[ por Nehemia Shtrasler | publicado no Haaretz em 20|10|22 | traduzido por José Manasseh Zaguri]
Estas próximas eleições em Israel serão decisivas. Elas determinarão se continuaremos a viver numa democracia liberal ou escorregar para um regime autoritário, alguma coisa entre uma democracia e uma ditadura, com um líder todo-poderoso não limitado por um sistema de freios e contrapesos.
O bloco Likud-colonos-Haredim está planejando uma tentativa de assassinato da democracia. Esses políticos pretendem mudar completamente a cara do nosso sistema de governo. Em lugar de três poderes independentes – executivo, legislativo e judiciário – o poder executivo (o primeiro-ministro e seu gabinete) dominará os outros dois, acabará com a independência deles e os transformará em carimbadores (das decisões do executivo).
Em outras palavras, nestas eleições, não se trata de mudança de governo mas sim de mudança de regime.
Para poder controlar a Knesset (o poder legislativo), a coalizão governamental privará a oposição da oportunidade de executar seu papel principal – criticar o governo. Não faltará ódio para recorrer a esse propósito.
A demolição do judiciário se dará através do plano “Lei e Justiça” [não por coincidência o mesmo nome usado pela extrema-direita polonesa para neutralizar seu judiciário e editar leis discriminatórias – N.T.] de Betzalel Smotrich, que promete que não haverá nem lei nem justiça. A única razão pela qual esse plano foi criado é salvar Netaniahu de seu julgamento criminal. Mas tem também um objetivo mais amplo: esmagar a Procuradoria do Estado e a Suprema Corte, que são as duas únicas instituições ainda não dominadas pela direita.
Smotrich vai destruir a independência do procurador geral, através da divisão das suas funções e sua transformação em uma posição pessoal de confiança do primeiro-ministro. A atual procuradora geral será destituída e o conselheiro pessoal retirará os indiciamentos contra Netaniahu.
E para garantir sentenças conservadoras de direita, o sistema de seleção de juízes será modificado para permitir que os políticos sejam a maioria no comitê, diferentemente da situação atual. Em lugar de juízes profissionais e independentes, teremos juízes politizados, que estarão lá apenas para cumprir a vontade dos que os colocaram lá e isto será o fim de qualquer supervisão judicial sobre as ações do governo.
E se os juízes de alguma forma tiverem a audácia de derrubar alguma peça de legislação da Knesset por conta de violarem alguma Lei Básica ou os direitos humanos ou para proteger minorias, sua objeção não terá nenhum efeito, em face da cláusula de sobreposição que permitirá à Knesset simplesmente relegislar a mesma lei. O sistema de antiguidade também será extinto e o ministro da justiça (Smotrich?) decidirá quem será o presidente da Suprema Corte.
As modificações incrementais e relativamente modestas, introduzidas por Gideon Sa’ar e Ayelet Shaked na composição do comitê de seleção de juízes, agora parecerão uma piada comparadas com a completa erosão da Suprema Corte que está sendo proposta por Smotrich a pedido de Netaniahu.
A segunda parte do plano de Smotrich é eliminar da legislação os crimes de fraude e quebra de confiança. Ao contrário do pensamento popular, essa ideia não é projetada apenas para (salvar) Netaniahu. Outros também se beneficiarão dela – como o deputado (do Likud) David Bitan, que também está acusado de suborno, fraude e quebra de confiança. A eliminação desse crime será um grande prêmio para os corruptos. Logo que isto acontecer, qualquer ministro ou deputado poderá receber comissões, nomear parentes e amigos, ignorar conflitos de interesses e receber subornos. A Knesset se converterá em um refúgio acolhedor para todo tipo de corrupto.
Arye Deri [político haredi condenado duas vezes e que já esteve anos na prisão por corrupção – N. T.] disse recentemente que vai cancelar o procedimento legal que permite à Suprema Corte declarar ilegal uma decisão pública considerada não razoável, para que a corte não bloqueie sua nomeação como ministro em função dessas condenações. Ele não vê nenhum problema em uma pessoa que já foi condenada duas vezes – uma por corrupção, fraude e quebra de confiança e a outra por evasão fiscal – servir como ministro.
Smotrich, por sua vez, é um religioso extremista e nacionalista messiânico que não para de empurrar Israel para um regime autoritário. Em junho de 2019, declarou que Israel deveria ser governado de acordo com as leis da Torá. Sem dúvida, seu sonho real é que Israel se torne um estado teocrático no estilo iraniano.
E, precisamente agora, estamos vendo que felicidade é viver no Irã.
[ por Nehemia Shtrasler | publicado no Haaretz em 20|10|22 | traduzido por José Manasseh Zaguri]