29 de dezembro de 2018 às 02:03
Amor e Trevas.
As sincronicidades estão por ai para quem quiser enxerga-las. Muitas vezes numa afinidade invertida difícil de ser percebida. Foi no que pensei assim que recebi uma mensagem do meu irmão. Amos Oz morreu. Sinto muito. Imediatamente sai do WatsApp e abri a pagina do Haaretz, jornal israelense constantemente acusado pelo governo de ser esquerdista e traidor do seu país: “Amos Oz 1939-2018. Morreu o presidente da tribo da cor branca”. Branco da paz. Da israelidade. Termo do qual compartilhou e que remete à cultura judaico humanista que alicerçou a fundação do Estado. Logo abaixo outra chamada. “Fonte governamental afirma sobre a relação com o presidente do Brasil: não temos o privilegio de sermos puristas”. Pois é. Amos Oz tinha.
Quanto às posições do novo presidente a respeito da homossexualidade, seus elogios à ditadura, declarações sobre mulheres, violência, a tal da fonte respondeu aos jornalistas que não era possível “diluí-las”. Seriam estas as “impurezas” que o governo israelense não pode se dar ao luxo de lembrar? A tal da fonte foi clara. Israel precisa dos votos brasileiros na ONU e do dinheiro que os acordos comerciais podem gerar. Isto sem falar da mudança da embaixada brasileira para Jerusalém. O hit da direita radical antissemita europeia. E do sionismo evangelista cristão americano que aposta na guerra do fim do mundo para apressar o advento de Jesus.
O escritor encarnava a “pureza das armas”. A pureza adulta de ter que lutar pela pátria e saber guerrear pela paz. Pureza de uma israelidade que formou a democracia pela qual lutou na guerra da independência. Luta que precisou retomar contra a aliança entre o nacionalismo chauvinista e os fundamentalistas religiosos. Aliança que vem desmontando o Estado laico, com a ajuda do governo de Benjamin Netaniahu e de seu esforço de se eternizar no poder. Nos dias de hoje o assalto a democracia é via a legalidade dos votos.
Encontrei Amos Oz na FLIP. O clima era tenso. De um lado a mesma esquerda desvalida de idéias que mistura antissemitismo com critica a Israel e já tinha tentado impedir o autor de ser homenageado numa feira de livros em Turim. Dos escritores árabes que se negaram a dividir com ele a mesma mesa num almoço de congraçamento. No auditório vi Amos Oz pensativo. Apresentei-me. Disse que vinha em nome dos Amigos Brasileiros do PAZ AGORA. Ao que ele me respondeu em tom de desabafo, sem me deixar continuar: “Está sendo difícil ser judeu por aqui”. Uma velha expressão Ydishe dos judeus europeus que eu conheço muito bem.
Rivlin o presidente de Israel, que, apesar de ser do partido de Netaniahu tem sido a prova viva que ser de direita não é ser, necessariamente, autoritário. Em nota distribuída hoje ele lamenta: “ Uma estória de amor e luz e agora a escuridão. Imensa. A tristeza cai sobre nós na entrada do sábado. Esplendor dos nossos criadores. Gigante espiritual. Você nos foi muito querido ” Em hebraico, suas palavras remetem ao livro “ Amor e Trevas” e ao cântico de despedida que David faz para o seu amado Abshalom morto na guerra contra os filisteus.
Sem homens como Amos Oz, vai ficando cada vez mais escuro e difícil encontrar judeus como ele.
PAULO BLANK, psicanalista e escritor, é membro dos Amigos Brasileiros do PAZ AGORA
AMÓS OZ foi um dos fundadores do Movimento PAZ AGORA, do qual foi porta-voz oficial durante muitos anos. Desde então, tem atuado consistentemente no diálogo israelense-palestino, com participação destacada nas negociações da Iniciativa de Genebra, melhor referência até hoje para um acordo de paz viável e definitivo.
COLETÂNEA (parcial) DE TEXTOS EM PORTUGUÊS
Por que romper o silêncio? – 09/06/18
‘Trump não entende nada de Oriente Médio’ – 06/03/17
Bernie Sanders – por um futuro de justiça social e paz – 03/03/17
Quem nega o direito de Israel a existir é antissemita – 14/09/16
APN: a verdade dos 49 anos de conflito – 02/06/16
Nós, defensores da paz e da democracia, não seremos silenciados ! – 28/12/15
UFRJ: Debate sobre o livro “Judas” de Amós Oz – 02/12/15
David Grossman –Do cessar fogo à paz – 30/08/14
Israel só tem a Perder com Guerra em Gaza – 11/08/14
“Entre Amigos” – 24/03/12
Entrevista de Amós Oz no Roda Viva – TV Cultura – 02/01/12
PAZ AGORA – Lutando pelo futuro de Israel – 09/12/11
‘O monte do Mau Conselho’ – Literatura e humor contra o fanatismo 09/11/11
Primavera árabe ou verão islâmico? – 09/11/11
Amós Oz no Brasil | 2ª feira no RJ | 4ª feira em SP – 05/11/11
Guila Flint: Intelectuais israelenses apóiam reconhecimento do Estado Palestino – 22/09/11
Somos irmãos – 02/08/11
Salvem os Sírios! – 22/06/11
”A religião pode ser uma das formas cruéis de opressão” – 28/02/11
Uma certa paz – 30/10/10
Uma certa paz – uma leitura 16/10/10
Sari Nusseibeh: A magia dentro de nós – 28/09/10
Discurso ao receber, junto com Amos Oz, em Berlim, o Prêmio ‘Siegfried Unseld’
Uma luta trágica – 28/09/10
Discurso de Amos Oz, ao receber, junto com Sari Nusseibeh (reitor da Universidade Palestina de Al Quds, o Prêmio ‘Siegfried Unseld’
Marcos Guterman: Os “falcões” estão destruindo a essência de Israel – 03/06/10
A flotilha de Gaza e os limites da força – 02/06/10
Marcelo Nínio: Ressaca da guerra e descrença política jogam Israel à direita – 08/02/09
Três grandes escritores israelenses defendem cessar-fogo com Hamas – 30/12/08
Amós Oz, A. B. Yehoshua e David Grossman têm novos livros lançados no Brasil. Herdeiro de uma tradição milenar, o trio forma a primeira geração de escritores judeus nascidos em seu próprio país.
