Se Israel não abandonar sua ânsia de poder e continuar a deslizar para o messianismo, garantirá seu fim como Estado judeu e democrático.
[ por AKIVA ELDAR | Haaretz | 06|06|2023 | traduzido pelos Amigos Brasileiros do
PAZ AGORA | www.pazagora.org ]>
Ontem, dois povos marcaram o aniversário de seu desastre nacional: os palestinos lamentaram 56 anos de humilhação sob a ocupação israelense. E o povo judeu-israelense marcou mais um ano de queda no abismo do apartheid, da tirania e do isolamento.
A famosa frase de Pirro de Épiro – “Mais uma vitória como essa e estamos perdidos” – é perfeitamente apropriada para a vitória militar de Israel na guerra de 1967. Essa gloriosa conquista no campo de batalha transformou Israel no único país colonialista do mundo ocidental. E, de forma calamitosa, a única luz no fim do túnel da Ocupação é iluminada pelo caminhão que transporta outra casa pré-fabricada para um posto avançado ilegal construído por vândalos no topo da colina .
Não é preciso dizer muito sobre a feiúra do regime de apartheid de Israel na Cisjordânia. Por outro lado, colocar judeus e palestinos juntos sob soberania compartilhada é como tentar impor felicidade doméstica a um casal idoso que não para de brigar desde o dia do casamento. Em vez de seguirem caminhos separados em paz, eles tornam a vida um do outro um inferno.
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A Solução de Dois Estados não está morta. Está inconsciente e respira por aparelhos. Líderes israelenses da extrema direita à esquerda maluca a colocaram em coma. Felizmente, muitos líderes árabes não estão prontos para desistir. No mês passado, eles enviaram a Israel um lembrete de que o parceiro ainda está vivo. A notícia consta do comunicado da Liga Árabe após sua cúpula em Jeddah, na Arábia Saudita.
Os líderes de 22 países reafirmaram seu endosso à Iniciativa Árabe de Paz de 2002. Eles enfatizaram a centralidade da questão palestina para todos os países árabes e o direito de estabelecer um Estado palestino dentro das fronteiras de 1967, com Jerusalém Oriental como capital. (Eles também concordam em princípio com trocas de terras). A iniciativa também fala sobre uma solução acordada para o problema dos refugiados, tudo no contexto de acabar com o conflito e iniciar uma normalização com Israel.Esta mensagem conciliatória foi emitida poucos dias depois da vergonhosa Marcha da Bandeira anual pelo bairro muçulmano da Cidade Velha de Jerusalém, que teve ampla cobertura no mundo árabe. Nem o assassinato de crianças em Gaza durante a luta com a Jihad Islâmica no mês passado, a legislação de anexação de Israel e anúncios provocativos de ministros seniores como Bezalel Smotrich – negando a existência do povo palestino – detiveram os participantes da cúpula da Liga Árabe.
Então é verdade que não podemos confiar nos árabes. Eles se recusam a aceitar um não como resposta e continuam nos incomodando com sua Iniciativa de Paz.
A fuga da oportunidade oferecida pela Iniciativa me lembrou algo que o ex-chanceler Abba Eban me disse depois que Yitzhak Rabin foi assassinado em 1995 e a direita voltou ao poder no ano seguinte sob Benjamin Netanyahu. “Todo mundo sempre me cita dizendo que ‘os árabes nunca perdem uma oportunidade de perder uma oportunidade’. Hoje, a mesma coisa pode ser dita sobre nós.”
Em vez de parabenizar os países da Cúpula e agradecer aos anfitriões sauditas, Netanyahu prefere espalhar boatos sobre uma reaproximação entre Jerusalém e Riad. Seu porta-voz, o Conselheiro de Segurança Nacional Tzachi Hanegbi, disse à Rádio do Exército na semana passada que um acordo de paz com a Arábia Saudita depende do preço que os americanos estariam dispostos a pagar (aprovação de um acordo de armas e sinal verde para um programa nuclear saudita).
Não houve uma palavra sobre as relações condicionadas ao progresso em direção a um acordo com os palestinos. “Nós não gostamos disso,” disse Hanegbi.
Em um artigo que será publicado na edição de junho do Hamerhav Hatziburi (jornal da Universidade de Tel Aviv), os professores Daniel Bar-Tal e Izhak Schnell escrevem que o desejo de expandir as fronteiras como forma de escapar da sensação de estar sitiado fazia parte do Ethos sionista muitos anos antes da Guerra dos Seis Dias.
