Entre a Democracia e a Tirania, entre a Ocupação Militar e a Independência do Estado, entre a PAZ ou a Guerra, é claro o lado que precisa vencer.
Ele deve ganhar para que o mundo seja um lugar melhor para se viver…
PAZ AGORA na Ucrânia
O pesquisador Benjamin Teitelbaum aponta como ideias do reacionário conselheiro informal de Putin se refletem no conflito
- [ Entrevista de Benjamin Teitelbaum por Uirá Machado | publicado em 27|02|2022 pela Folha de São Paulo ]
A Rússia também tem o seu Olavo de Carvalho. Trata-se do filósofo Aleksandr Dugin, 60, conselheiro informal do presidente Vladimir Putin e criador de uma doutrina segundo a qual os Estados Unidos e a Europa representam a encarnação do mal e, por isso, devem ser contidos.
“As ideias de Dugin envolvem a destruição de qualquer superpotência e a criação de um mundo em que existam múltiplos centros de poder”, afirma Benjamin Teitelbaum, professor de relações internacionais da Universidade do Colorado (EUA).
Teitelbaum pesquisa a ideologia de movimentos nacionalistas, populistas e neofascistas. Em um de seus livros, “Guerra pela Eternidade: o Retorno do Tradicionalismo e a Ascensão da Direita Populista” (Unicamp, 2020), ele investiga o pensamento de ideólogos como Dugin, Olavo e o americano Steve Bannon, ex-estrategista de Donald Trump.
De acordo com Teitelbaum, o que une os três é uma filosofia reacionária chamada de Tradicionalismo, que ele escreve com T maiúsculo. Como o próprio nome sugere, essa corrente se opõe à modernidade.
“[O tradicionalista] olha para as instituições modernas como inerentemente corruptas. Pode ser a universidade, a mídia, a burocracia estatal, em suma, o que quer que tenha surgido em decorrência do Iluminismo, por assim dizer, deve ser posto sob suspeita”, afirma o pesquisador.
No caso específico de Dugin, a essas ideias se soma um desrespeito pelas fronteiras políticas, que, na sua visão, separam populações que pertencem a uma mesma nação.
“E o que vemos Putin fazer [na Ucrânia]?”, pergunta Teitelbaum. Ele mesmo responde: “Está buscando anexar peças da comunidade russa que não são partes formais da nação política”.
No livro “Guerra pela Eternidade”, o sr. fala sobre como o Tradicionalismo foi abraçado por diversos pensadores da extrema direita. Seria possível sintetizar o que é essa ideologia para Aleksandr Dugin?
No Tradicionalismo de Dugin, os Estados Unidos e a Europa são retratados como uma espécie de mal metafísico que vai se espalhar pelo mundo se não for contido. Para ele, existe uma dimensão espiritual em parar os EUA, porque é preciso parar a secularização, o individualismo, a democracia, os direitos humanos universais, o progresso.
Diria que isso é o principal. Mas vale acrescentar que Dugin, assim como muitos Tradicionalistas, incluindo Olavo de Carvalho [1947-2022], olha para instituições modernas como inerentemente corruptas. Pode ser a universidade, a mídia, a burocracia estatal, em suma, o que quer que tenha surgido em decorrência do Iluminismo, por assim dizer, deve ser posto sob suspeita.
E com essas ideias interage um desrespeito pela ordem internacional e pelos Estados no que diz respeito a suas fronteiras. Para ele, existe um mapa mais tradicional, melhor, que mostra como deveria ser [a divisão dos países]
O sr. também descreve no livro como Dugin quer mudar a geopolítica global. Quanto das digitais de Dugin é possível ver na invasão da Ucrânia? A doutrina de Dugin se alinha quase perfeitamente à visão de Putin sobre a Eurásia. Isso não quer dizer, porém, que Putin tenha sentado e lido todos os seus livros. Mas a elite militar da Rússia está imersa em seu pensamento há um bom tempo.
As ideias de Dugin envolvem a destruição de qualquer superpotência e a criação de um mundo em que existam múltiplos centros de poder. Para ele, trata-se de eliminar a universalidade da democracia liberal. Trata-se de lidar com o progresso e o Iluminismo como apenas uma de múltiplas ideias, não como o futuro universal do mundo.
É por isso que ele quer que a Rússia se afirme. E ele não quer que a Rússia se afirme só em áreas de influência privilegiada, que basicamente é a zona da antiga União Soviética. Ele também quer fazer com que a Rússia seja uma sociedade mais inteira e completa.
Em que sentido?
Ele olha para fronteiras políticas, para instituições modernas, convenções e leis internacionais e diz: “Quem liga para isso?”. O que importa para ele é priorizar a nação, ou a comunidade. Isto é, a nação que extrapola os limites da nação política.
