Saída é processo de paz que produza acordo político bilateralmente aceitável
[ por “Judias e Judeus pela Democracia-SP” | 22|11|2023 | Folha de São Paulo
Algumas vozes têm ocupado espaço nesta Folha e discutido o conflito israelo-palestino, procurando deslegitimar a própria existência em si do Estado de Israel. Essas manifestações fazem lembrar o conto “Emma Zunz”, de Jorge Luis Borges.
Publicado no livro “O Aleph”, relata a história de uma moça discreta e reservada, a mesma Emma do título, que ao saber da morte do pai resolve fazer justiça com as próprias mãos. O tom e a preocupação são verdadeiros, assim como o é o ódio. Só eram falsas as circunstâncias, a hora e um ou dois nomes próprios.
Ao mencionar Israel, afirmam: “Estado racista colonial!”. Este é o refrão. Soa forte, não é? Termos que comunicam através do ódio e constroem muros bem altos parecem estar em voga.
Israel pretende ser um lar nacional para o povo judeu (Estado sionista), assim como os vários outros Estados nacionais que se organizaram a partir de um pleito nacional. Afinal, qual Estado-nação não é uma construção, algo que não é dado a priori, mas sim conquistado através de pleitos, políticas, lutas e reivindicações —e principalmente por comunidades que se veem como nação com direito a um território?
A escolha por começar a contar essa história a partir de 1948, e não 10 a.C. ou qualquer outra data, é o que legitima falsamente a ideia de Israel como país “colonial”, como gritam os jargões. Se escolhermos contar essa história por outras narrativas, chegaríamos também aos judeus como povos originários.
Um português ao vir para o Brasil em 1500 não encontra em nossas terras destroços de sua cultura ou civilização. Já os judeus (alguns nunca saíram do território que hoje se configura como Israel e Palestina), ao chegarem, encontraram lá referências próprias de sua memória, cultura e ancestralidade, como um muro que remonta ao próprio templo ou pergaminhos inscritos em sua língua pátria, o hebraico. Podemos comparar tal situação ao que se chama de “colonial”?
Portanto, é preciso saber que as narrativas de tempo neste conflito também são produções de verdades, mas que ignoram e apagam muitas vezes a história judaica, por um lado, e a história dos árabes-palestinos, por outro — e, ao mesmo tempo, desresponsabiliza Inglaterra e França, estas sim agentes coloniais deste território até 1948.
Em síntese, o Estado de Israel representa o reconhecimento internacional da autodeterminação judaica, após séculos de dispersão e perseguição.
Esse direito não justifica defender abusos e arbitrariedades praticadas pelo Estado de Israel, os quais remontam à sua fundação, em 1948.
Desde então, palestinos estão vivendo longe de suas terras, em exílio permanente nos países vizinhos ou confinados em Gaza e trechos cada vez menores da Cisjordânia, uma situação que se acirra a partir de 1967 e que os assentamentos israelenses aprofundam de forma trágica e inaceitável.
As demandas palestinas e da comunidade internacional pelo fim das ocupações, assim como o desejo, também dos israelenses, de viver em liberdade e com segurança, e a perda de todas as vidas envolvidas neste ciclo de violência, tornam urgente a resolução do conflito.
Mas quem é contra a existência do Estado de Israel, como se tem ouvido aqui e acolá, e que se alinha ao brado do Hamas de “Palestina do rio ao mar”, precisa explicar então o que sugere fazer com os milhões de judeus que habitam a região. Pois, por lógica dedutiva, só haveria duas opções: expulsão ou eliminação.
Precisamos iniciar um novo processo de paz que produza um acordo político bilateralmente aceitável e garanta aos palestinos autodeterminação e cidadania plena, com liberdade, independência e viabilidade econômica. Isso não se dará, entretanto, às custas da destruição do Estado de Israel e de um genocídio contra o povo judeu, como propõe o Hamas, mas sim a partir de duas entidades políticas convivendo lado a lado. A partir daí, podemos olhar para o passado e discutir a natureza desejada para esses Estados e as reparações justas e necessárias às partes.
Lia Vainer Schucman
André Vereta-Nahoum
Clarisse Goldberg
Silvio Oksman
Marcelo Semiatzh
Giselle Beiguelman
Fábio Tofic Simantob
Integrantes do grupo “Judias e Judeus pela Democracia-SP”
2. O feminismo abandonou as judias
Vítimas israelenses não merecem a mesma atenção que as palestinas
[ por Mariliz Pereira Jorge | jornalista e roteirista de TV | Folha de São Paulo | 21/11/23 ]
A UN Women [www.unwomen.org/en], braço da ONU dedicado à igualdade de gênero e ao empoderamento feminino, tem se esforçado para mostrar o impacto devastador na vida de mulheres e meninas palestinas, vítimas da guerra entre Israel e o Hamas. No último relatório sobre o conflito, já eram quase 800 mil desabrigadas, 2.000 viúvas. Uma tragédia.
A secretária-executiva do órgão, Sarah Hendricks, tem batido na tecla do cessar-fogo e do acesso à ajuda humanitária e a serviços para prevenção da violência contra mulheres na Faixa de Gaza. Mais de uma dezena de artigos estão disponíveis no site da entidade.
Infelizmente, as vítimas israelenses não merecem a mesma atenção. Na página da entidade não há um único texto sobre as atrocidades sofridas por mulheres no massacre do dia 7 de outubro. Não é um caso isolado, é o retrato de como as organizações internacionais, ativistas e jornalistas dedicadas à cobertura de gênero estão se lixando para as judias.
Três dias depois da selvageria cometida nos kibutzim e na rave Supernova, chamei atenção para a falta de posicionamento de colegas feministas sobre o estupro como arma de guerra do Hamas, registrado na imagem da germano-israelense Shani Louk, seminua, na caçamba de uma camionete. O mesmo silêncio tem sido apontado agora por um novo movimento que cunhou a hashtag #MetooUnlessUrAJew (metoo, a não ser que você seja judia).
Não é exagero falar em selvageria. Evidências, incluindo relatos de sobreviventes, vídeos e testemunhos dos terroristas, revelam que mulheres de todas as idades não foram só estupradas, foram barbarizadas. Vítimas carregadas sem roupa, violadas por fileiras de homens, seios decepados, cabeças como troféus nas mãos dos estupradores. Exagero? Shani Louk foi identificada pelo crânio, seu corpo não havia sido encontrado. Nenhuma hashtag foi levantada pela turma do #metoo por sua morte ou de qualquer outra judia. Nenhuma palavra.