Thomas L. Friedman: JOE BIDEN PODE SALVAR ISRAEL ?

[ por Thomas Friedman | 17|01|2023 | The New York Times | traduzido por Moisés Storch para o PAZ AGORA|BR | Amigos Brasileiros do PAZ AGORA | www.pazagora.org ]

 

Se eu pudesse colocar um memorando na mesa do presidente Biden, sobre o novo governo israelense, ,  sei exatamente como ele começaria:

“Caro Sr. Presidente, não sei se você se interessa pela História Judaica, mas a História Judaica certamente está interessada em você hoje. Israel está à beira de uma transformação histórica – de uma Democracia de pleno direito para algo menos. E de uma força estabilizadora na região para uma desestabilizadora. Você pode ser o único capaz de impedir que o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu e sua coalizão extremista transformem Israel em um bastião iliberal de fanatismo”.

Eu também diria a Biden que temo que Israel esteja se aproximando de algum conflito civil interno sério. Os conflitos civis raramente são sobre política. Eles tendem a ser sobre poder. Durante anos, os debates ferozes em Israel sobre os Acordos de Oslo foram sobre política. Mas hoje, esse confronto fervilhante é sobre o poder – quem pode dizer a quem viver em uma sociedade altamente diversificada.

Um governo ultranacionalista e ultraortodoxo, formado depois que o campo de Netanyahu venceu a eleição pela menor diferença de votos (cerca de 30.000 de cerca de 4,7 milhões), está impulsionando uma tomada de poder que a outra metade dos eleitores vê não apenas como corrupta, mas também como ameaçando seus próprios direitos civis. É por isso que uma manifestação anti-governo cresceu de 5.000 pessoas para 80.000 neste fim de semana.

O Israel que Joe Biden conhecia está desaparecendo. Um novo Israel está surgindo. Muitos ministros deste governo são hostis aos valores americanos, e quase todos são hostis ao Partido Democrata.

Netanyahu e seu ministro de Assuntos Estratégicos, Ron Dermer, conspiraram com os republicanos para arquitetar o discurso de Netanyahu no Congresso em 2015 contra os desejos e políticas de Biden e do presidente Barack Obama. Eles gostariam de ver um republicano na Casa Branca e preferem o apoio dos cristãos evangélicos aos judeus liberais e o de MBS sobre o A.O.C.

Não duvide disto. O presidente não pode ser iludido pelo velho vocativo “nosso velho amigo Joe”.

A atual crise em Israel pode ser apresentada a Biden como uma questão constitucional interna, da qual ele deveria ficar de fora. Pelo contrário. Biden deve entrar (assim como Netanyahu fez) porque o resultado tem implicações diretas para os interesses de segurança nacional dos EUA. Não tenho ilusões de que Biden possa reverter as tendências mais extremas que emergem em Israel hoje, mas ele pode empurrar as coisas para um caminho mais saudável e talvez prevenir o pior, com algum amor duro, de uma maneira que nenhum outro forasteiro pode.

A crise mais premente é esta: os Tribunais de Israel, liderados por sua Suprema Corte, têm sido em grande parte ferozes protetores dos Direitos Humanos e, particularmente, dos direitos das minorias. Essas minorias incluem cidadãos árabes, cidadãos LGBTQ e até mesmo judeus reformistas e conservadores que querem a mesma liberdade e direitos de prática religiosa que os judeus ortodoxos e ultraortodoxos desfrutam.

Além disso, como a Suprema Corte de Israel revisa as ações de todos os poderes executivos, incluindo os militares, muitas vezes protege os direitos dos palestinos, incluindo o fornecimento de proteção contra abusos por colonos israelenses e a expropriação ilegal de sua propriedade privada.

Mas este governo de Netanyahu procura alterar radicalmente a situação na Cisjordânia, anexando-a efetivamente, sem declarar oficialmente que o est[a fazendo. E esse plano tem apenas um grande obstáculo: a Suprema Corte de Israel e as instituições legais.

Como o Times of Israel resumiu, a revisão judicial que Netanyahu pretende aprovar no Knesset “concederia ao governo controle total sobre a nomeação de juízes, inclusive para a alta corte”, substituindo um processo de nomeação judicial muito menos partidário e profissional. A reforma também limitaria severamente “a capacidade da Suprema Corte de derrubar a legislação” – especialmente a legislação que poderia restringir os direitos das minorias de Israel – “e permitiria que o Knesset”, agora controlado por Netanyahu, “relegislasse” as leis que o tribunal derrube.

A reforma também diminuiria a independência dos órgãos de fiscalização legal em cada ministério do governo. E vez de se reportarem ao procurador-geral, eles se tornariam nomeados por cada ministro.

Em suma, o poder executivo de Israel assumiria o controle do judiciário. Isto está fora da cartilha democrárica, especialmente quando você considera mais uma coisa: tudo isso está sendo feito em um momento em que o próprio Netanyahu está sendo julgado por acusações de suborno, fraude e quebra de confiança, em três casos apresentados pelo próprio procurador-geral por ele nomeado.

