Bnei Akiva, Quo Vadis ?

Antigos membros do Bnei Akiva estão chocados que o seu movimento juvenil, que já fez parte da luta contra o supremacismo judaico, agora tem participantes no Partido de extrema-direita ‘Sionismo Religioso’.

O Bnei Akiva lutava contra o kahanismo. Agora o movimento juvenil abraçou a extrema direita.

Bezalel Smotrich, um dos líderes do ‘Sionismo Religioso’ festeja

[ por Judy Maltz | Haaretz | 08|11|2022 | traduzido pelo PAZ AGORA|BR | www,pazagora.org ]

Em meados da década de 1980, quando o falecido rabino supremacista judeu Meir Kahane foi eleito para o Knesset, Yochanan Ben-Yaacov era chefe do ramo israelense do movimento juvenil Bnei Akiva. Preocupado com a ideologia racista desse rabino americano, que ameaçava expulsar os árabes de Israel, e começava a atrair seguidores entre membros do seu movimento religioso sionista, Ben-Yaacov resolveu agir.

Membros do Bnei Akiva na Lituânia, antes do Holocausto

Bnot Akiva na Lituânia, antes do Holocausto

“Coloquei de lado tudo o que estava fazendo na época e me dediquei a lutar contra o fenômeno”, relata. “Visitei praticamente todas as filiais do Bnei Akiva no país; Organizei sessões de treinamento para nossos líderes e conselheiros do movimento. Até fiz um manual que foi adotado pelo Ministério da Educação.

“O objetivo era educar nossos jovens, mostrando que essa ideologia vai contra a Torá, a qual nos ensina sobre como tratar bem os não-judeus em nossa terra”, diz ele.

No curto prazo, a campanha de Ben-Yaacov valeu a pena. O Bnei Akiva adotou uma política de tolerância zero em relação ao kahanismo, que permaneceu em vigor por muitos anos. Mas, a longo prazo, acabou em um sombrio fracasso – disso não há prova melhor do que os resultados da eleição israelense da semana passada.

Entre os novos legisladores eleitos na última terça-feira está um dos rostos mais proeminentes do movimento Bnei Akiva: Ohad Tal, ex-secretário-geral do Bnei Akiva Mundial.

O ‘Sionismo Religioso‘ foi, afinal das contas, o maior vencedor da eleição de terça-feira, conquistando 14 assentos e se tornando o terceiro maior partido do Knesset. Entre os que podem reivindicar o crédito por esta vitória está o rabino Chaim Druckman, líder espiritual do Bnei Akiva em Israel, que implorou aos religiosos sionistas – em carta emitida poucos dias antes da eleição – que não “desperdicem” seus votos em outros partidos.

O extremista Itamar Ben Gvir em campanha
O extremista Itamar Ben Gvir em campanha

Resumindo a situação, Anton Goodman, que cresceu na filial britânica do Bnei Akiva e foi ativo no Bnei Akiva Mundial depois de emigrar para Israel, diz: “Temos um desastre educacional em nossas mãos“.

“O fato de que o chefe do Bnei Akiva Mundial pudesse ser candidato em uma chapa que inclui kahanistas é altamente ilustrativo do que está acontecendo no movimento e no sionismo religioso como um todo”, diz ele. “Isso não poderia ter acontecido há 10 ou 20 anos.”

Ben-Yaacov, que enfatiza que hoje fala apenas em seu próprio nome e não do movimento, coloca a culpa diretamente nos ombros de Bezalel Smotrich, o chefe do Partido ‘Sionismo Religioso‘.

“O que ele fez foi tomar um movimento magnífico que existe há 120 anos, e brutalmente o estuprou – e o resultado é essa criança desfigurada”, diz ele.

Golpe mortal

A chapa do ‘Sionismo Religioso‘ é uma fusão de 3 facções: a ‘União Nacional‘ – Tkumá de Smotrich , estreitamente alinhada com o movimento de colonos, incluindo seus elementos mais extremistas; Otzmá Yehudit, o partido supremacista judeu liderado por Itamar Ben-Gvir, cuja retórica anti-árabe se inspira em Kahane; e o Noam, partido notório por incitar contra a comunidade LGBTQ.

