Uma manobra burocrática silenciosa do governo de Netanyahu começou a transferir o controle sobre o Território Ocupado da liderança militar para civil, violando o direito internacional.
O primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, e o ministro das Finanças, Bezalel Smotrich, participam de uma entrevista coletiva no gabinete do primeiro-ministro em Jerusalém em 25 de janeiro. RONEN ZVULUN/POOL/AFP VIA GETTY IMAGES
As leis internacionais de guerra, bem como o estatuto do Tribunal Penal Internacional (TPI), consideram a transferência da população civil de um Estado ocupante para o território Ocupado um crime de guerra. Juntamente com a proibição de transferências forçadas dentro de um território e deportações para fora de um território de pessoas ocupadas – o presidente russo, Vladimir Putin, foi indiciado pelo TPI – essa proibição visa garantir que a potência ocupante não projete demograficamente o território Ocupado. Mas Israel claramente fez isso, e agora planeja escalar ainda mais a expansão de assentamentos.
Ainda assim, palavras e declarações têm especial importância nas relações internacionais e no direito internacional. Assim, apesar das abundantes e inequívocas evidências de que Israel está aplicando sua soberania na Cisjordânia, na ausência de uma declaração oficial de anexação – e com o território oficialmente sob comando militar, e não civil – o mundo não tratou as ações de Israel como uma violação de um dos princípios fundamentais do direito internacional: a proibição da anexação unilateral de territórios ocupados pela força.
A distância entre as palavras e ações de Israel na Cisjordânia começou a mudar em 2017, quando funcionários do então governo de Netanyahu começaram a discutir planos para a anexação unilateral do território. Em dezembro, o partido governista Likud de Netanyahu aprovou uma resolução instruindo seus deputados a “perseguir” a anexação total da Cisjordânia. Mas ficou claro para aqueles que votaram a favor da resolução que ela tinha apenas status declaratório e não poderia ser implementada imediatamente devido a objeções internacionais.
Depois, às vésperas das eleições de 2019 em Israel e do surgimento do chamado “acordo do século” do presidente Donald Trump – que prescrevia uma anexação parcial israelense da Cisjordânia – Netanyahu declarou em entrevistas à imprensa que promoveria a aplicação “gradual” da soberania israelense ao território. Netanyahu disse ter discutido “uma anexação por consenso” – consenso com os EUA – com a administração Trump.
Netanyahu repetiu essa mensagem várias vezes desde então. O novo governo que ele formou no ano passado com partidos de colonos extremistas menciona “o direito exclusivo do povo judeu sobre toda a Terra de Israel” em seu manifesto. O acordo de coalizão entre o Likud e o Partido Sionista Religioso, linha-dura do ministro das Finanças, Bezalel Smotrich, é mais específico, afirmando, “o primeiro-ministro trabalhará para a formulação e promoção de uma política em que a soberania seja aplicada à Judeia e à Samaria”. (Judeia e Samaria são os nomes bíblicos para as áreas que compreendem a Cisjordânia e são tipicamente usados pela direita israelense.)
Este é o pano de fundo para a recente decisão do governo Netanyahu de mudar a estrutura de governança oficial da Cisjordânia, transferindo muitos poderes administrativos do comando militar para o comando civil. Suas medidas devem acalmar quaisquer dúvidas remanescentes de que Israel está no processo de anexar totalmente a Cisjordânia – de jure.
No final de fevereiro, Smotrich – um homofóbico declarado e defensor da supremacia judaica – assinou um acordo com o ministro da Defesa, Yoav Gallant, para transferir vários poderes governamentais na Cisjordânia do comandante militar do território para Smotrich. (Além de ministro das Finanças, Smotrich também é ministro do Ministério da Defesa.) A medida foi acordada no acordo de coalizão entre o Likud e o Partido Sionista Religioso.
A Ocupação da Cisjordânia e o Crime de Apartheid:
Um Parecer Jurídico
A conclusão deste parecer jurídico é que o crime contra a humanidade do apartheid está sendo cometido na Cisjordânia. Os perpetradores são israelenses e as vítimas são palestinos.
O crime é cometido porque a Ocupação israelense não é um regime de Ocupação “comum” (ou um regime de dominação e opressão), mas um regime que vem com um gigantesco projeto de colonização que criou uma comunidade de cidadãos do poder ocupante no território ocupado.
O crime é cometido porque, além de colonizar o território ocupado, a potência ocupante também não mediu esforços para cimentar seu domínio sobre os moradores ocupados e garantir seu status inferior. O crime de apartheid está sendo cometido na Cisjordânia porque, neste contexto de um regime de dominação e opressão de um grupo nacional por outro, as autoridades israelenses implementam políticas e práticas que constituem atos desumanos, como o termo é definido no direito internacional: negação de direitos de um grupo nacional, negação de recursos de um grupo e sua transferência para outro, separação física e jurídica entre os dois grupos e a instituição de um sistema jurídico diferente para cada um deles. Esta é uma lista não exaustiva dos atos desumanos.
O álibi utilizado pelos sucessivos governos israelenses de que a situação é temporária e que não há vontade ou intenção de manter o domínio e a opressão dos palestinos na área ou de preservar o seu estatuto inferior cai por terra face à evidência clara de que as políticas e práticas separadas que Israel aplica no Território Ocupado visam manter e cimentar o domínio e a opressão dos palestinos e a supremacia dos israelenses que migraram para a área.
Isso não é tudo. Como descrito neste parecer, o governo de Israel está realizando um processo de “anexação gradual” na Cisjordânia. Do ponto de vista administrativo, a anexação significa a revogação do regime militar na área anexada e a extensão territorial dos poderes detidos pelas autoridades israelenses até a Cisjordânia.
A contínua anexação legal, quanto mais a anexação oficial de uma parte específica da Cisjordânia por meio de legislação que aplicaria a lei e a administração israelenses lá, é uma amálgama de regimes. Isso poderia significar reforçar o argumento, que já está sendo ouvido, de que o crime do Apartheid não é cometido apenas na Cisjordânia. Que o regime israelense na sua totalidade seria um regime de apartheid. Que Israel aeria um Estado de apartheid.
Isso é angustiante e vergonhoso. E mesmo que nem todos os israelenses sejam culpados do crime, todos nós somos responsáveis por ele. É nosso dever, de cada um de nós, tomar medidas firmes para impedir a prática deste crime.
LEIA A ÍNTEGRA DO PARECER (INGLÊS) EM AQUI