A operação conjunta de Donald Trump e Benjamin Netanyahu para atribuir legitimidade à anexação do territórios palestinos foi vazada justamente quando uma cerimônia memorial do Fórum Mundial do Holocausto se realizava no Yad Vashem. É difícil conceber uma combinação mais cínica: em Jerusalém, o antissemitismo estava sendo usado para silenciar a esperada oposição mundial ao plano de anexação.
E assim, o antissemitismo que levou a catástrofe ao povo judeu foi transformado por Israel numa ferramenta política cínica e desavergonhada. Jerusalém transformou o antissemitismo na grande arma contra qualquer chamado à remoção de sequer um punhado de judeus da Cisjordânia e contra a idéia de dividir a terra de modo razoável, Para os nacionalistas, qualquer política que não se identifique completamente com o interesse israelense, da forma como eles vêem, é equivalente a antissemitismo.
O talento de Netanyahu e seus minions para o uso do Holocausto e do antissemitismo como moedas não demanda mais provas, e a covardia da Europa e sua incapacidade de resistir às chantagens da direita israelense é também notória. O Israel do Likud tem negado os termos “Ocupação” e o “apartheid nos territórios” como sendo antissionistas e assim igualou o anti-sionismo com antissemitismo. A Europa é, justificadamente, marcada por sentimentos de culpa em relação aos judeus; esta conta jamais será fechada, mas ainda assim não justifica uma atitude de perdoar o ultra-nacionalismo judeu-israelense e o racismo.
Paradoxalmente, essa disposição de perdoar acaba resultando num apoio ativo para a destruição de Israel como sociedade liberal, democrática e judia.
Qualquer pessoa razoável entende que a anexação sem direitos iguais para os palestinos significa o estabelecimento de um novo Estado de apartheid – criando uma tal realidade que não é exatamente uma que seja como as razões de ser da União Européia.
Quem na Europa Ocidental está disposto a patrocinar este ato e permitir que os ultranacionalistas judeus drenem do nacionalismo judaico qualquer gota de seus valores liberais?
Para além de toda a discussão sobre o que constitui a identidade religiosa e nacional judaica, o sionismo foi uma resposta ao antissemitismo europeu e uma solução para a opressão dos judeus e o perigo mortal em que estavam. A fuga para o novo mundo foi a solução favorita para 90% dos que fugiram da Europa antes que os portões doa Estados Unidos se fechassem no início dos anos ‘1920.
A solução sionista se provou correta porque todas as outras portas estavam trancadas, e após o Holocausto ganhou legitimidade internacional.
Mas agora, a direita ultranacionalista está tentando expandir esta legitimidade por liberdade e independência para incluir Ocupação e Anexação. Esta é a epítome da cínica e desavergonhada exploração do Holocausto e do antissemitismo para as necessidades políticas do atual governo israelense.
E aqui vem a questão: Como fazer com que o mundo liberal entenda que não há conexão entre antissemitismo e a crítica da Ocupação e Anexação, ou de outros aspectos da política israelense nos territórios?Parte inferior do formulário
O presidente alemão expressou remorso de uma forma que inspira respeito. Sob a liderança de chanceler Angela Merkel, seu país absorveu um milhão de refugiados não cristãos e não europeus, num esforço para mostrar que está livre do racismo. Mas a Alemanha e a França, que tem suas própria questões antissemitas, agem como se tivessem medo de suas próprias sombras quando tocadas no nervo sensível da crítica a Israel.
A propaganda da direita conseguiu convencer muitos dos melhores liberais da Europa Ocidental de que tais críticas significam oposição ao sionismo, ou ao direito de Israel existir – sendo portanto antissemitas. Esta é uma completa mentira.
E os israelenses deveriam ser os primeiros a gritar a verdade.
[ por Zeev Sternhell | publicado em 31|01|2020 no Haaretz e traduzido pelo PAZ AGORA|BR – pazagora.org ]
Zeev Sternhell, veterano ativista do Movimento PAZ AGORA, nasceu na Polônia em 1935 e sobreviveu ao Holocausto. Cientista político, é um dos especialistas mais respeitados no mundo em estudos sobre o fascismo. Titular do Prêmio Israel, chefiou o Departamento de Ciências Políticas da Universidade Hebraica de Jerusalém.