Governo de Israel Promove Novo Assentamento no Shuk (mercado público) de Hebron
01|12|19
O novo Ministro da Defesa [responsável pela administração dos territórios ocupados] Naftali Bennet [deputado de ultra-direita] ordenou hoje ao COGAT (Coordenação de Atividades do Governo nos Territórios) iniciar o processo de planejamento de um novo assentamento no Mercado Público [Shuk] da Cidade Velha de Hebron. Embora já em novembro de 2018 o então Ministro da Defesa Avigdor Lieberman tenha anunciado sua intenção de promover o projeto, até agora nenhuma ação prática aconteceu para avançar a construção do assentamento. Na carta do Ministro Bennett, o COGAT é ordenado a “avançar os procedimentos de planejamento no Shuk de Hebron, de forma a demolir as estruturas existentes e construir novas, de acordo com a “lei“ e “enviar uma carta da Administração Civil [Autoridade Ocupante] para a Prefeitura de Hebron”,
PAZ AGORA: Estas são notícias muito ruins para Israel: más moralmente, más para a segurança e más em termos de chances políticas para a paz. O assentamento em Hebron é a face mais horrível do controle por Israel dos Territórios Ocupados.
Para manter a presença de 800 colonos em meio a 250 mil palestinos, ruas inteiras em Hebron são interditadas a palestinos, negando-lhes liberdade de movimento e interferindo nas suas subsistências”.
Por que um novo assentamento em Hebron não deve ser promovido:
- É eticamente inadmissível colonizar uma área atrás das fronteiras soberanas de um Estado, numa área onde o próprio exército exerce um controle efetivo sobre uma população local e a impede de adquirir plenos direitos. Mais ainda, são esses assentamentos que ficam no caminho de um acordo político que iria acabar com este controle militar [a Ocupação] e conceder aos palestinos liberdade do domínio estrangeiro (ou, teoricamente, direitos iguais dentro de Israel).
O refrão comum dos colonos é que eles estão meramente “voltando para viver em sua Pátria ancestral”. Mas tal explicação ignora inteiramente o contexto de como sua vida na Cisjordânia perpetua o domínio militar de Israel sobre os palestinos, às custas da liberdade deles.
2.Esses assentamentos impõem um fardo de segurança – Estabelecer um novo assentamento no coração de uma cidade palestina, onde 800 colonos vivem entre uma população de 200.000 palestinos, demandará que o EDI invista mais forças para guardá-los.
- Esses assentamentos não são apenas “outra colina” – Um assentamento no coração de uma área urbana palestina densa é diferente de qualquer outro assentamento. Para proteger os colonos na cidade habitada por palestinos, o EDI impõe medidas extremas sobre a população, incluindo o fechamento de lojas e negócios, fechamentos de ruas ao tráfego veicular e, em algumas ruas, proibindo pedestres palestinos de caminhar por elas. Neste sentido, o assentamento em Hebron é a face horrível do controle israelense sobre os Territórios Palestinos. É tanto imoral como um desastre de relações públicas para Israel.
- O Shuk [wholesale market] é um símbolo– O complexo do Shuk era o coração vibrante da Cidade Velha de Hebron. Foi tragicamente fechado por ordem do EDI em 1994, em seguida ao Massacre de Baruch Goldstein, colono que metralhou dezenas de muçulmanos, enquanto oravam na Tumba dos Patriarcas. Pelo Protocolo de Hebron, assinado pelo então primeiro-ministro Benjamin Netanyahu e o presidente da Autoridade Palestina, Yasser Arafat em 1997, Israel comprometeu-se a reabrir o mercado de Hebron como parte da “Normalização da Vida na Cidade Velha”. Mas esse compromisso jamais foi implementado e todas as lojas continuam fechadas até hoje.
- Legalmente, a terra pertence à Prefeitura de Hebron(em arrendamento protegido) – Os inquilinos protegidos não podem ser “despejados” sem motivos justificáveis e decisão judicial. A vontade política do governo israelense para estabelecer um assentamento não pode ser fundamento para isto, que significa adotar um sistema tido apartheid, em que a população israelense tem superioridade sobre a palestina (veja explicação abaixo).
