Chen Avigdori, que teve filha e mulher libertadas em novembro, pede negociação com Hamas e afirma: ‘somos os mocinhos’
[ por Patrícia Campos Melo | Folha de São Paulo | 26|12|2023 ]
Diante da crescente pressão internacional para reduzir as mortes de civis palestinos em Gaza, o primeiro-ministro de Israel, Binyamin Netanyahu, dobrou a aposta nas ações militares das forças israelenses em discurso nesta segunda-feira (25).
“Não teremos sucesso em liberar todos os reféns sem pressão militar”, disse o premiê, e acrescentou que o país não vai parar a guerra “até a vitória”. Foi vaiado por familiares de reféns do Hamas que seguem sequestrados em Gaza.
Para Chen Avigdori, 53, que teve a filha e a esposa sequestradas pelo Hamas durante 50 dias, “só a pressão militar não resolve”.
“Sou totalmente a favor da pressão militar para trazer os reféns de volta. Mas precisamos ter incentivo e punição, continuar a pressão, mas também dar a eles a oportunidade de fazer um acordo”, diz à Folha o roteirista e comediante israelense que se tornou um dos principais representantes dos parentes dos sequestrados pelo Hamas durante os ataques terroristas de 7 de outubro.
Além do saldo de 1.200 mortos, segundo o governo de Israel, cerca de 240 pessoas foram sequestradas pelos terroristas. Permanecem em cativeiro 115 e acredita-se que 15 a 20 possam estar mortas.
A ultradireita israelense entrou em choque com os parentes dos reféns por sua posição inflexível em relação a negociações com o Hamas para cessar-fogo e troca de prisioneiros. Muitos radicais afirmam que a solução deve ser unicamente militar e se opõem a um cessar-fogo antes que todos os reféns sejam libertados.
“As pessoas que dizem que não devemos fazer nenhuma concessão e deveríamos usar apenas pressão militar estão dizendo, em outras palavras, que os reféns são descartáveis. Que esses civis que foram sequestrados de suas casas de pijama e descalços são descartáveis”, argumenta Avigdori. “Isso é inaceitável para mim, para todas as famílias e para a maioria do público israelense. O público israelense acredita que a libertação dos sequestrados deve ser a prioridade número um de todas as ações de Israel.”
Sua filha de 12 anos, Noam, e sua mulher, Sharon, 52, foram sequestradas em 7 de outubro no kibutz Be’eri, onde visitavam familiares. Chen e o filho Omer, 16, ficaram na casa deles, em Hod Hasharon, perto de Tel Aviv.
No ataque ao kibutz, 100 pessoas foram mortas e dezenas foram raptadas pelo Hamas. O irmão de Sharon, Avshalom, e mais três parentes estavam entre os assassinados.
Quando Noam e Sharon finalmente voltaram para casa, em 25 de novembro, começou o capítulo dois da reconstrução da família, conta Avigdori. No início, a filha acordava chorando no meio da noite e não deixava o pai se afastar nem por um minuto. Agora, voltou à escola, já foi ao shopping e dormiu na casa de uma amiga.
“O processo de cura é longo. Minha esposa e minha filha são verdadeiras campeãs, estão progredindo, recuperando sua antiga vida, passo a passo.”
Sharon ainda não conseguiu voltar ao trabalho, mas começou a mencionar essa possibilidade. “Vai levar tempo porque ela é terapeuta, trabalha com crianças autistas, de três a cinco anos. Esse tipo de trabalho requer total concentração e dedicação com as crianças”, explica o marido.
A família toda recebe acompanhamento psicológico, como família e individualmente. Avigdori largou seu emprego para se dedicar totalmente à missão de levar de volta para casa os reféns que ainda estão sob o poder do Hamas.
Mas ele diz ter ciência de que, apesar dos progressos, as coisas não serão como antes. “Todos sabemos que não estamos voltando para nossas vidas de 6 de outubro. Estamos construindo uma nova vida.”
E o que mudou? Agora, ele preza coisas que antes achava ser uma simples rotina diária. “Quando ouço minha filha dizer “papai, preciso de ajuda”, isso é o que é importante. Um abraço de manhã, um beijo na bochecha quando ela vai para a escola, todas as pequenas coisas são emocionantes, porque isso é o renascimento da minha família.”
Avigdori não fala sobre possíveis maus-tratos que a filha e a mulher podem ter sofrido no cativeiro, dizendo se tratar de “assunto de segurança nacional”.
Ele culpa o grupo terrorista pelos mais de 20,6 mil mortos em Gaza nos quase três meses de guerra, de acordo com números do Ministério da Saúde ligado à facção.
“Lamento qualquer morte de pessoas que não estão envolvidas no conflito; mas os palestinos estão morrendo por causa do Hamas”, diz o roteirista. “Se o Hamas usa seu próprio povo, seus próprios vizinhos, famílias, irmãos, irmãs e amigos como escudos humanos, isso não é responsabilidade de Israel.”