Na euforia após a guerra, o ministro da Defesa, Moshe Dayan, disse: “Melhor Sharm el-Sheikh sem paz do que paz sem Sharm el-Sheikh”, referindo-se à cidade no fundo da Península do Sinai. A Guerra do Yom Kippur de 1973 abriu os olhos de Dayan e o reverenciado militar apoiou Menachem Begin até a retirada do Sinai em 1982 em troca da paz com o Egito. Hoje, onde você encontraria um líder para apoiar a retirada da cidade de Ariel, na Cisjordânia, em troca da paz com todos os Estados árabes?
Além da Linha Verde , cresceu uma raça feia de lideranças cujos longos braços alcançaram o Knesset e agora também se espalharam pela mesa do gabinete de governo. Israel também começou a explorar os recursos naturais, expropriando-os da população nativa. Um exemplo é a exclusão de palestinos das pedreiras da Cisjordânia, com transferência de propriedade para entidades israelenses e criação de interesses financeiros para perpetuar a Ocupação.
Como acontece em outras zonas de conflito ao redor do mundo, o Ocupante e o Ocupado estão presos em um ciclo de violência, com a violência de um lado desencadeando violência do outro; e os métodos antidemocráticos usados nos Territórios Ocupados se infiltrando no território dos ocupantes. E isso sem contar as violações em série do Direito Internacional que distorceram as leis do país, adaptando-as às necessidades da Ocupação – também deste lado da Linha Verde.
Os Acordos de Abrahão provaram ostensivamente que a Ocupação não é um obstáculo para a paz na região. Mas a recusa da Arábia Saudita em entrar no círculo de paz com Israel reduz significativamente o valor desses acordos. A cúpula da Liga Árabe ilustrou a centralidade da Arábia Saudita nos mundos árabe e muçulmano. E no próximo ano, a Arábia Saudita presidirá a Liga Árabe, aumentando ainda mais sua autoridade.
A Iniciativa de Paz Árabe (baseada na Iniciativa Saudita) não está impedindo Teerã de estreitar os laços com a Arábia Saudita , tão importante país árabe sunita. Por que os iranianos deveriam bancar o bandido? Por 21 anos, os governos de Israel (incluindo o anterior sob Natfali Bennett e Yair Lapid) optaram por ignorar o perfil dos líderes árabes. Certamente não há perigo de que o governo Netanyahu/ Itamar Ben-Gvir aja de maneira diferente. Os iranianos podem ter certeza de que, enquanto Israel controlar milhões de árabes, as injustiças da Ocupação e os movimentos suicidas da “única democracia do Oriente Médio” suplantarão o programa nuclear iraniano na agenda mundial.
A renúncia voluntária de Israel à solução de partição proposta na Iniciativa de Paz Árabe é uma reminiscência da rejeição pelos árabes e palestinos do Plano de Partilha da ONU de 1947. Naquela época, eles exigiam uma Grande Palestina e se recusavam a reconhecer um Estado judeu. Hoje, Israel exige um Grande Israel e se recusa a reconhecer um Estado palestino.
A insistência de Israel em manter os territórios conquistados em 1967 pode ser ainda mais fatídica do que a Nakba palestina, quando mais de 700.000 árabes fugiram ou foram expulsos de suas casas durante a guerra de 1947-49, tornando-se refugiados.
A História mostrará que a rejeição dos árabes ao plano de partilha não foi em vão. Se Israel não abandonar sua ânsia de poder e continuar a deslizar para o messianismo, acabará assegurando seu fim como Estado judeu e democrático e lançará a pedra fundamental para um Estado árabe sobre as ruínas da visão sionista.
A Iniciativa Árabe de Paz 20|03|2002
Por Que, Após 8 Anos, Israel Não Respondeu à Iniciativa Árabe de Paz? 22|06|2010
>> Poucos israelenses sabem o que está escrito no primeiro documento pan-árabe e pan-islâmico que propõe reconhecer Israel e trocar as relações hostis pela normalização.
A paz passará pela Arábia Saudita – Não a deixem escapar! 25|03|2007
>> Cinco anos depois, o contexto está mais favorável à reativação do processo de paz. Além do Egito e da Jordânia, que já têm relações normais com Israel, os sauditas e outros países árabes estão assustados pelo crescimento da influência iraniana.