- A alocação da terra para o assentamento implicará na aceitação do princípio do Direito de Retorno?– A base da demanda dos colonos para o estabelecimento de um assentamento no shuk [e que a terra teria sido propriedade de judeus antes de 1948. Israel tem centenas de milhares de dunams e imóveis que eram propriedades de palestinos antes de 1948. Caso o governo de Israel aceite a demanda de ex-proprietários a retornar às suas terras tomadas em 1948, isto minará a reinvidicação israelense de que o direito de retorno de palestinos para o interior de Israel não deve ser implementado.
- Prejuízo Político– Além dos aspectos moral, de segurança, legal e da violação dos compromissos israelenses, a expansão do assentamento em Hebron distancia os israelenses de realizar a perspectiva de um acordo de Dois Estados. Assim fazendo, estamos enfraquecendo nossa própria capacidade de preservar o caráter democrático de Israel ao tornar permanente nosso domínio militar sobre a população palestina.
Antecedentes
O Massacre de Hebron em 1929: A “Justificativa” História para o Assentamento e Opressão Israelense em Hebron
Hebron é uma das cidades sagradas para judeus e muçulmanos, onde nossos ancestrais comuns – Abraão, Isac e Jacó, Sara, Rebeca e Léa estariam enterrados. Judeus viveram em Hebron por séculos, na maior parte sob domínio muçulmano.
Em 1929, num dia marcado no calendário hebreu pelo acrônimo “Tarpat,” Palestinos da região realizaram um horrendo massacre dos judeus de Hebron e assassinaram a sangue frio 60 judeus, ferindo mais de uma centena. A comunidade judaica de Hebron tentou se recuperar após o massacre, mas a maioria dos moradores saiu. Uma pequena comunidade restou até que o Plano de Partilha da ONU foi aceito em 1947 e a guerra civil surgiu. Em 1967, colonos demandar restabelecer o assentamento em Hebron, que havia sido destruído após 1929.
A história do Massacre de Hebron é a de seres humanos se tornando animais e perpetrando um chocante pogrom contra seus vizinhos. Para não ser apagada da memória histórica, é também a história heroica de vizinhos palestinos que arriscaram as próprias vidas para salvar dezenas de judeus, oferecendo-lhes abrigo. Por isto, esses árabes receberam reconhecimento oficial do movimento sionista.
O Massacre de Tarpat é um importante argumento da narrativa dos colonos e de sua demanda por restabelecer uma presença judaica em Hebron: “Nós fomos removidos à força; Nós voltaremos pela força”. Na Bíblia, Abraão ensina que comprou a Caverna dos Patriarcas com dinheiro, mesmo que pudesse tê-la recebido como presente. Os colonos, em contraste, levaram em conta apenas a “ação”, o fato de que era “nossa”. Menos conecta às idéias de se assentar sem o consentimento e o respeito pelos locais.
A História do Shuk [wholesale market]
Seu terreno era propriedade de judeus antes de 1948. Após os jordanianos ocuparem a Cisjordânia na Guerra de 1948, a Jordânia cedeu o terreno sob arrendamento protegido para a Prefeitura de Hebron, que em troca construiu ali o Shuk, que se tornou o coração pulsante da Cidade Velha de Hebron.
Nos anos ’80, o complexo de assentamento Avraham Avinu foi criado, próximo do Shuk. No Purim de 1994, Baruch Goldstein, um colono radical de Kiryat Arba, assassinou dezenas de muçulmanos orando na Caverna dos Patriarcas. Após o massacre, o EDI fechou o Shuk por uma ordem especial, por causa de sua proximidade com as casas de colonos e o receio de ataques de vingança. O fechamento temporário, por razões de segurança, continuou e foi estendido por muitos dias, mantendo-se até hoje.
