O processo diplomático entre Israel e os palestinos está estagnado desde as conversações de John Kerry em 2014. Certamente não foi uma questão destacada na recente campanha eleitoral em Israel. Tudo que foi deixado para discutir foi o tão adiado plano de paz de Donald Trump. O primeiro-ministro Benjamin Netanyahu tirou vantagem deles apenas para dizer que poderia segurar as pressões de Washington. Por outro lado, como nada é realmente conhecido sobre o plano, o “negócio do século” nunca se tornou tema de discussões ou sujeito de debate entre as partes.
Em contraste, o problema dos foguetes disparados da Faixa de Gaza foram um mantra comum em toda campanha, criando toda sorte de alianças surpreendentes. A direita se queixava que Netanyahu estava tratando o Hamas com luvas de pelica e permitindo que representantes do Qatar trouxesse pagamentos mensais a Gaza, mas que do outro lado, o primeiro-ministro não aprovaria uma operação militar para derrotar o Hamas (o braço da Fraternidade Muçulmana em Gaza) e a Jihad Islâmica (franquia do Irã em Gaza), pela preocupação de que um choque militar resultaria em muitas baixas israelenses e poderia até forçar Israel a ficar em Gaza após reocupá-la. Benny Ganz, líder o Azul e Branco e Avigdor Liberman do Israel Beiteiniu se alinharam à direita nestas críticas a Netanyahu.
Gantz foi chefe do Estado Maior do EDI durante a Operação Borda de Proteção em Gaza em 2014. Na sua campanha eleitora de abril, ele se vangloriou de que, sob seu comando, o EDI foi responsável por numerosas baixas palestinas, e afirmou que a operação que supervisionou rendeu a Israel vários anos de calma. Agora ele diz ser impossível aceitar o nível de violência de Faixa de Gaza alvejando Israel, e que a situação deve ser resolvida por deterrência ou por uma ação militar qu resultaria em deterrência.
Liberman suportou a carga de uma entrevista que deu em maio de 2016, na qual afirmou que se fosse nomeado ministro da defesa, faria ao chefe do bureau político Hamas, Ismail Haniyeh, um ultimato: Libertar os israelenses por ele detidos (2 cidadãos e os corpos de dois soldados) dentro de 48 horas ou encarar seu assassinato. Para surpresa de muitos, ele foi nomeado ministro da defesa dois dias depois e nunca mais repetiu esse ultimato. Pouco depois, ele até admitiu que não havia base para sua ameaça. Por outro lado, desde sua renúncia do cargo em novembro de 2018, ele vem acusando Netanyahu de tê-lo impedido de lançar uma operação militar abrangente na Faixa de Gaza.
Baseados nos resultados quase finais das eleições israelenses de 17|09, existe agora uma possibilidade razoável de que Gantz se torne o novo primeiro-ministro e que Liberman seja seu ministro da defesa. Se isto acontecer, ambos terão um trabalho duro na discussão do problema de Gaza. Também seria difícil para eles continuar com a situação patética de representantes do Qatar trazendo malas cheias de dinheiro a Gaza para o Hamas poder pagar salários e fornecer serviços sociais. Se esses dois homens assumirem as posições mais sensíveis do país e se o Hamas decidir testá-los, a chance de outro conflito aumentará, mesmo que um governo de unidade sob Ganz venha ser mais moderado que seu predecessor.
Isto remete à questão do acordo indireto com o Hamas, cujos detalhes são objeto de conversações prolongadas com o Egito. Isto incluiria um cessar-fogo por tempo limitado com Israel, além de outros entendimentos relativos ao suprimento de bens e energia, o emprego de trabalhadores palestinos em Israel e permissão para cruzar a fronteira para comerciantes, estudantes que queira estudar na Cisjordânia, pacientes de tratamentos médicos em Israel, e assim por diante. Esse quadro de entendimentos poderia ser usado para resolver o problema dos israelenses detidos pelo Hamas, além da troca de restos mortais dos dois lados.
Se a mudança de governo em Israel puder ser usada para esses importantes avanços, que podem salvar vidas israelenses e palestinas, será necessário que eles sejam feitos com o cauteloso envolvimento da Autoridade Palestina (AP). Qualquer contato diplomático com o Hamas causa intensa trepidação entre as autoridades de Ramallah. Eles são muito preocupados com que Israel contorne as autoridades palestinas que denunciaram o terrorismo e se mantém comprometidos com os acordos que fizeram com Israel. Por outro lado, se a AP pedir a Israel que evite um acordo com o Hamas, Israel não deve aceitar, pois a AP não tem solução para os foguetes que são atirados da Faixa de Gaza, nem está preparada para assumir a responsabilidade pela segurança na Faixa.
Além das tentativas de chegar a um acordo com o Hamas sobre Gaza, o partido Azul e Branco também deve aos seus eleitores e a si a renovação de conversações com a OLP sobre um acordo de status permanente. No passado, Liberman era ministro do exterior do governo Netanyahu, ele decidiu não interferir nas conversas conduzidas pelo Secretário de Estado americano, John Kerry, para trazer paz entre Israel e os palestinos. À época, ele disse que não acreditava na possibilidade de encontrar qualquer campo comum entre as partes. Não lhe importou que a então Ministra da Justiça Tzipi Livni tenha ficado encarregada das conversações. (Também deve ser observado que Netanyahu fez tudo que pôde, através do seu emissário e “supervisor de kashrut” Yitzhak Molcho, para minar essas conversações). Só pode ser esperado que na próxima tentativa de chegar a um acordo — e, não apenas para provar que existe um parceiro no outro lado — Liberman aja da mesma maneira, não interferindo. Gantz nomearia alguém para chefiar a delegação negociadora, Liberman então tentaria convencê-lo de que isto era um desperdício de tempo e energia, mas também “deixaria as crianças brincar”, convencido de que nada sairia dali.
O propósito dessas conversas com os palestinos seria chegar a um acordo abrangente, que incluiria Gaza, permitindo à liderança de Gaza participar na sua implementação — talvez após um referendo palestino, como prometido pelo presidente palestino Mahmoud Abbas no passado. Mesmo que Gaza não possa ser forçada a se unir ao acordo, não se pode permitir que o Hamas impeça Israel de chegar a um acordo com a OLP.
Pode-se vislumbrar uma situação de ter Ganz fazendo um acordo com a OLP e o implementando na Cisjordânia , enquanto Gaza mantem seu acordo de hudna (cessar-fogo) até que uma liderança alternativa decida se juntar ao processo de paz.
Isto é certamente preferível ao atual impasse no leste com os bombardeios no sul.
E é certamente preferível ao acelerado relógio demográfico.
Yossi Beilin ocupou vários cargos no Knesset e no governo de Israel, inclusive Ministro de Justiça e de Assuntos Religiosos. Militou no Partido Trabalhista (Avodá), tendo servido aos governos de Yitzhak Rabin, Shimon Peres e Ehud Barak. Liderou o Partido Meretz.
Foi o principal articulador israelense dos Acordos de Paz de Oslo, do Acordo Beilin-Abu Mazen, da Iniciativa de Genebra e o criador do programa Birthright/Taglit.
[ publicado no Al-Monitor.com em 23|09|2019 e traduzido pelo PAZ AGORA|BR ]