Devemos conceder residência israelense aos 100.000 palestinos que vivem na parte controlada por Israel na Cisjordânia [área C] a fim de aliviar o sofrimento daqueles que vivem na linha de frente da ocupação.
[ por A. B. Yehoshua | Haaretz | 31|10|2016 | traduzido pelo PAZ AGORA|BR | www.pazagora.org ]
Os comentários que fiz na conferência do Instituto de Pesquisa Política de Jerusalém, no início deste mês, causaram um grande rebuliço. Os palestrantes da conferência apresentaram as atividades que estão sendo conduzidas nos espaços compartilhados para diferentes comunidades na grande Jerusalém, especialmente para judeus e palestinos. Falei sobre a importância desses espaços também como uma espécie de laboratório para a vida binacional em todo o território da Terra de Israel – considerando a triste e difícil possibilidade de que a Solução de Dois Estados não será capaz de ser realizada, e que israelenses e palestinos serão arrastados lentamente, independentemente de sua própria vontade ou não, para alguma forma de Estado Binacional ou Federativo.
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Quase 50 anos se passaram desde a Guerra dos Seis Dias em 1967. Durante este tempo, me agarrei com entusiasmo e determinação a uma crença na Solução de Dois Estados – Israel e Palestina, vivendo um ao lado do outro em paz e reconhecimento mútuo – e agi em nome de tal visão.
Ainda acredito que esta é a solução certa e moral para o conflito. E mesmo que alguns dos campos palestino e israelense se recusassem durante anos a reconhecer a legitimidade dessa solução, ela lentamente se tornou a solução aceitável para toda a comunidade internacional, incluindo a maioria do mundo árabe – até finalmente ser formalizada nos Acordos de Oslo de 1993.
Mesmo o atual governo de extrema-direita em Israel adotou oficialmente a Solução de Dois Estados; no terreno, porém, nenhum esforço israelense real foi visto ao longo da última década para fazer progressos para alcançá-lo. Ao mesmo tempo, é evidente que a Autoridade Palestina, que também adotou oficialmente a Solução de Dois Estados, está evitando negociações sérias com o governo israelense para implementar esta solução em termos reais.
Jerusalém em si – cuja seção oriental está definida para ser a capital do Estado palestino de acordo com a solução – tornou-se, no nível físico, cada vez mais uma única cidade. A possibilidade de colocar uma fronteira internacional através dela parece quase irreal.
Os Estados Unidos e os países europeus falharam em forçar a Solução de Dois Estados de ambos os lados, não apenas verbalmente, mas também na prática. Isso é especialmente verdade no lado israelense, que continua a expropriar terras palestinas para o crescimento e expansão de assentamentos na Cisjordânia.
Os tratados de paz com a Jordânia e o Egito ainda podem estar mantidos, mas esses dois países estão tendo que lidar com seus próprios problemas sérios e sua preocupação com os palestinos é apenas da boca para fora. O mundo árabe está desmoronando e se desintegrando em sangrentas guerras civis e perdeu toda a influência e interesse no conflito israelo-palestino. Como resultado, a visão de Dois Estados está se tornando cada vez mais problemática.
E o que está acontecendo nos territórios palestinos? A Faixa de Gaza está agora completamente separada de Israel sem a presença israelense, seja civil ou militar. Para Israel, Gaza é uma espécie de pequeno Estado inimigo, um lugar onde guerras curtas eclodem ocasionalmente entre ele e Israel. Mas a Faixa de Gaza não está sob cerco total, uma vez que tem uma fronteira independente com o Egito, e há também um canal de comida e mercadorias entre Gaza e Israel.
A Cisjordânia é dividida em três áreas com base nos Acordos de Oslo: as áreas A, B e C. As áreas A e B compreendem cerca de 40% da Cisjordânia, enquanto a Área C compõe os 60% restantes das terras lá. As áreas A e B estão sob o domínio da Autoridade Palestina, com as maiores cidades e cidades palestinas situadas lá.