Como mencionado abaixo, no Protocolo de Hebron assinado pelo então Primeiro Ministro Benjamin Netanyahu e o Presidente da Autoridade Palestina, Yasser Arafat em 1997, Israel comprometeu-se a reabrir o Shuk em Hebron, como parte da “Normalização da Vida na Cidade Velha”, o que nunca aconteceu.
Em 2001, colonos aproveitaram a Intifada e o cerco imposto sobre os palestinos de Hebron, e invadiram lojas vazias, instalando apartamentos ali. A Administração Civil emitiu ordens de despejo, apenas em resposta a uma petição da Prefeitura de Hebron à Suprema Corte, (HCJ 5097/01) e os colonos se retiraram em 2006. Duas famílias voltaram às lojas logo após despejadas, mas foram novamente retiradas em 2007.
O PAZ AGORA requereu ao Ministério da Defesa [responsável pela administração dos Territórios Ocupados] o termos da opinião legal, mas este recusou alegando ser um documento interno. Após uma petição do Movimento à Corte Distrital de Tel Aviv, o Ministério concordou em “parafrasear” a opinião e forneceu um sumário dos principais pontos do documento.
A opinião argumentava que é permissível construir sobre a estrutura do shuk porque, afirma, o arrendamento protegido da Prefeitura refere-se apenas às lojas em si, e não sobre seu telhado ou solo. Também declara que, como no futuro previsível o shuk tem pequena probabilidade de ser reaberto aos palestinos, devido à situação de “política e segurança”, Israel também pode demolir as lojas para escavar novas fundações para construção, e aí construir as lojas e, acima delas as casas para colonos.
O sumário diz o seguinte:
“A negação do uso do complexo por uma período limitado e definido para construção não cria qualquer dificuldade neste respeito, porque as lojas estão fechadas por quase 25 anos e não há razão para assumir que a situação política/de segurança que prevaleça em Hebron irá permitir seu retorno à atividade no futuro previsível”.
A frase “situação política/de segurança” é particularmente importante, porque revela a verdade por trás da justificativa legal para a situação de Hebron. De acordo com a lei internacional, o poder ocupante pode operar no território ocupado apenas para o benefício da população ocupada ou para propósitos de segurança.
Necessidades políticas são proibidas pela lei internacional. A única desculpa que legalmente permite a situação de Hebron é a situação de segurança. A adição da palavra “política” trai a verdade de que as razões para a situação de segurança estão diretamente relacionadas à política governamental de Israel no Território Ocupado.
Essa palavra é, entretanto, necessária para explicar por que as edificações podem ser demolidas por um período de meses ou anos, até que sejam reconstruídos, se a questão é apenas de segurança, que pode mudar a cada dia.
Ou seja, “a opinião” do Ministério da Defesa revela como Israel se posiciona numa linha tênue entre ocupação e apartheid.
A ironia é que os colonos argumentam que o Massacre de 1929 levou à expulsão dos judeus da terra onde fica o Shuk, mas sob domínio Israelense, o Massacre de 1994 (pelo colono Baruch Goldstein) levou à expulsão dos palestinos do Shuk. Agora emerge que, conforme a opinião legal do Ministério da Defesa, por causa do massacre de que foram vítimas, os palestinos estão perdendo seus direitos.
Outras duas opiniões – Em paralelo com a opinião legal do Ministério da Defesa, existe outra opinião, pela Assessoria Legal da Administração Civil, que até onde o PAZ AGORA pôde reunir, se opõe àquela idéia e diz que Israel não pode apropriar-se dos direitos da Prefeitura de Hebron sobre o Shuk [wholesale market]. Em outubro de 2018, o Vice Assessor Legal para o governo no Ministério da Justiça escreveu uma terceira opinião sobre o tema, mas o Ministério da Justiça se recusa a revelar sua opinião, classificando-a de “interna”.
[ Publicado pelo PAZ AGORA em 02|11|18 e traduzido pelo PAZ AGORA|BR ]