Globonews entrevista Amós Oz[legendado] – 10/10/08
Os filhos de Israel – 02/09/08
David Grossman: Aceito falar até com o diabo para fazer a paz – 19/05/08
Espinhos e escorpiões -14/02/08
Euronews entrevista Amós Oz[clip] – 30/10/07
De dentes cerrados – 31/07/07
Nem palestinos e nem israelenses têm outro lugar para ir – 08/07/07
Refugiados palestinos – Israel tem parte da culpa – 29/04/07
Moisés Storch: A paz virá do diálogo desarmado – 05/10/06
A.B.Yehoshua: Não concordo com o meu governo – 31/12/05
Moacir Scliar: Amós Oz transforma as suas memórias em boa literatura – 28/05/05
Ron Pundak: Estamos no limiar de uma nova era – 01/02/2005
Bush e Europa são os dois lados da mesma moeda – 19/09/04
A imaginação contra o fanatismo – entrevista – 24/05/04
PAZ AGORA: Sair de Gaza! Retomar Negociações! – 15/05/04
Os crimes de Oslo – 10/06/03
O que estamos esperando? – 11/07/02
“Saiamos dos territórios – por Amor a Israel” – 09/05/02
Travamos duas guerras – 04/04/02
As duas faces do fanatismo – 13/09/2001
O crime hediondo cometido contra Nova York e Washington vem nos lembrar, de maneira contundente, que esta não é uma guerra entre religiões nem uma luta entre países. É, mais uma vez, a batalha entre fanáticos e o resto de nós…
Alberto Dines: Sou sionista – 08/09/01
A síndrome da paz – 07/02/01
A ‘CARTA DOS OFICIAIS’
A ‘Carta dos Oficiais’ abaixo foi assinada em março de 1978 por 348 soldados e oficiais de reserva. Dirigiu-se ao então Primeiro-Ministro Menachem Begin, instando-o a empenhar-se pela paz com o Egito e priorizar a paz à ideia do ‘Grande Israel’.
A ‘Carta dos Oficiais’ , da qual Amós Oz foi signatário, despertou enorme apoio popular e resultou na criação do Movimento PAZ AGORA – SHALOM ACHSHAV , até hoje o maior movimento pela paz de Israel.
Ao lado da reprodução do original, vai a tradução.
Carta dos Oficiais – março de 1978
Ao Primeiro-Ministro Menachem Begin
Caro Senhor,
Cidadãos que servimos como soldados, e também oficiais das forças de reserva, estamos enviando-lhe esta carta.
As palavras que seguem não foram escritas com o coração leve. Entretanto, neste momento em que novos horizontes de paz e cooperação estão, pela primeira vez, sendo propostos para o Estado de Israel, sentimo-nos obrigados a instá-lo a evitar a tomada de quaisquer medidas que possam causar problemas intermináveis ao nosso povo e ao nosso país.
Escrevemos isto com profunda preocupação.
Seria difícil para nós aceitar um governo que preferisse a existência do Estado de Israel com as fronteiras do “Grande Israel” à sua existência em paz e boa vizinhança.
Um governo que prefira a existência de assentamentos além da Linha Verde à eliminação deste histórico conflito e à criação de relações normais em nossa região, evocaria questões sobre a justiça do rumo que estamos tomando.
Uma política de governo que acarrete a continuidade do domínio sobre milhões de árabes feriria o caráter judeu-democrático do Estado. E tornaria difícil nossa identificação com os rumos do Estado de Israel.
Estamos cientes das necessidades de segurança do Estado de Israel, e das dificuldades que o caminho da paz deverá enfrentar.
Mas, sabemos que uma verdadeira segurança somente será alcançada com a chegada da paz.
A força do Exército da Defesa de Israel está na identificação de seus cidadãos-soldados com os rumos do nosso país.
Nós o chamamos a optar pelo caminho da paz, fortalecendo assim a nossa confiança na justiça do nosso caminho.”
Israel, março de 1978
LIVROS DE AMOS OZ – em português> conheça 20 livros de Amós Oz traduzidos ao português – resenhas compiladas pelo IBI – Instituto Brasil-Israel
numa paz justa com seus vizinhos palestinos e árabes.
DOIS ESTADOS PARA DOIS POVOS