Eu achava que Bibi fosse amoral. Não é.
Ele é “O Mal”. Graças a ele, o terrorista Kahane sobrevive.
Netanyahu está negociando com um partido supremacista violento chamado “Poder Judeu” para procurar sua reeleição como primeiro-ministro. E tentar se safar das acusações de bilhões de corrupção em que está indiciado.
Ele não é Trump. Você não pode culpar o que Benjamin Netanyahu faz numa séria, volátil e provavelmente incurável desordem de personalidade, ou numa profunda ignorância em não-saber-o-que-ele-não-sabe
Ele não é Trump. Netanyahu é esperto, inteligível. Se conhece. Ele não é precipitado.
Há décadas venho observando Netanyahu , estudando-o, pedindo ajuda a ele. Eu percebi que eu o conhecia. Eu costumava pensar que eu o entendia, que suas ações e palavras deixavam claro que, apesar de todas as suas posturas, ele era amoral, desprovido de certo e errado, despreocupado com a ética, livre de consciência, desprovido de uma bússola moral.
Mas agora, com esta campanha eleitoral, percebo que estava errado. Benjamin Netanyahu não é amoral. Ele é malvado.
Não é só isso, como ministro da Defesa, ele tem divulgado,repetidamente e sem precedentes, segredos de Estado , no processo de instigar e humilhar os inimigos primários de Israel, tudo por presumível ganho eleitoral, e amenizar as dores de sua crônica obsessão pelo Irã. Ao fazer isso, ele colocou os militares israelenses em risco e seguiu um curso de escalada que poderia levar à guerra.
Não é só isso que, como primeiro-ministro, ele permitiu, apoiou, cortejou e endossou nacionalistas brancos, homofóbicos e antissemitas ultra-direitistas em três continentes, muitas vezes para o horror e a traição das comunidades judaicas da diáspora.
Nem é apenas a medida em que ele está exercendo uma punição coletiva cruel e de longo alcance contra os palestinos como uma ferramenta de campanha, arrastando a administração Trump para juntar-se a ele em sufocar a ajuda à Cisjordânia e render o insuportável inferno do poder. para baixo, a Faixa de Gaza , com fome de água, apenas muito mais inabitável.
Nem é apenas o fato de que Netanyahu nem se dá ao trabalho de esconder isso. Apesar de – ou por causa de – uma maré de condenação internacional e seu próprio procurador-geral ter alertado que o Tribunal Penal Internacional poderia interpretá-lo como um crime de guerra, o primeiro ministro disse a jornalistas de direita na semana passada que “certamente ajudaria” se a aldeia beduína Khan al-Ahmar [existente desde antes da Independência] fosse evacuada à força e demolida antes que os eleitores aprovassem as eleições em 9 de abril .
Não. Este é o que lhe diz mais do que você quer saber sobre o mal: a campanha incansável de Netanyahu para colocar em sua futura coalizão de governo, o partido Otzmá Yehudit (Poder Judeu), liderado por discípulos dos cruéis, descaradamente racistas, raivosamente judeus, da ideologia supremacista do falecido Meir Kahane.
Netanyahu expressou abertamente sua profunda preocupação de que até 100 mil votos ou mais de votos de extrema-direita poderiam ser desperdiçados se partidos extremistas como Otzmá deixassem de superar o limite eleitoral de 3,25%.
Netanyahu, apoiado pelos recursos de mídia do diário de circulação em massa de Sheldon Adelson, Israel Hayom, gastou muito do seu tempo e energia pressionando os líderes de outros partidos de direita a se fundirem com o Otzmá, que formaria uma parte fundamental de uma eleição pós-eleitoral – a Coalizão de Netanyahu.
Mas é tão extremo o Otzmá, que até mesmo Bezalel Smotrich , um líder de extrema direita do Habayit Hayehudi, e talvez o mais publicamente racista e homofóbico dos legisladores israelenses atuais, inicialmente rejeitou a pressão de Netanyahu para trazer o Otzmá. No entanto, na quarta-feira, véspera do prazo final para a finalização das inscrições, o Otzmá anunciou que concordou com uma fusão com os partidos Habayit Hayehudi e National Union, para impedir “o estabelecimento de um governo esquerdista, Deus me livre”.
Mais tarde, descobriu-se que, para selar o acordo, Netanyahu ofereceu ao Habayit Hayehudi os ministérios de educação e habitação – dando-lhes controle efetivo da expansão dos assentamentos e dos currículos das escolas públicas – além de dois assentos no gabinete de segurança.
Líderes do passado do Likud, como Menachem Begin, isolaram e acabaram formalizando a ilegalidade de Kahane e seus seguidores. Liderados por Begin, os outros 119 legisladores deixariam o salão do Knesset em meados da década de 1980, quando então o MK Kahane subiria ao pódio.
Mas Netanyahu, cujo legado político foi cimentado pelo anúncio de última hora em 2015 aos eleitores judeus de que hordas de árabes estavam prestes a invadir as urnas, não se incomoda, não dizendo nada sobre a violência, intolerância, incitação e pilares antidemocráticos dos Kahanistas. Credo.
Netanyahu foi tão longe a ponto de tirar tempo de reuniões na recente cúpula do Oriente Médio em Varsóvia para telefonar a influentes rabinos do movimento de assentamento em um esforço para pressionar partidos dominados por colonos a aceitarem Otzma.