E o que vemos Putin fazer? Sim, está criando um amortecedor entre ele e o Ocidente. Mas, assim como ocorreu na Ossétia do Sul, ele também está buscando anexar peças da comunidade russa que não são partes formais da nação política.
Então não se trata de uma jogada puramente geopolítica, mas de uma tentativa de estabelecer o que seria para ele a verdadeira Rússia?
Sim, embora existam aspectos geopolíticos nisso. Ao priorizar etnia, nação ou aliados culturais em vez da política, ele também está delineando uma nova filosofia geopolítica internacional com valores diferentes.
Não se trata de olhar para a economia ou para meras manobras políticas e militares. Trata-se de cumprir um destino da cultura, da espiritualidade e da comunidade. Não é simples de resumir, mas de certa forma se entende que as tropas russas estão honrando um laço étnico-religioso com a Ucrânia.
É como se dissessem: “As comunidades no leste da Ucrânia são nossas e sempre foram. O Estado que existe no mapa não é real, então vamos resgatar nossos filhos perdidos”.
Lendo seu livro, é impossível não ver como a ação russa na Ossétia do Sul em 2008 se repete quase da mesma forma agora. E Dugin teve papel importante naquela ocasião. Tem alguma chance de ser mera coincidência?
Dugin estava em ambos os lugares. Estimulou a guerra nos dois lugares. E a filosofia por trás da movimentação russa nos dois casos é a filosofia que ele defende há muito tempo. Não só na mídia mas também no treinamento da liderança militar da Rússia, já há mais de década. Então não é coincidência.
Mas eu receio que estejamos vendo algo pior agora, e não preciso ser eu a dizer que, com a incursão na Ucrânia, Putin está indo muito mais longe do que na Geórgia.
O sr. quer dizer que ele pode não parar na Ucrânia?
Eu não confiaria em ninguém que, neste momento, diga quais são os limites para Putin. Os limites para ele são os que forem fixados pelas outras potências. Ou seja, ele vai parar onde for parado.
Mas o que eu quis dizer é que não houve na Geórgia a sensação de ocupação total. Houve avanços militares e anexação de territórios periféricos, mas não o que a Rússia parece querer fazer agora, uma ocupação de longo prazo e a criação de um Estado como Belarus, isto é, independente de Moscou no papel, mas não na prática.
Quanto a novas expansões, talvez Moldova seja uma aposta segura. Mas a grande questão são os Estados bálticos. É isso que me preocupa.
No caso da Ucrânia, uma das justificativas oficiais para o ataque é o combate a grupos neonazistas. Isso faz sentido?
Isso é besteira. Claro que existem grupos nazistas, grupos de extrema direita no leste da Ucrânia, mas eles também existem entre separatistas russos. Quando Putin diz que vai “desnazificar” a Ucrânia…
Sabe, é quase o número de nazistas que existem no Brasil. Para essas pessoas, é tipo vestir uma fantasia de Dia das Bruxas. A única diferença é que na Ucrânia existe caos político e vácuo, então eles podem brincar de Dia das Bruxas com armas.
Mas sob a perspectiva do Tradicionalismo, essa justificativa faz sentido?
Não. Mas não é que que o Tradicionalismo celebre os nazistas. [O italiano] Julius Evola [1898-1974], que é o principal político Tradicionalista, colaborou com o governo fascista na Itália, mas no fundo nazistas e fascistas eram muito modernos para ele, muito materialistas. Mas creio que o Tradicionalismo não tenha nenhuma crítica particular ao nazismo.
Por mais que a ação de Putin reflita a visão de grupos reacionários, parece claro que a extrema direita não o está apoiando de maneira uniforme. A que se deve essa divisão?
Em parte, isso tem a ver com quem são os oponentes de Putin. A cobertura feita pela mídia de extrema direita retrata uma batalha entre Putin e [Joe] Biden [presidente dos EUA]. Ou seja, um conservador, cristão e nacionalista em oposição a um globalista secular identificado com a esquerda. Para a direita, fica muito difícil se alinhar com Biden.
E é surpreendente que praticamente todos os principais partidos de extrema direita da Europa tenham condenado Putin. Talvez os eventos no front sejam muito chocantes para conservadores “mainstream”, então a Rússia vai ficando isolada. Veja por exemplo os comentários de Ernesto Araújo [ex-ministro das Relações Exteriores do Brasil].
Ele é apontado como um dos alunos mais leais de Olavo de Carvalho. Como o sr. explica o fato de ele condenar a Rússia?