Para Avigdori, uma solução para o conflito passa pela ajuda para as pessoas de Gaza construírem uma nova sociedade democrática. “E isso só pode ser feito quando o Hamas, uma ditadura, estiver fora do poder lá. Este é o nosso trabalho na Faixa de Gaza.”
Ele diz que, muitas vezes, as críticas a Israel não são justas. “No final das contas, somos os mocinhos da história. Minha filha tem 12 anos, ela não escolheu ser sequestrada, então lembrem-se, somos os mocinhos, somos bons.”
Israel prende líder palestina na Cisjordânia, e Gaza está novamente sob apagão
Ataque nos arredores da embaixada israelense em Nova Déli, na Índia, não deixa feridos, mas abre suspeitas sobre Irã
[ da redação – Folha de S.Paulo | 26|12|2023 [
Uma proeminente líder palestina, Khalida Jarrar, foi presa pelo Exército de Israel na manhã desta terça-feira (26) na Cisjordânia sob acusação de terrorismo. A informação foi compartilhada por seu marido, Ghassan, e posteriormente confirmada por Tel Aviv.
Jarrar é conhecida por seu ativismo pelo direito das mulheres e pelo fim da detenção em massa de palestinos. Ela é um importante membro da Frente Popular para a Libertação da Palestina (FPLP), um dos maiores grupos políticos palestinos e opositores do Fatah, grupo que controla a Autoridade Nacional Palestina (ANP).
Em 2019, ela também foi detida. O Exército israelense à época argumentou que informações secretas mostraram sua ligação com um ataque que deixou uma israelense de 17 anos morta e estaria ligado à FPLP. O grupo é considerado uma organização terrorista pela União Europeia e também pelos Estados Unidos.
A ativista chegou a ser eleita parlamentar para o Conselho Legislativo Palestino em 2006, junto a outras duas figuras de seu grupo —à época, o Hamas, responsável por desencadear a guerra com Israel no último 7 de outubro, foi o grupo palestino que levou o maior número de vagas. Na prática, o “Parlamento palestino” está em uma atrofia operacional e não funciona mais.
Enquanto isso, a Faixa de Gaza, palco da guerra Israel-Hamas, voltou a estar sob um apagão, afirmou a companhia palestina de comunicações, a PalTel. “Lamentamos anunciar uma interrupção total dos serviços de telefone fixo e internet devido à agressão contínua”, escreveu a empresa em sua página oficial no Facebbok. “Nossas equipes trabalham para restaurá-los, apesar das condições perigosas em campo.”
Gaza esteve sob um apagão de conectividade ao menos duas outras vezes no atual conflito. A primeira durante o início da invasão terrestre de Israel, ainda na porção norte do território palestino ocupado.
A segunda vez, esta mais recente, ocorreu no início de dezembro, quando Israel expandiu sua ação terrestre também para o sul da faixa de terra adjacente a seu território.
É nesta porção da faixa, perto da fronteira com o Egito, onde hoje se aglomeram as dezenas de milhares de deslocados do conflito armado. Sem saneamento e acesso a água potável e com quantidade escassa de comida, mais de 1,7 milhão de palestinos estão registrados em abrigos, a maioria da ONU, no sul de Gaza, quando alguns milhares deles morando nas ruas devido à superlotação dos espaços.
A quilômetros de distância dali, em Nova Déli, a capital indiana, uma explosão foi registrada nesta terça-feira em uma área próxima à da embaixada de Israel na cidade. O caso está sob investigação conjunta de autoridades de segurança indianas e israelenses, e nenhum membro do serviço diplomático ficou ferido.
Ainda que não se saiba quem é o responsável pela ação, o caso lembra ao menos outros dois semelhantes que tiveram participação do Irã, regime xiita que é inimigo de Tel Aviv e cuja Guarda Revolucionária, criada após a Revolução Islâmica de 1979, atua em outros países, numa espécie de política externa armada que muitas vezes tem como alvo Israel.
Há dois anos, uma explosão em frente à embaixada israelense em Nova Déli danificou carros, mas também não deixou vítimas. O Estado indiano atribuiu o ataque à Força Quds, o principal braço da Guarda Revolucionária iraniana. Antes, em fevereiro de 2012, a esposa de um diplomata israelense ficou ferida em um ataque com carro-bomba em Nova Déli. Igualmente, Nova Déli atribuiu o ataque a Teerã.
É, em partes, o que o ministro da Defesa de Israel, Yoav Gallant, descreveu nesta terça-feira como uma “guerra de muitas frentes”, fala que relembra o receio internacional de que o conflito hoje travado em Gaza se desdobre para um conflito regional no Oriente Médio.
“Estamos numa guerra de sete frentes. Somos atacados por diferentes setores —Gaza, Líbano, Síria, Judeia e Samaria [maneira bíblica para se referir à atual Cisjordânia], Iraque, Iêmen e Irã”, afirmou ele.
“E já respondemos e agimos em seis delas”, seguiu, numa aparente mensagem ao Irã. “Quem age contra nós é um alvo potencial, não há imunidade para ninguém.”