Ieshivá [escola rabínica] do Bnei Akiva
Ieshivá [escola rabínica] do Bnei Akiva

A última eleição de Israel, diz Guy Ben-Porat, professor de política da Universidade Ben-Gurion do Negev, em Be’er Sheva, tem sido efetivamente um golpe mortal para os religiosos sionistas que poderiam pensar diferente.

“Aqueles que poderiam estar interessados em alcançar outros grupos da sociedade e que eram leais às instituições do Estado – estes saíram do mapa, pelo menos por enquanto”, diz ele.

Isso é certamente suportado pelos resultados das eleições de 1º de novembro.

Na eleição anterior, em março de 2021, os religiosos sionistas (o equivalente, em sua maioria, aos judeus ortodoxos modernos fora de Israel) tinham dois partidos que afirmavam representá-los: o ‘Yamina’ [‘à direita’] , mais liberal, liderado pelo [ex-primeiro-ministro] Naftali Bennett, e o partido Smotrich-Ben-Gvir. Mas quando o governo liderado por Bennett entrou em colapso em junho, um ano depois de ter sido formado – levou o Yamina para o fundo com ele.

Isso deixou aqueles sionistas religiosos ainda interessados em votar em um partido setorial (e que sempre foram a maioria dos eleitores religiosos em Israel), com apenas uma opção real: o ultranacionalista, anti-árabe, anti-gay, judeu (e masculino) supremacista ‘Sionismo Religioso‘. (Bennett se afastou da política e Ayelet Shaked, uma das fundadoras do Yamina, falhou em sua tentativa de criar uma nova encarnação do partido e seu Habayit Hayehudi não conseguiu ultrapassar o limiar eleitoral.)

E assim, em muitas das cidades, kibutzim e assentamentos de religiosos, que há muito se pensava serem moderados, os eleitores acabaram lançando suas cédulas para um partido extremista.

Em Efrat, assentamento da Cisjordânia estabelecido pelo rabino Shlomo Riskin – ex-líder espiritual da Sinagoga Lincoln Square de Manhattan e um dos principais defensores dos direitos das mulheres na Ortodoxia – Smotrich e Ben-Gvir conquistaram quase metade dos votos (48), em comparação com apenas um quarto em março de 2021.

Em Tekoa, outro assentamento considerado religiosa e politicamente moderado, eles ganharam quase 45% dos votos. Mesmo em Sa’ad [próximo a Gaza e fundado em 1947], amplamente considerado como um dos kibutzim religiosos mais à esquerda, Smotrich e Ben-Gvir tiveram 30% dos votos. E em Givat Shmuel, grande enclave religioso a leste de Tel Aviv, sua participação no total de votos foi de 24% – exatamente o mesmo que o Likud.

Ben-Porat atribui a ascensão da direita religiosa radical ao que descreve como “o fracasso do projeto Bennett”.

Smotrich e apoiadores em visita à Cisjordânia

“Ele tentou criar um partido que fosse firmemente falcão em questões de segurança, mas liberal em questões religiosas, na esperança de atrair um espectro mais amplo de israelenses, e eventualmente substituir o Likud como o maior partido da direita”, diz o professor de política, que realizou extensas pesquisas sobre questões de religião e Estado em Israel. “Mas acontece que não havia um grande eleitorado para ele.”

Antigamente, o partido que representava a comunidade religiosa sionista em Israel era o Partido Religioso Nacional, também conhecido por sua sigla hebraica ‘como ‘Mafdal‘. Até a Guerra dos Seis Dias de 1967, quando Israel capturou a Cisjordânia, o Mafdal era um partido moderado [dovish] alinhado com o Trabalhista. Com a criação de ‘Gush Emunim‘, movimento religioso de direita comprometido em estabelecer a chamada “Grande Terra de Israel” – cujos fundadores tinham raízes no Mafdal – o partido passou por uma grande mudança política. Desde então, em suas várias encarnações, tem sido fortemente alinhado com o Likud.

A comunidade religiosa sionista desviou para a direita não apenas politicamente, mas também religiosamente. O Bnei Akiva – o movimento juvenil mais identificado com essa comunidade e hoje o maior movimento juvenil sionista do mundo – foi naturalmente varrido pela tendência.

