Neste 3 de maio, o filósofo francês Bernard-Henri Levy viajou de trem de Paris a Bruxelas, para participar de um grande evento judaico no Parlamento Europeu. Pouco tempo antes, ele recebera um telefonema surpreendente. Na outra ponta estava Richard Prasquier, presidente da CRIF, a federação das organizações judaicas na França.
Prasquier tentou convencer Levy de que era um êrro ele ter assinado ‘a petição’ e o aconselhou a não participar no que estava certo de seu um evento de agressão a Israel: ‘Bernard, se você for, muitos judeus franceses não entenderão…’.
O evento a que estava se referindo foi um encontro de judeus europeus preocupados. Inspirados pela organização americana ‘J Street’, embora sem pretender ser uma cópia dela, e se autodenominando ‘JCall’, esta assembléia de representantes de várias comunidades judaicas de toda a Europa reuniram-se em torno de um documento intitulado “Chamado à Razão (Call for Reason)” que após duas semanas já teria sido assinada por cerca de 6.000 pessoas.
O texto condenava a ocupação por Israel dos territórios e o empreendimento de assentamentos, e instava a União Européia a ‘aplicar pressões nos dois lados’ para levar a uma solução pacífica para o conflito israelo-palestino. As assinaturas, muitas de intelectuais e profissionais proeminentes, afirmavam ao mesmo tempo seu total compromisso com o sionismo e o Estado judeu, que era, como explicava a carta, parte integrante de sua própria identidade.
O que impressionou não foi tanto o chamado em si, que não continha qualquer idéia realmente nova, mas a resposta negativa que suscitou entre as instituições judias européias mais tradicionais. Desde a Iniciativa de Genebra em 2003 não víamos um debate tão acirrado entre os judeus da Europa. Houve editoriais, artigos e até mesmo uma contra-petição – ‘Garder Raison (Manter a Razão)’ – assinada por intelectuais franceses igualmente proeminentes, que acusavam os ‘JCallers’ de serem pró-palestinos que forneciam munição para os que odeiam Israel. E a tempestade continua…
Se, como argumentou Emanuele Ottolenghi num recente artigo no Haaretz (‘As mainstream as they come’ -7|5 ), “nenhuma organização judaica importante opõe-se hoje à solução de dois-Estados”, o que há na carta do ‘JCall’ que irritou tanto essas mesmas organizações? Por que as reações desproporcionais, até violentas? Ottolenghi sugeriu que os opositores ao ‘JCall’ ressentiram-se pelo fato de que o “declarado amor dos signatários por Israel está obscurecido pala culpa que colocam diretamente sobre Israel”,
Deve haver outra resposta. Como Prasquier me disse: “o JCall, com a importância dos seus signatários, pode criar imensa confusão e divisões dentro da comunidade judaica francesa, e isso não é bom.”
O que os raivosos e rígidos líderes se recusam a reconhecer é que a batalha já foi perdida. O fato é que a maior parte dos judeus europeus não se identifica com as atuais instituições judaicas e estão desconfortáveis com apoio automático e subserviente a políticas de Israel.
Na verdade, esta maioria acredita que apoiar Israel, seu direito à existência e a legitimidade da ideologia que o fundou, não significa necessariamente endossar todas as decisões de seu governo.
Na verdade, por mais conscientes que esses apoiadores possam estar de que só o povo soberano de Israel tem o direito de tomar decisões críticas para o futuro do próprio Estado, não vêem razão para ter negado seu democrático direito de expressar suas opiniões sobre essas mesmas questões – nem que seja porque tais decisões podem ter um impacto tremendo sobre as suas próprias vidas.
Em vez de gritar agressivamente, as instituições e líderes judeus fariam melhor em dar as boas vindas ao debate aberto e aceitar a dissidência política e intelectual.
O ‘JCall’ não é o inimigo. É uma voz legítima que se faz ouvir a partir de uma autêntica preocupação com o destino de Israel. Que aspira uma relação de confiança entre o Estado Judeu e a Diáspora.
… Um verdadeiro terremoto aconteceu na paisagem judaico-européia. Uma nova voz nasceu, e isto só pode ser bom para nós.
Claude Kandiyoty é o editor da revista mensal belgo-judaica ‘Contact J’ e signatário da carta do ‘JCall’.
Publicado no Haaretz em 13|05|10 e traduzido pelo PAZ AGORA|BR