Ministro israelense descreve manipulação secreta do governo para cimentar o controle sobre a Cisjordânia


Os juízes israelenses há muito determinam que o controle por Israel do território é uma ocupação militar temporária e está em conformidade com o direito internacional. O recente discurso de um ministro poderoso, gravado em fita, sugeriu que o governo está tentando mudar isso.

[ por Natan Odenheimer, Ronen Bergman e Patrick Kingsley | 21/06/24 | The New York Times ! tradução Amigos Brasileiros do PAZ AGORA | www.pazagora.org ]

Os repórteres revisaram uma gravação de um discurso recente proferido por Bezalel Smotrich, ministro do gabinete israelense de extrema direita que lidera esforços para consolidar o controle israelense sobre a Cisjordânia ocupada.

Membro influente da coalizão do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, disse aos colonos da Cisjordânia ocupada por Israel que o governo está envolvido em um esforço furtivo para mudar irreversivelmente a maneira como o território é governado, cimentar o controle de Israel sobre ele, sem ser acusado de anexá-lo formalmente.

Em uma gravação do discurso do ministro Bezalel Smotrich, pode-se ouvi-lo sugerindo, em um evento privado no início deste mês, que o objetivo era impedir que a Cisjordânia se tornasse parte de um Estado palestino.

“ Estou lhe dizendo, é mega-dramático, disse Smotrich aos colonos. “ Essas alterações alteram o DNA de um sistema. ”

Embora a oposição de Smotrich a ceder o controle sobre a Cisjordânia não seja segredo, a posição oficial do governo israelense é que o status da Cisjordânia permanece aberto às negociações entre líderes israelenses e palestinos. A Suprema Corte de Israel decidiu que o domínio de Israel sobre o território equivale a uma Ocupação militar temporária supervisionada por generais do exército, não a uma anexação civil permanente administrada por funcionários israelenses.

O discurso de Smotrich em 9 de junho em uma reunião da Cisjordânia pode dificultar a manutenção dessa postura. Nele, ele delineou um programa cuidadosamente orquestrado para tirar autoridade da Cisjordânia das mãos dos militares israelenses e entregá-la a civis que trabalham para Smotrich no ministério da defesa. Partes do plano já foram incrementalmente introduzidas nos últimos 18 meses, e alguns poderes já foram transferidos para civis.

“ Criamos um sistema civil separado, disse Smotrich. Para desviar o escrutínio internacional, o governo permitiu que o ministério da defesa permanecesse envolvido no processo, disse ele, de modo que pareça que os militares ainda estão no centro da governança da Cisjordânia.

“ Será mais fácil engolir no contexto internacional e jurídico, disse Smotrich. “ Para que eles não digam que estamos anexando aqui. ”

Os repórteres do The New York Times ouviram uma gravação do discurso de aproximadamente meia hora, que foi fornecido por um dos participantes da reunião, um pesquisador do PAZ AGORA – grupo de campanha anti-Ocupação. Um porta-voz de Smotrich, Eytan Fold, confirmou o discurso e disse que o evento não era um segredo.

Smotrich, um deputado de extrema direita, disse que Netanyahu estava ciente dos detalhes do plano, muito do qual foi prenunciado em um acordo de coalizão entre seus partidos, o qual permite ao primeiro-ministro permanecer no poder. Netanyahu está conosco, disse Smotrich no discurso.

NT: Eli é um grande assentamento ilegal israelense na Cisjordânia ocupada, localizado na Rodovia 60, ao norte de Ramallah, entre as aldeias palestinas de As-Sawiya e Qaryut, parte de cujas terras foram expropriadas para o estabelecimento de Eli.

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Para muitos palestinos, é provável que o discurso em si seja recebido com menos surpresa do que o fato de Smotrich ter dito as palavras em voz alta.

“ É interessante ouvir Smotrich em sua própria voz confirmar muito do que suspeitávamos sobre sua agenda, disse Ibrahim Dalalsha, diretor do Horizon Center, um grupo de análise política em Ramallah, Cisjordânia.

Ainda assim, disse Dalalsha, a abordagem não é nova.

Os palestinos disseram há anos que os líderes israelenses estão tentando anexar a Cisjordânia com exceção do nome, construção de assentamentos em locais estratégicos, em uma tentativa de impedir o controle palestino contíguo em todo o território. “ Está acontecendo desde 1967, ” disse Dalalsha. “Desde muito antes de Smotrich entrar em cena, ele acrescentou ”.

Israel assumiu o controle do território da Cisjordânia em 1967 durante uma guerra com três estados árabes. Desde a sua Ocupação, Israel estabeleceu mais de 500.000 civis israelenses, sujeitos à lei civil israelense, ao lado dos cerca de três milhões de palestinos do território, sujeitos à lei militar israelense. Aproximadamente 40% do território é administrado pela Autoridade Palestina, um órgão semi-autônomo dirigido por palestinos que depende da cooperação de Israel para grande parte de seu financiamento.

Durante décadas, a Suprema Corte de Israel descreveu o domínio de Israel sobre o território como uma Ocupação militar, supervisionada por um general sênior, que cumpre as leis internacionais que se aplicam aos territórios ocupados. A atual coalizão governista contesta o termo “Ocupação“, mas também nega publicamente que a Cisjordânia tenha sido permanentemente anexada e colocada sob o controle soberano das autoridades civis de Israel.