Tem a ver com a aliança Rússia-China. Para muitos tradicionalistas, exceto Dugin, a China emergiu como o principal inimigo. Eles consideram que os males da China comunista estão enraizados. Ela pode não ser capitalista, mas é secular e globalista.
Olavo de Carvalho disse isso no debate com Dugin. Esse é o ponto crucial que os separa. Ele via a Rússia-China como uma unidade.
Quais as principais semelhanças e diferenças entre Olavo de Carvalho, Dugin e Bannon, que é quem mais aparece no seu livro?
Os três veem a história mundial como uma batalha entre espiritualidade e materialismo, um mundo de diferenças versus um mundo globalizado homogêneo. A questão é: quem tem qual papel nessa dinâmica?
Para Dugin, é Estados Unidos versus Rússia, com Eurásia, China, podendo incluir Irã e Turquia.
Para Olavo e Bannon, é quase o oposto. Para eles, as áreas rurais dos EUA e do Brasil preservaram a espiritualidade do mundo, enquanto a China comunista representa o elemento antitradicional.
Bannon tentou trazer Dugin para essa conversa porque, para Bannon, considerando que Putin é um nacionalista cristão, ele poderia ser atraído para a união Brasil-EUA contra a China.
Olavo de Carvalho teve uma influência direta no governo Bolsonaro, inclusive indicando nomes para ministérios. Dugin age de forma semelhante?
Não dessa mesma forma, embora ele tenha tido papel relevante em negociações internacionais, como quando a Turquia abateu um avião russo na Síria. E isso sem ter cargo oficial.
Mas uma semelhança com a atuação de Olavo é que, durante o conflito na Geórgia, Dugin falava com uma linguagem específica, com termos como quinta coluna e Nova Rússia. Em seguida, a mídia estatal amplificava suas declarações e logo Putin repetia as mesmas palavras.
No caso de Putin, é possível saber o que vem antes para ele, se o Tradicionalismo de Dugin ou se um ímpeto autoritário, por assim dizer?
Essa é a questão. Não tenho ideia. O problema é que existe tanta sobreposição entre Tradicionalismo e autoritarismo, entre Tradicionalismo e populismo que é muito difícil saber onde está a verdadeira motivação.
Putin manda sinais misturados. Nos seus discursos, ele abre falando dos laços espirituais entre russos e ucranianos. Ou seja, tem uma justificação espírito-cultural para a guerra. Mas o resto da fala trata de preocupações como capacidade militar, economia, retorno sobre investimento material que foi feito na Ucrânia na época da União Soviética.
Um outro jeito de olhar é pela história pessoal de Putin, no sentido de que o conservadorismo cultural é uma de muitas ideologias que ele experimentou. Houve uma época em que ele parecia dedicado a se reformular e a reformular a Rússia nos moldes da democracia liberal capitalista europeia.
A sua fé cristã ortodoxa, seus ataques a minorias, a imigrantes, isso tudo veio depois. E foi bom para ele, pois galvanizou sentimentos nacionalistas na Rússia e trouxe aliados nacionalistas na Europa.
Então parece que ele estava apenas usando ideologias que poderiam servir melhor às ambições do Estado russo. O conservadorismo serviu muito bem.
A Rússia tem perdido muito “soft power” nessa guerra. Para Putin e Dugin, isso é um problema?
Sim, eles sem dúvida se preocupam com “soft power”. Em certo sentido, “soft power” é a refutação do poder formal moderno, que é a política representativa, o voto. “Soft power” é caos, é irracional. O que não importa para eles é a opinião popular.
Muito do interesse deles em “soft power” é promover descontentamento em outras populações em relação a questões domésticas. Tem uma seção assustadora no livro de Dugin “Os Fundamentos da Geopolítica” em que ele diz que a maneira de ferir os EUA é pelo estímulo a grupos sectários.
Movimentos de brancos racistas, movimentos como os Panteras Negras, políticas identitárias. Essa é uma questão doméstica, mas a ideia para Dugin é achar uma fenda na sociedade e agravá-la. E agora com mídias sociais é possível fazer isso com muito mais facilidade.
Benjamin Teitelbaum, 39, formado em música pela Universidade Bethany (EUA) e doutorado pela Universidade Brown (EUA), é professor de etnomusicologia e relações internacionais na Universidade do Colorado (EUA). Seu principal foco de pesquisa é a ideologia de movimentos contemporâneos nacionalistas radicais, populistas e neofascistas.
É autor de “Lions of the North: Sounds of the New Nordic Right Nationalism” (Oxford, 2017;[Leões do norte: sons do novo nacionalismo nórdico de direita] e “Guerra pela Eternidade: o Retorno do Tradicionalismo e a Ascensão da Direita Populista” (Unicamp, 2020).