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A Iniciativa Árabe de Paz de 2002 foi um tipo de « bomba »: foi lançada no calor da segunda intifada, com o pano dde fundo de violência entre palestinos e israelenses. Essa violência explodiu um dia depois da “visita” provocativa ao Complexo do Monte do Templo-Al Aqsa pelo então líder da oposição, Ariel Sharon, acompanhado de mil apoiadores.
A Iniciativa declarou a disposição de todos os membros da Liga Árabe a fazer a paz com Israel e a normalizar relações com o país. caso Israel fizesse a paz com os palestinos com base na Solução de Dois Estados, e com a Síria (depois afastada da Liga Árabe).
A Iniciativa Árabe de Paz foi muito supreendente, e deu uma poderosa resposta ao principal argumento da direita israelense: que o coração do conflito do Oriente Médio é a rejeição absoluta dos países árabes a reconhecer Israel, e não a disputa territorial entre Israel e os palestinos. De repente, do nada, o mundo árabe chegou e declarou, coletivamente, uma prontidão condicional a reconhecer Israel.
Primeiro foi a Iniciativa Saudita, nascida numa entrevista de fevereiro de 2002, que o então Príncipe da Coroa Abdullah deu a Thomas Friedman no New York Times. Foi uma maneira de os sauditas desviarem o Presidente George W. Bush do tema da democratização interna, ou para substituí-lo. Em questão de semana, com poucas modificações, a Iniciativa Saudita tornou-se da Liga Árabe.
Foi também importante para a OLP, porque o outro propósito da Iniciativa foi preservar o poder e a unidade do coletivo árabe, evitando que aqueles países árabes que brincavam com a idéia de estabelecer, independentemente, relações diplomáticas completas com Israel (como a Mauritânia, que tinha feito isto em 1999) o fizessem antes que houvesse um acordo consensuado sobre um acordo de paz palestino-israelense.
O governo de Israel foi rápido em rejeitar a Iniciativa, lendo nela a intenção de “destruir Israel”, conforme Sharon.
Mas a Iniciativa Árabe não foi uma promessa eterna, Ao passar dos anos, mais e mais países árabes desenvolveram relações secretas com Israel para se peneficiar de sua proximidade estratégica com os Estados Unidos, de suas conquistas tecnológicas e do seu poder militar, como parte de uma coalizão contra inimigos comuns na região, A Iniciativa Árabe de Paz tornou-se um obstáculo em seu caminho da cooperar completa e abertamente com Israel, que nunca havia sido seu real inimigo.
A possibilidade de apresentar a normalização como um compromisso, de forma a convencer Israel a não anexar unilateralmente parte da Cisjordânia, foi uma boa forma de justificar algo que eles queriam fazer com ou sem uma desculpa.
Este é o pano de fundo dos acordos de normalização entre Israel, UEA e Bahrain, assinados na semana passada em Washington.
A Arábia Saudita apoia essas decisões, no seu jeito reticente (é improvável que a UEA e Bahrain tivessem tomado tais decisões sem sua concordância), mas continua declarando que está totalmente comprometida com a Iniciativa Árabe.
As decisões para normalizar relações com Israel, de acabar com o boicote anti-Israel, e de declarar uma política de céu aberto para voos israelenses são históricas e muito importantes para Israel.
Mas devemos ter em mente que elas não podem e não devem ignorar a necessidade de uma solução pacífica com os palestinos, baseada em Dois Estados, sob o guarda-chuva de uma confederação ou sem ele.
Esta é a única maneira para assegurarmos que uma minoria judia não irá dominar uma maioria árabe no futuro. Nem a paz com qualquer outro país árabe, nem qualquer número de países árabes pode nos assegurar disto.
Para os palestinos, é a única forma de acabar a Ocupação e ter sua independência. Eles também precisam se adaptar à nova realidade: devem parar de chamar de “traidores” os negociadores de paz. Devem aproveitar o fato de que hoje existem quatro países importantes da Liga Árabe que fizeram a paz com Israel e que esse bloco pode e deve se tornar um lobby dedicado a uma paz israelense-palestina.
A Iniciativa Árabe de Paz é hoje irrelevante, na sua formulação original, como promessa para normalizar relações com Israel, condicionada a um tratado de paz com os palestinos. Mas teve um papel importante para mostras a ambos os lados a acessibilidade potencial a um horizonte pacífico,
Agora, a Iniciativa Árabe de Paz deve ser canalizada para um grupo de pressão intensivo pela paz, energizado por boas relações com ambos os lados, israelenses e palestinos, e que seja capaz de trafegar entre eles, falar com eles e ajudar com que cada um caminhe passo-a-passo para o encontro. Para a Paz.
Yossi Beilin foi Ministro de Justiça de Israel e co-iniciador do Processo de Oslo e da Iniciativa de Genebra.
[ por YOSSI BEILIN | publicado no Haaretz em 21|09|2020 | traduzido pelo PAZ AGORA|BR ]