No seu segundo retorno, Netanyahu tem a chance de concretizar sua antiga fantasia – nocautear o Estado de Israel progressista e democrático
Benjamin Netanyahu voltou ao gabinete de primeiro-ministro para desmontar e remontar o Estado de Israel, que a partir de agora será mais racista, religioso e autoritário.
Este é o Estado que Netanyahu quer liderar: um Estado que prega a supremacia judaica e considera a pequena minoria árabe como uma ameaça demográfica e uma comunidade de criminosos. Um Estado que vê a lei judaica ortodoxa como comando supremo, deixando de lado os Direitos Humanos e Civis. Um Estado sem freios e contrapesos constitucionais, que já eram frágeis e agora serão revogados em nome da “governança”.
Nas últimas semanas, à medida que vazavam detalhes dos acordos de coalizão que o Likud assinou com os partidos ultraortodoxos e a direita radical, Netanyahu foi descrito como vítima de extorsão. Seus movimentos desde sua vitória eleitoral foram uma reminiscência da frase que ele uma vez cunhou contra os Acordos de Oslo: “Não é uma negociação de dar e receber, é dar e dar”.
De repente, o homem forte aos seus próprios olhos consente a (quase) todos os caprichos, iniciativas e subcláusulas levantadas por seus parceiros. Mais uma vez as imagens de Bibi estressado e suando foram trazidas à tona. Novamente Netanyahu prometeu que isso não significava nada, que ele governaria e decidiria, porque só ele pode tornar os sonhos dos direitistas realidade e, ao mesmo tempo, protege-los dos esquerdistas.
É fácil ser tentado a se apegar à esperança desesperada de que Netanyahu represente alguma linha moderada e liberal na coalizão de extrema direita, e que os acordos assustadores que ele assinou seriam arquivados e não usados. Que, em algum momento, um acordo de paz será assinado com a Arábia Saudita, e Itamar Ben-Gvir, Bezalel Smotrich e Avi Maoz serão expulsos do governo e substituídos por Benny Gantz e seus colegas.
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Não há dúvida de que Netanyahu pode trair qualquer parceiro. Seus colegas de coalizão sabem bem disso – é por isso que exigiram que o “filho mentiroso de um mentiroso” pagasse adiantado e aprovasse as leis que lhes concederiam poderes, ainda antes que o governo fosse empossado. Mas as manobras políticas são apenas decorativas. Netanyahu sonha com essa revolução há muitos anos, desde que falou ansiosamente de substituir as elites, mudar o discurso acadêmico e intelectual e enfraquecer o status do exército e do estado-maior.
Ele não conseguiu fazer isso no primeiro turno. Após a derrota em 1999 e seu retorno ao poder uma década depois, Netanyahu tentou fazer com que o centro e a comunidade empresarial gostassem dele, embora sempre tenha se apegado à sua base religiosa e de direita, e não tentou recrutar eleitores de esquerda do Likud.
Em 2015, formou uma coalizão de direita. que aprovou a Lei do Estado-nação e fixou a supremacia judaica em uma Lei Básica. Mas então a revolução parou em seus trilhos, nos quatro anos da crise política, durante os quais Avigdor Lieberman, Gideon Sa’ar e Naftali Bennett deixaram o bloco de Netanyahu e até participaram do “governo da mudança” de curta duração.
Agora, no seu segundo retorno, Netanyahu tem a chance de realizar sua velha fantasia e acertar um nocaute no Israel liberal e democrático, que esperava se assemelhar aos Estados ocidentais (embora apenas dentro da Linha Verde, e com promessas que não se tornaram realidade para estabelecer um Estado Palestino do outro lado da linha).
Seus parceiros de coalizão não estão menos ansiosos para expurgar Israel de árabes, imigrantes legais não-judeus, requerentes de asilo da África, feministas, LGBTQs, organizações de Direitos Humanos e juízes liberais que governam pela igualdade.
Netanyahu pode lançar balões de ensaio políticos e insinuar que é um democrata e liberal que foi presa dos ultra-ortodoxos, nacionalistas religiosos e kahanistas, que não o ostracizaram como seus rivais do campo “Qualquer um menos Bibi”, que está apenas retribuindo um favor. Mas isso é só um truque.
Uma nomeação que fez prova que ele está indo para um confronto, não uma reconciliação. É a nomeação de Yariv Levin como Ministro da Justiça, apoiado com o compromisso de priorizar esmagar a Suprema Corte e transformar os consultores jurídicos do governo em legitimadores das abominações do governo.
Levin será o homem-chave do gabinete, o motor que arrastará Israel para países como Hungria, Polônia e Turquia. Não tem o carisma e as habilidades de orador de Netanyahu. Não é o pet de estimação da mídia como foram os antecessores Ayelet Shaked, Amir Ohana e Gideon Sa’ar. Mas Levin é um homem metódico, calculista e eficiente, que há anos vem aprimorando planos para enfraquecer a independência do Judiciário.
Netanyahu sabe disso e o enviou ao Ministério da Justiça, na Rua Salah al-Din em Jerusalém, sem pressão ou extorsão. Talvez ele imagine que, como o homem cujo nome foi imortalizado na placa de rua, seu consigliere destruirá o ‘reino cruzado’ que se esforçou para transformar Israel numa Europa.
[ por Aluf Benn | Haaretz | 29|12|2022 | traduzido pelo PAZ AGORA|BR www.pazagora.org ]