nos neofascistas antissemitas americanos e europeus que Bibi recebeu de braços abertos em Jerusalém, gerando protestos dos líderes das comunidades dos judeus europeus que se sentem traídos pelo governo israelense. Ufa! Um verdadeiro cântico de Had Gadiá sem garantias de que o bem triunfe no final e Elohim apareça para nos resgatar dos que nos matam, torturam e sequestram.
Lévinas, o filósofo judeu, e Leibowitz o mestre e profeta irado que incomoda Israel até hoje, podem nos ajudar a transcender o Pessach da narrativa infantil. A ideia de um trauma da liberdade se junta ao modo de Leibowitz ler o texto bíblico dentro da tradição talmúdica. Para Lévinas a minha libertação do Egito seria traumática porque foi sem escolhas, e ao mesmo tempo ela funda a minha humanidade me comprometendo com todos os oprimidos. Impressiona o quanto esta ideia de Lévinas está em total afinidade com a leitura bíblica minuciosa de um judeu ortodoxo.
Oitocentos anos após a saída do Egito o profeta Jeremias, que sabia de coisas que ninguém dá bola até hoje, advertiu que os hebreus foram libertados do cativeiro com a condição de que nunca mais teriam escravos entre eles. Responsabilizar-se pela liberdade do outro tinha virado condição divina para o escravo garantir a própria liberdade e a posse da terra de Israel. Responsabilidade semelhante ao que pensa Emanuel Lévinas. Uma questão e tanto na medida em que já naquele tempo Jeremias advertia que os Filhos de Israel não andavam cumprindo a sua parte do acordo.
Pelo visto, acabamos falando da amarga escravidão e da difícil liberdade, como pede a noite do Pessach.
Hag Sameach para todos nós.
Pessach 5785/2025
por Bernardo Sorj, abril de 2025
A saída do Egito nos deu o sentido da liberdade
para procurar a terra prometida.
A terra prometida dos profetas,
de um mundo sem guerras.
A terra prometida dos profetas,
onde as crianças, israelenses e palestinas,
possam viver sem medo e com dignidade.
Não há saída do Egito,
se não assumirmos nossa responsabilidade pelo mundo em que vivemos.
Não há saída do Egito,
se não respeitamos os que pensam diferente.
Não há saída do Egito,
se não vislumbramos a paz depois da guerra.
Porque a memória de Pessach nos ensina que
o poder, o sucesso e a riqueza podem nos transformar em Faraós que humilham, oprimem e são insensíveis ao sofrimento dos outros, agradecemos:
Shehechyanu, ve´quimanu ve’higuianu lazman hazé.
Que vivemos, que existimos, que chegamos a este momento.
Bernardo Sorj