“ O status final desses territórios será determinado pelas partes em negociações diretas, disse o gabinete do primeiro-ministro em comunicado em resposta ao discurso de Smotrich. “ Esta política não mudou”.

O discurso de Smotrich sugeriu o contrário.

Em particular, ele apontou para uma mudança pela qual oficiais militares não supervisionam mais a maior parte do processo pelo qual os assentamentos israelenses são expandidos, as terras são expropriadas e as estradas são construídas na Cisjordânia. Esses papéis agora são supervisionados por “ um civil que trabalha sob o ministério da defesa ” que não trabalha para comandantes militares, disse ele, mas em uma nova diretoria que o próprio Smotrich supervisiona.

Mesmo quando a pressão internacional cresce para declarar um Estado palestino que abrangeria a Cisjordânia e Gaza, os comentários de Smotrich sugerem que Israel está trabalhando silenciosamente para firmar seu controle sobre a Cisjordânia e dificultar o desembaraço do controle israelense.

Diplomatas vem tentando chegar a um “grande acordo” para o Oriente Médio, que iria tanto acabar com a guerra de Israel contra o Hamas na Faixa de Gaza e melhorar os laços de Israel com outras nações da região. A Arábia Saudita diz que reconheceria Israel – mas apenas se Israel em troca permitisse a criação do Estado Palestino.

O discurso de Smotrich sugere o quão distante esta perspectiva pode estar quando ele se movimenta para mesclar a governança da Cisjordânia Ocupada com a governança do Estado de Israel.

A declaração de Smotrich’s “mina fundamentalmente o persistente argumento do Estado de Israel de que os assentamentos são legais porque são temporários”, disse Talia Sasson, antiga funcionária graduada do ministério da Justiça israelense, que conduziu um importante inquérito governamental em 2005 sobre o apoio do governo a assentamentos ilegais.

O discurso deixou claro o quão poderoso o outrora marginal movimento de colonos se tornou.

Bezalel Smotrich é veterano ativista colono que já trabalhou fora do establishment israelense para construir acampamentos de assentamento considerados ilegais mesmo sob a lei israelense. Como um religioso linha-dura, ele acredita que a Cisjordânia – a qual israelenses se refere por seus nomes bíblicos – Judéia e Samária – foi dada por Deus aos judeus.

Como deputado na última década, Smotrich atraiu atenção por fazer regularmente comentários extremistas, incluindo seu chamado a  destruir uma cidade palestina; seu apoio à segregação entre árabes e judias em maternidades; e seu incentivos a proprietários de terras judeus a não vender propriedades a árabes.

Desde o fim de 2022, Smotrich ganhou influência estraordinária sobre as políticas do governo. Foi quando o seu partido se uniu à coalizão do Primeiro Ministro Benjamin Netanyahu, ajudando-o a assegurar uma pequena maioria no Parlamento.

Smotrich usou este trunfo para persuadir Netanyahu a lhe atribuir o novo cargo de “Ministro no Ministério da Defesa” acumulado com o de Ministro das Finanças, que Smotrich tem usado para bloquear fundos para a Autoridade Palestina.

“Meu objetivo — e penso que o de todos aqui — é primeira e principalmente evitar o estabelecimento de um Estado terrorista no coração da Terra de Israel”, disse Smotrich no discurso gravado.

Smotrich disse ainda que sua principal realização foi colocar sob controle civil muitas das responsabilidades dos militares na Cisjordânia. Enquanto o exército muitas vezes fechava os olhos para a expansão de assentamentos e até protegia assentamentos ilegais de ataques palestinos, soldados às vezes destruiram acampamentos de colonos construídos sem permissão do governo e barraram a entrada de ativistas israelenses na Cisjordânia.

Para se opor a essa influência, disse Smotrich, o governo:

  • Deu aos civis maior controle sobre os planos de construção de assentamentos, bem como a supervisão dos advogados que decidem questões legais nos assentamentos.
  • Destituiu o principal comandante do exército na Cisjordânia da autoridade para bloquear os planos de construção de assentamentos.
  • Garantiu quase U$ 270 milhões do orçamento de defesa de Israel para proteger os assentamentos em 2024-2025.
  • Aproximou-se de estabelecer um novo esquadrão de segurança que poderá demolir mais rapidamente edifícios palestinos na Cisjordânia que tiverem sido construídos sem a permissão de Israel.

Até certo ponto, os comentários de Smotrich parecem ser uma tentativa de neutralizar as críticas vindas de sua própria base sobre seu histórico no cargo. Colonos ativistas reclamam que os militares ainda frequentemente os impedem de construir novos postos avançados de assentamento (outposts) l, e que Smotrich não faz o suficiente para intervir.

“ Quinze anos atrás, eu era um dos que corriam nas colinas, erguendo tendas”, disse Smotrich aos colonos em seu discurso. Agora, disse que seu trabalho nos bastidores terá muito mais impacto do que a construção de qualquer acampamento ou assentamento.

CONTRIBUÍRAM PARA ESTE ARTIGO:

– Johnatan Reiss de Tel Aviv ; Adam Rasgon de Jerusalém.

Ronen Bergman é escritor da equipe da The New York Times Magazine, com sede em Tel Aviv. Seu último livro é “ Levante e mate primeiro: a história secreta dos assassinatos direcionados de Israel, ” publicado pela Random House.

Patrick Kingsley é o chefe do gabinete do Times em Jerusalém, liderando a cobertura de Israel, Gaza e Cisjordânia.

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