A Área A está sob o domínio civil e militar palestino. Na Área B, há apenas o controle civil palestino, enquanto a supervisão militar está nas mãos israelenses. Isso significa que a maioria dos palestinos nessas áreas vive sob uma forma de autonomia parcial e limitada, e eles têm uma força policial semi-militar a seu serviço que, em certa medida, coopera com as forças de segurança israelenses para prevenir o terrorismo.
Todos os assentamentos israelenses estão localizados na Área C. Segundo estimativas cautelosas, os colonos somam cerca de 450.000, com cerca de metade deles vivendo em cidades. O número de palestinos que vivem na Área C é de apenas cerca de 100.000, e eles são as pessoas que estão continuamente em confronto com os colonos, especialmente os colonos extremistas, no que diz respeito à desapropriação de terras, assédio nas estradas, desenraizamento de pomares e sua exploração vergonhosa como mão-de-obra barata. Estes palestinos estão sob supervisão constante do exército israelense, da polícia e dos serviços de segurança.
Dado o estado geral do mundo, que tende ao nacionalismo de extrema-direita, a infeliz situação no mundo árabe, a alienação em relação ao conflito israelo-palestino que está em curso há mais de 140 anos, e à luz do extremismo do governo de direita em Israel e da passividade da Autoridade Palestina – parece claro que a Solução de Dois Estados para Dois Povos está se tornando cada vez menos possível. Por isso, precisamos começar a pensar em outras soluções parciais, de natureza federal, que contornarão a atual incapacidade de estabelecer uma rígida fronteira internacional entre os dois povos na Terra de Israel.
Na primeira etapa, a fim de aliviar o fardo da Ocupação (cujos desdobramentos envenenam a democracia dentro das fronteiras de Israel, também), é necessário conceder residência israelense aos 100.000 palestinos que vivem na Área C que confrontam a Ocupação israelense, enfrentando tanto o exército quanto os colonos.
A concessão do status de residêntes aos palestinos concederá a eles, em primeiro lugar, os direitos fundamentais que os colonos que vivem ao redor e entre eles têm. Em outras palavras, benefícios previdenciários, assistência médica, seguro-desemprego, salário mínimo, liberdade de movimento e um status legal mais forte em relação às autoridades judiciais israelenses e à lei israelense. Tal residência impediria a desapropriação de suas terras (ou tornaria muito mais difícil) através das várias leis propostas desprezíveis para legalizar a construção em terras privadas palestinas, ou por ordens militares arbitrárias, enquanto são abusados como sujeitos sem direitos.
Ao contrário do que estava implícito na reação ao meu discurso, a concessão de residência não constituirá anexação da Área C a Israel. O status deste território permaneceria o mesmo que é hoje: território disputado, cujo status será decidido em um futuro acordo entre os palestinos e Israel, semelhante ao status de Jerusalém Oriental. Se, no quadro da Solução de Dois Estados, Jerusalém Oriental fizer parte do Estado Palestino, então o status de residentes israelenses – que os 250.000 palestinos que vivem lá já têm – não será um obstáculo para um acordo.
Eu disse repetidamente que continuarei a apoiar a Solução de Dois Estados, assim como a apoiei nos últimos 50 anos. Mas é impossível não tentar melhorar, mesmo que ligeiramente, a situação dos milhares de palestinos que vivem na Área C, onde a ocupação maligna amarga suas vidas dia e noite.
Nosso dever humanitário imediato de reduzir o sofrimento humano – desde que não entre em conflito a chegada a um acordo justo no futuro – vem antes de princípios simplistas. Um palestino de 50 anos, que nasceu na Ocupação e é constantemente confrontado com ela na linha de frente, merece receber direitos substanciais e imediatos agora, mesmo que sejam apenas parciais, a fim de melhorar sua situação.
[ por A. B. Yehoshua | Haaretz | 31|10|2016 | traduzido pelo PAZ AGORA|BR | www.pazagora.org ]