No início deste mês, um ex-ministro da Defesa de direita de Netanyahu – e ex-chefe do Estado-Maior do Exército israelense -, Moshe Yaalon, twittou que as “reformas” judiciais de Netanyahu revelaram “as verdadeiras intenções de um réu criminal” que está “pronto para incendiar o país e seus valores a fim de escapar do cais. … Quem teria acreditado que, menos de 80 anos após o Holocausto que se abateu sobre o nosso povo, um governo criminoso, messiânico, fascista e corrupto seria estabelecido em Israel, cujo objetivo é resgatar um criminoso acusado.

Netanyahu, é claro, diz que esta é a coisa mais distante de sua mente.

Israel, porque não tem uma Constituição formal, é governado por um conjunto muito complexo de freios e contrapesos legais que evoluíram ao longo de décadas. Juristas me dizem que existe argumento para algumas mudanças no Judiciário. Mas fazê-lo à maneira de Netanyahu – não por uma convenção nacional apartidária, mas com a Suprema Corte sendo despojada de poderes pelo governo mais radical da História israelense e sabendo que o caso criminal de Netanyahu poderia acabar na alta corte – fede muito.

Para colocar em termos americanos, seria como se Richard Nixon tentasse expandir a Suprema Corte dos EUA com juízes pró-Nixon durante a investigação criminal de Watergate.

A atual presidente da Suprema Corte de Israel, Esther Hayut, declarou na semana passada que a reforma proposta por Netanyahu “destruirá o sistema judicial e é de fato um ataque desenfreado”. Além disso, grupos de pilotos aposentados da Força Aérea, executivos de alta tecnologia, advogados e juízes aposentados da esquerda e da direita, incluindo alguns juízes aposentados da Suprema Corte, assinaram cartas dizendo basicamente a mesma coisa.

Os EUA deram a Israel quantidades extraordinárias de assistência econômica, inteligência sensível, nossas armas mais avançadas e apoio praticamente automático contra resoluções tendenciosas na ONU. Apoio essa posição. Também nos opomos há muito tempo a qualquer ação legal de instituições internacionais, com base no argumento de que Israel tem um sistema judicial independente que – não o tempo todo, mas muitas vezes – aplicou com credibilidade as normas aceitas do direito internacional sobre o governo e o exército de Israel, mesmo quando isso significava proteger os direitos dos palestinos.

Antes que Netanyahu consiga colocar a Suprema Corte de Israel sob seu polegar, Biden precisa dizer-lhe em termos inequívocos:

“Bibi, você está passando por cima dos interesses e valores americanos. Eu preciso saber algumas coisas de você agora – e você precisa saber algumas coisas de mim. Eu preciso saber: o controle de Israel sobre a Cisjordânia é uma questão de Ocupação temporária ou de uma anexação emergente, como os membros de sua coalizão defendem? Porque eu não serei um bode expiatório por isso. Preciso saber se vão realmente colocar os vossos tribunais sob a vossa autoridade política de uma forma que torne Israel mais parecido com a Turquia e a Hungria, porque eu não serei um bode expiatório por isso. Preciso saber se seus ministros extremistas mudarão o status quo no Monte do Templo. Porque isso poderia desestabilizar a Jordânia, a Autoridade Palestina e os Acordos de Abraão – o que realmente prejudicaria os interesses dos EUA. Não serei bode expiatório por isso”.

Aqui está o meu palpite de como Netanyahu responderia:

“Joe, Joey, meu velho amigo, não me pressione sobre essas coisas agora. Eu sou o único a conter esses loucos. Você e eu, Joe, podemos fazer História juntos. Vamos unir nossas forças não para simplesmente deter as capacidades nucleares do Irã, mas para ajudar – de todas maneiras possíveis – os manifestantes iranianos que tentam derrubar o regime clerical em Teerã. E vamos, você e eu, forjar um acordo de paz entre Israel e a Arábia Saudita. M.B.S. está pronto, se eu puder persuadi-lo a dar à Arábia Saudita garantias de segurança e armas avançadas. Vamos fazer isso e depois vou despejar esses loucos”.

Eu aplaudo ambos os objetivos de política externa, mas não pagaria por eles com um olho cego dos EUA para o golpe judicial de Netanyahu. Se fizermos isso, vamos semear vento e colher tempestades.

Israel e os EUA são amigos. Mas hoje, um parceiro nessa amizade – Israel – está mudando seu caráter fundamental.

O presidente Biden, da maneira mais cuidadosa, mas clara possível, precisa declarar que essas mudanças violam os interesses e valores dos EUA e que não seremos instrumentos de Netanyahu, apenas sentando-nos em silêncio.

[ por Thomas Friedman | 17|01|2023 | The New York Times | traduzido por Moisés Storch para o PAZ AGORA|BR | Amigos Brasileiros do PAZ AGORA | www.pazagora.org ]

Comentários estão fechados.