Esta semana, quando se aproximava o prazo de quinta-feira para as fusões partidárias, Netanyahu aumentou ainda mais o aquecimento. As ligações para os rabinos agora incluíam o pai de Smotrich, o rabino Haim Yeruham Smotrich. Netanyahu “implorou a ele: ‘Fale com seu filho, para se unir a Otzma Yehudit”, disse o primeiro-ministro .
Ironicamente, foi um movimento pela coalizão de direitistas linha-dura de Netanyahu que elevou a cláusula de barreira (para um partido participar do governo) para 3,25% dos votos, numa direta, mas fracassada, tentativa de eliminar os partidos árabes do Knesset na eleição de 2015.
Netanyahu e outros haviam apontado com alarme para a corrida de 1992, quando o Partido Tehyia, de extrema direita teve uma votação extremamente baixa e foi eliminado do Knesset por força da própria lei. Isto acabou abrindo o caminho para a subida do governo Rabin, talvez o mais esquerdista da história de Israel.
Os objetos do ardor político de Netanyahu podem ser vistos em anúncios que adornam os ônibus de Jerusalém: os herdeiros de Kahane, que são os garotos-propaganda do Partido Otzma Yehudi [Poder Judeu], graduados e pontas de lança do proscrito partido Kach, Kahane Chai [Kahane Vive] e outros ramos Kahanistas.
E tem o Baruch Marzel, que no passado pregou o assassinato seletivo de esquerdistas e uma guerra santa contra os LGBTQ.
Tem o Itamar Ben-Gvir, advogado de uma longa lista de judeus suspeitos de terrorismo anti-palestino e de crimes de ódio anti-árabes e que incitava pelo assassinato de Yitzhak Rabin.
E, entre outros, tem o Benzi Gopstein, chefe da organização extremista Lehavá, cujos protestos contra casamentos mistos árabe-judeus muitas vezes transformaram festas em banhos de sangue.
O legado de Kahane em Israel foi literalmente escrito com sangue.
Em 1982, um seguidor de Kahane nascido em Baltimore, Alan Goodman, vestindo o uniforme básico do IDF e munido de um rifle de assalto M16, abriu fogo na esplanada da Mesquita de Al-Aqsa em Jerusalém, matando um e ferindo 11 árabes. Cumpriu 15 anos de uma pena perpétua.
Em 1994, o discípulo de Kahane, o médico Baruch Goldstein, nascido no Brooklyn e que havia mudado para o assentamento de Kiryat Arba, assassinou 29 muçulmanos em Hebron, na sagrada Caverna dos Patriarcas, antes de ser abatido.
Hoje os restos de Kahane e Godstein estão sepultados num parque exclusivo de Kiryiat Arba. Nas lápides figuram palavras como”mártir” e “santo”. Periodicamente recebem homenagens e romarias. A região ainda é o nascedouro de boa parte dos terroristas judeus,
Mais recentemente, o neto de Kahane, Meir Ettinger, suspeito de liderar um grupo clandestino de jovens colonos foi considerado responsável por uma onda de ataques a palestinos da Cisjordânia e prestou auxílio a um grupo de adolescentes então fugitivos, suspeitos de um apedrejamento que matou Aisha Rabi, palestina mãe de nove filhos.
Netanyahu ficou ostensivamente silencioso sobre o ataque.
A única legislatura de Meir Kahane deixou um legado igualmente terrível.
Na semana passada, num editorial do Yedioth Ahronoth, sobre a busca de Netanyahu pelo Otzmá intitulado “a Desgraça do Kahanismo,” o jornalista da TV Nadav Eyal compilou uma lista das leis que Kahane propôs – uma possível indicação do que pode estar em estoque se o Otzmá chegar ao Knesset:
– Revogação da cidadania de todos israelenses não-judeus.
– Expulsão dos não-judeus de Jerusalém.
– Eventual imposição de escravidão sobre árabes e outros não-judeus.
– Proibição de contato entre judeus e árabes, incluindo relações sexuais.
– Praias segregadas.
– Proibição de não judeus viverem em bairros judeus.
Enquanto isto, o Israel Hayom [diário controlado por Netanyahu e financiado por Sheldon Adelson, que é distribuído gratuitamente em todo o país] mantém a pressão. “Sem uma fusão [com os pequenos partidos de ultra-direita], a esquerda ganhará!”, lia-se num banner azul e branco na terça. Isto ecoava uma recente chamada no mesmo jornal, que dizia de uma fusão com o Otzmá e o partido anti-gay Yachad: “Nossas vidas dependem disto!”.
Com o golpe de Netanyahu, os candidatos desses partidos nanicos não só vencerão a cláusula de Barreira. Já lhes foram prometidos dois ministérios, Habitação e Educação. Nada mais conveniente para acelerar a ocupação e inviabilizar uma solução de paz de dois Estados.
E mais. Com a maioria do Parlamento, Bibi já tem na gaveta uma lei que impede o julgamento de um primeiro-ministro em exercício, com o que ele se livra de bilionários processos de corrupção.
[ por Bradley Burston, correspondente do Haaretz, traduzido e revisto pelo PAZ AGORA|BR ]