Se anda como um pato …
Quando o vice-presidente Joe Biden aterrissou em Israel em 2010, foi saudado pelo anúncio de planos para construir 1.600 unidades habitacionais para colonos judeus em Jerusalém Oriental. O então premier Netanyahu ficou embaraçado pelo timing do anúncio. O ministério do interior, por ele responsável, correu para explicar que os planos já estavam em andamento há anos e que o timing tinha sido pura coincidência.
O recente voto do Knesset sobre o acordo com os Emirados Árabes Unidos (EAU) praticamente coincidiu com o anúncio do Conselho Superior de Planejamento [HPC] da aprovação para construir quase 5.000 novas casas para colonos na Cisjordânia Ocupada. Desta vez o rosto de Netanyahu nem ruborizou. Afinal, o acordo Israel-EAU nunca mencionou o fim da Ocupação e nem mesmo um congelamento da colonização. Embora seus proponentes tenham louvado o acordo como tendo salvado a Solução de Dois Estados, as decisões do HPC na semana passada deixaram perfeitamente claro que a expansão de assentamentos está viva e forte. E que a perspectiva de um Estado Palestino viável está minguando.
Além de casas novas em assentamentos existentes, o HPC aprovou planos para “legalizar” retroativamente dois postos avançados, Pnei Kedem e Tapuach Oeste, transformando-os de fato em novos assentamentos “oficiais”. Também aprovou projetos de turismo e infraestrutura. Na mesma semana, um tribunal israelense rejeitou o apelo contra a demolição de uma escola primária subvencionada pela União Européia em Ras at-Tin, a oeste de Ramallah, mordiscando mais uma vitória para a “Administração Civil” (órgão militar encarregado de administrar os Territórios Ocupados) em sua luta contra o que o governo vê como “a tomada da área C pelos palestinos” (por acaso, a área C fica na Cisjordânia, portanto a população palestina de lá não pode estar planejando a tomada do que legalmente já é deles; mas não vamos enroscar em detalhes…)
O alto representante da União Européia, Josep Borrell condenou o anúncio do HPC, dizendo que a atividade de assentamento mina “a confiança de que precisamos justamente agora para começar… negociações proveitosas”. Oh, desculpe, isto foi que Biden disse, respondendo ao anúncio de novos assentamentos em 2010. A resposta de Borrell em 2020 disse que a atividade de assentamento “ameaça os atuais esforços para reconstruir a confiança… e preparar o terreno para a retomada de negociações significativas e diretas”. Plus ça change, plus c’est la même chose.
Uma declaração conjunta dos ministros do exterior da Alemanha, França, Inglaterra e Espanha disse que os assentamentos são “um sério obstáculo” à paz e são “ilegais sob a Lei Internacional”. Oops, esta citação é da Declaração de Veneza, emitida pelos ministros do exterior europeus em 1980. O que eles disseram agora foi que os assentamentos são “ilegais sob a Lei Internacional, constituem um obstáculo à paz e ameaçam tornar impossível a Solução de Dois Estados”. Ah, desculpe, não estou conseguindo acertar. Essa é uma citação de uma resolução da União Européia adotada em 2016. Desta vez, determinados a mostrar que era coisa séria, os ministros do exterior disseram que “a expansão dos assentamentos viola a Lei Internacional e põe em perigo a viabilidade de uma Solução de Dois Estados trazer uma paz justa e duradoura para o conflito israelense-palestino”. Vive la différence (se você encontrar).
Em 2010, havia cerca de 300.000 colonos na Cisjordânia. Hoje são 500.000, excetuados os que vivem na Jerusalém Oriental Ocupada. Foi o que aconteceu na década entre a declaração de Biden de que a atividade de assentamento mina a capacidade de construir confiança e a prática repetição por Borrell das mesmas palavras. Também demonstra o que renderam 20 anos de declarações européias sobre a ilegalidade dos assentamentos.
Antes do acordo Israel-EAU, a comunidade internacional advertiu que uma anexação seria uma mudança do jogo, mas parece incapaz (ou indisposta) de fazer as contas. Transferências de populações, desapropriações de propriedade, descaradas declarações de intenções de reter o território — junte tudo isso e a soma será: Anexação.
Afinal, se anda como um pato e soa como um pato…
sobre a autora:
Susie Becher é editora do Palestine-Israel Journal, uma revista quadrimestral colaborativa publicada em Jerusalém; é diretora de comunicações do Policy Working Group, equipe de acadêmicos, ex-diplomatas, defensores de direitos humanos e especialistas em mídia que advoga pelo fim da Ocupação e a solução do conflito Israelense-Palestino. Pertence ainda ao Comitê Executivo do Zulat, um think tank que defende os direitos humanos e a igualdade em Israel.
[por Susie Becher | publicado em 18|10|20 no The Times of Israel | traduzido pelo PAZ AGORA|BR]