Uma introdução indesejada ao Estado Binacional


Um Estado Binacional não surgiria apenas devido às ações de Israel; seu estabelecimento também seria apoiado pela cooperação silenciosa dos palestinos.

[ por A.B.Yehoshua | Haaretz | 02|01|2012 | traduzido pelo PAZ AGORA|BR | www.pazagora.org ]

Em seu artigo na semana passada (“Agora é sua vez”, Haaretz, 23|12|2011), Avraham Burg postulou uma nova tese, afirmando que chegou a hora de se preparar para a possibilidade de que Israel esteja se movendo, com certeza cega e irreversível, para o estabelecimento de um Estado Binacional na Terra de Israel [Eretz Israel].

Além do campo religioso (devido à estrutura de sua identidade), além do campo da direita extremista secular (devido à violência de suas fantasias), e além da esquerda pós-sionista (devido à sua visão humanitária-cosmopolita), todos os outros campos políticos e ideológicos em Israel compreendem e articulam o fato de que um Estado Binacional em Eretz Israel é uma possibilidade perigosa e desfavorável, uma possibilidade tanto no curto prazo quanto (mais particularmente) no longo prazo.


Apesar disso, caminhamos, como se por necessidade, em direção ao estabelecimento de um Estado Binacional, uma entidade que, em alguns estágios da história sionista, foi vista como uma possibilidade plausível, e até mesmo louvável em alguns círculos.

Mesmo que muitos de nós acreditem que é possível impedir a criação de tal Estado através de passos políticos contundentes, ainda há a obrigação de nos prepararmos para isso, tanto intelectual quanto emocionalmente, assim como nos preparamos para outros estados de emergência. O objetivo dessa preparação é garantir que um Estado Binacional não prejudique a estrutura democrática de Israel, e não destrua completamente a identidade coletiva judaica-israelense que tomou forma ao longo das últimas décadas.

Devemos perceber que um Estado Binacional não surgiria apenas devido às ações de Israel; seu estabelecimento também seria apoiado pela cooperação silenciosa dos palestinos, tanto dentro de Israel quanto além de suas fronteiras. Mesmo membros pragmáticos do Hamas querem arrastar Israel, como um primeiro passo, para tal eventualidade.

Isso não é apenas por causa da presunção duvidosa de que o que é ruim para os judeus deve certamente ser bom para os palestinos; também deriva logicamente da perspectiva palestina, uma vez que, no que diz respeito ao povo palestino, um Estado Binacional em todo Eretz Israel é uma opção melhor do que o quarto picado e picado da Palestina que poderia possivelmente ser espremido das mandíbulas de Israel depois de muita labuta e derramamento de sangue.

Devido à forte economia de Israel e suas fortes conexões com o Ocidente, um Estado Binacional, mesmo que seja meio democrático, poderia prometer aos palestinos uma vida melhor e mais segura, e (mais importante) uma área territorial maior, do que o que poderia ser feito por dezenas de anos de uma campanha conduzida com o objetivo declarado de obter toda a Palestina.

Ouvimos inúmeras fontes sobre a visão palestina de um Estado Binacional. Essa visão talvez explique a obstinação da Organização de Libertação da Palestina tanto na cúpula de Camp David de 2000 quanto durante as conversações entre a Autoridade Palestina e o governo Olmert. A visão também pode ter influenciado a postura da AP

durante as recentes posturas frente o atual governo de Israel, propondo que uma série de negociações destinadas a forjar uma solução real deve ser evitada. Essa visão também explica a passividade insondável dos palestinos no que diz respeito à organização de protestos civis e não violentos contra os assentamentos. Talvez também explique a razão deles ficarem dormindo à noite quando bandidos queimam suas mesquitas.

Ao contrário de seus irmãos na Síria e em outros Estados árabes – que, de peito nu, enfrentam balas do exército disparadas por seus próprios compatriotas – os palestinos observam passivamente a construção acelerada de assentamentos; e com sua paciência subconsciente eles nos arrastam em direção a um Estado Binacional.

Simultaneamente, contando com milhares de anos de “experiência”, os judeus mais uma vez inseminam e se cultivam no ventre da identidade de outro povo, um povo que pertence à enorme nação árabe. Ao fazê-lo, os judeus aqui agem exatamente como seus antepassados fizeram na Ucrânia, Polônia, Iêmen, Iraque e Alemanha; em parte por medo, em parte por paixão, os judeus se puxam para uma situação que lhes trouxe calamidade no passado e que, ainda mais pungente, dará um golpe mortal a qualquer possibilidade de normalização nacional sob a soberania israelense.

Para a maioria dos religiosos, fanáticos ou semi-moderados, a visão binacional não é tão ameaçadora. Qualquer um que soubesse preservar sua identidade através de rituais religiosos e vida comunitária, circunscrita por séculos em todo o mundo, certamente poderia proteger sua identidade em um distrito isolado cercado por aldeias árabes, com uma unidade do Exército de Defesa de Israel protegendo seu bem-estar.

Extremistas de direita, que consideram Israel como um enorme porta-aviões americano (como disse o ministro Uzi Landau), acreditam que essa superpotência confusa lhes permitirá resolver o problema demográfico realizando uma série de transferências em pequena escala em algum momento no futuro.

Além disso, os humanistas, veteranos desmamados com ideias de fraternidade entre nações inculcadas por movimentos como Hashomer Hatzair e Brit Shalom, não encontrarão nada ilegítimo sobre os escritórios do Hamas estarem localizados futuramente no complexo Azrieli em Tel Aviv, desde que esses escritórios não perturbem suas sensibilidades humanistas.

Mas para aqueles que acreditavam e sonhavam com uma identidade independente judaico-israelense que, para o bem ou para o mal, resiste ao teste de lidar com uma realidade nacional-territorial inteiramente própria, um Estado Binacional representa um sonho quebrado, uma fonte infalível de conflitos desmoralizantes no futuro, como foi comprovado pelo fracasso de experimentos binacionais em todo o mundo que envolviam povos mais próximos uns dos outros do que judeus e palestinos em termos de religião, economia, valores e História.

Ainda é possível evitar toda essa previsão de queda na saúde do paciente? Será ainda possível convencer os palestinos a se mobilizarem para a obtenção da Solução de Dois Estados (mesmo que os Estados se juntem como uma federação)? Será que ainda será possível persuadir os bem-intencionados de Israel, nos Estados Unidos e na Europa a mostrar força moral, e manter Israel longe do curso em espiral descendente que estabeleceu para si mesmo?

Ou se, sem querer, o binacionalismo chegar, como seus danos podem ser contidos? Como será possível lidar com isso de uma forma que não destrua a identidade nacional secular israelense independente, e não nos esmague em algum lugar entre a exclusão das mulheres judias e a exclusão das mulheres muçulmanas? São novas perguntas sérias para as quais até o campo de paz deve dar respostas.

O autor, veterano ativista do Movimento PAZ AGORA, é romancista, ensaísta e dramaturgo israelense.

[ por A.B.Yehoshua | Haaretz | 02|01|2012 | traduzido pelo PAZ AGORA|BR | www.pazagora.org ]

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