Antes do Gush Emunim decolar, era comum que membros do movimento Bnei Akiva no mundo – cujos ideais gêmeos são ‘Torá v’Avodá’ (observância religiosa e trabalho na terra) – fizessem aliá e se mudassem para um kibutz religioso onde pudessem perceber os valores do socialismo. Mas esse não é mais o caso. Hoje em dia, é muito mais comum que ativistas do movimento, especialmente aqueles vindos dos Estados Unidos, se mudem para assentamentos da Cisjordânia. Entre essa nova geração, o socialismo, com suas conotações esquerdistas, é muitas vezes considerado uma palavra suja.

Marco importante

Daniel Goldman, ex-presidente da Bnei Akiva Mundial, dificilmente reconhece o movimento juvenil em que cresceu na Grã-Bretanha.

“Fiquei muito, muito decepcionado”, diz ele sobre a decisão de Tal de se juntar à chapa do ‘sionismo religioso’. “Este é o tipo de coisa que ajuda Smotrich em sua tentativa de se tornar o acionista exclusivo do movimento religioso sionista.”

O Bnei Akiva Mundial, vale ressaltar, destituiu Tal poucos dias após o anúncio, observando em um comunicado que ele “não é filiado a nenhum partido político e que a escolha de Ohad é pessoal e não está relacionada ao movimento”.

Goldman, que desde então imigrou para Israel e se identifica como “centro-esquerda”, entende que representa apenas uma pequena minoria de sionistas religiosos – certamente em sua recém-adotada Pátria. “Quanto mais essa tendência continuar, mais pessoas como eu se sentirão marginalizadas”, lamenta.

O colega Brit Goodman, que trabalha como diretor de desenvolvimento das Iniciativas Abraão – uma organização que apoia a sociedade compartilhada para judeus e árabes em Israel – encontra-se no mesmo barco.

“O Bnei Akiva sempre foi de direita, mas certamente não era politicamente partidário de partidos específicos e sempre houve espaço para a ideologia de esquerda”, diz ele. Ele observa que o ramo britânico de Bnei Akiva é conhecido por ser o mais progressista do mundo.

Para Goodman, um marco importante na radicalização do movimento juvenil veio no verão de 2014, quando Noam Perel – que atua na época como secretário-geral do movimento mundial – se permitiu emitir comentários veementemente racistas sobre árabes após o sequestro e assassinato de três adolescentes judeus na Cisjordânia.

Goodman liderou uma campanha para que Perel fosse expulso do emprego. “Muitos veteranos do Bnei Akiva na época achavam que eu estava exagerando”, relata. “Mas acredito que esse incidente foi o que eventualmente permitiu que extremistas de direita assumissem o controle do nosso movimento.”

Kibutz Lavi (Galiléia)

Já é ruim o suficiente, diz Goodman, que os líderes de Bnei Akiva não sentiram escrúpulos na recente campanha eleitoral sobre a aderir e apoiar um partido frequentemente denunciado como fascista. Mas que eles concordem em unir forças com um partido que corre em uma plataforma de homofobia, diz ele, é absolutamente terrível.

“Há definitivamente uma conscientização crescente em Bnei Akiva nos últimos anos, com o ramo britânico liderando o caminho, de nossa responsabilidade de proteger a juventude LGBTQ”, diz ele. “Então, quando o líder do nosso movimento se junta a um partido como este, ele envia uma mensagem perigosa para aqueles encarregados de cuidar e nutrir nossas crianças e jovens adultos.”

Ralph Genende, rabino ortodoxo progressista de Melbourne, Austrália, cresceu no movimento Bnei Akiva da África do Sul. Profundamente perturbado com o que descreve como “messianismo descontrolado e radicalismo do ‘sionismo religioso'”, ele diz que deseja que os veteranos de Bnei Akiva em todo o mundo que compartilham suas preocupações não sejam tão hesitantes em falar.

“É preocupante que eles não vejam nenhuma razão para desafiá-los em algumas dessas tendências profundamente perturbadoras”, diz. “Eles, afinal, compartilham um nome e provavelmente devem considerar as implicações disso.”

[ por Judy Maltz | Haaretz | 08|11|2022 | traduzido pelo PAZ AGORA|BR | www,pazagora.org ]

Comentários estão fechados.