O gigante israelense A.B. Yehoshua – da Literatura e da Paz – nos deixou nesta terça-feira, aos 85 anos.
Reproduzimos aqui, como homenagem ao seu legado perene, uma correspondência que dele recebemos em 2009, que mostra sua singular lucidez e visão de futuro.
Já então, ele levantava o dilema entre a Solução de Dois Estados e o Estado Binacional, como solução do conflito israelense-palestino, questão que abordou com frequência nos anos seguintes, na medida em que a Ocupação ilegal da Cisjordânia avançava..
Outro tópico em que se aprofundou foi a análise das Identidades judaica e israelense. Uma de suas posições mais polêmicas é a de que um indivíduo só terá uma realização completa como judeu. caso viva em Israel.
Este foi um tema em que dele divergi numa conversa pessoal que tive o privilégio de ter com ele em 2015 em Tel-Aviv.
Muitos outros assuntos serão por nós levantados em www.pazagora.org, nos próximos dias, em materiais traduzidos ao português, em homenagem a este que foi um dos principais ideólogos do PAZ AGORA.
>Participe, enviando-nos artigos traduzidos, com respectivo link do original para artigo@pazagora.org.
[ por Moisés Storch | 19|06|2022 | coordenador dos Amigos Brasileiros do PAZ AGORA | www.pazagora.org ]
O FUTURO DE ISRAEL ESTÁ EM JOGO
[ por A.B. Yehoshua | 17|10|2009 | traduzido por Heliete Vaitsman para o PAZ AGORA|BR | www.pazagora.org ]
Caros amigos:
A mensagem não poderia ser mais clara: a anarquia que reinava no seio da sociedade palestina na Cisjordânia diminuiu consideravelmente este ano. As forças de segurança realizaram operações de ‘varredura’ visando as estruturas terroristas e o Hamas tornou-se quase invisível. A ordem foi restaurada entre a população palestina da Cisjordânia.
São as forças de segurança da Autoridade Palestina e não o Exército israelense, que cumprem essa tarefa. Dirigida por seu pragmático primeiro-ministro, Salam Fayad, e seu presidente, Mahmoud Abbas, a AP luta contra os grupos terroristas e age com firmeza no intuito de criar instituições palestinas eficazes e livres de corrupção.
Ao mesmo tempo, a atmosfera de violência continua a crescer na Cisjordânia. Em setembro, um coquetel Molotov foi lançado sobre soldados israelenses, mas os responsáveis foram os colonos. Foi a primeira vez que os colonos, muitos dos quais hoje vêem o governo de Israel como inimigo, atacaram soldados israelenses com um explosivo. A violência deles se manifesta toda vez que o Exército israelense tenta desmantelar um assentamento ilegal.
As duas imagens – de um lado, a AP lutando contra o terrorismo e, do outro lado, os colonos da Cisjordânia provocando as autoridades israelenses – ilustram com clareza o contraste entre as dinâmicas hoje em movimento na Cisjordânia. O que isso significa para o futuro de Israel e a esperança de paz?
Foi há muito tempo – em 1978 – que meus amigos e eu demos início ao ‘PAZ AGORA’.
Pode-se dizer que as nossas idéias, e as de vocês, conquistaram o conjunto do espectro político israelense. Até mesmo Benjamin Netanyahu, um dos opositores mais fervorosos da idéia de dividir a terra de Israel para criar dois Estados, declarou, recentemente, que aceita a existência de um Estado palestino desmilitarizado ao lado de Israel. Ao dizer isso, porém, o que Netanyahu fez foi seguir de perto outros primeiros-ministros de direita, como Ariel Sharon e Ehud Olmert, que não se opuseram à criação de um Estado Palestino, para mudar de opinião logo em seguida.
Não nos deixemos enganar. A despeito dessas declarações, ainda resta um longo caminho a percorrer para que se chegue concretamente à criação de um Estado Palestino. Na realidade, é muito mais curto o caminho que leva de fato a um Estado Binacional em Israel (Um único Estado para Dois Povos).
Dentro das fronteiras de Israel, contam-se cerca de 1,5 milhão de palestinos-israelenses. Cerca de 200.000 palestinos não-cidadãos vivem na região de Jerusalém Oriental, nos territórios anexados por Israel por ocasião da Guerra dos Seis Dias, em 1967. Se somarmos a eles os 3, 5 milhões de habitantes da Cisjordânia e de Gaza, esse Estado binacional de fato seria composto por 55% de judeus e 45% de palestinos. Considerando as taxas de natalidade, muito diferentes nas duas sociedades, esse índice poderia inverter-se em favor de uma maioria palestina em muito pouco tempo. E desapareceria o Estado judeu.
Ao nada fazer a esse respeito, estamos nos dirigindo, em curto prazo, para um futuro horrível: nele, Israel se torna um Estado de apartheid em que a maioria da população, palestina é dominada. E, a exemplo do projeto deplorável e violento levado a cabo no século passado por Estados multinacionais, como a Iugoslávia, esse Estado Binacional em Israel seria, muito provavelmente, afetado pela violência incessante entre dois povos muito diferentes entre si.
Um Estado Binacional seria a certeza, posta à prova, de engendrar um monstro político.
Os judeus não teriam então senão duas soluções: praticar a discriminação em relação aos palestinos ou abandonar aos poucos a sua Pátria e fazer o que sempre fizeram no passado: manter sua identidade no seio de outros povos, longe da terra dos seus ancestrais.
Isso não é uma visão fantasmagórica. Alguns palestinos desde já renunciaram à ideia de ter seu próprio Estado e reivindicam a igualdade de direitos dentro de um Estado binacional.
Para encerrar esse processo perigoso, é preciso que sejam tomadas duas medidas imediatas: congelar a expansão dos assentamentos na Cisjordânia e destruir os que foram construídos nos últimos anos. Isso é possível: aconteceu em Gaza em 2005 e na península do Sinal após a assinatura do tratado de paz israelense-egípcio.
A destruição dos postos-avançados e a interrupção da expansão das colônias – o que significa começar a desmantelar algumas delas, uma ação de impacto – não significa nem a retirada do Exército israelense nem o abandono dos colonos. As Forças Armadas de Israel devem manter a segurança até a assinatura de um acordo de paz. Mas, ao mesmo tempo, devemos pôr fim a esse processo absurdo e caro que consiste em nos imiscuirmos de maneira inextricável no tecido social de outro povo.
Congelar a colonização na Cisjordânia não é um gesto que faríamos em benefício do governo norte-americano ou dos palestinos. Trata-se do nosso próprio futuro e da nossa identidade israelense, que se erode enquanto nos lançamos aos abismos do bi-nacionalismo. Devemos fazê-lo mesmo se duvidamos da capacidade de nossos dois povos chegarem a um acordo de paz em segurança.
Essas são minhas preocupações em relação ao futuro. Mas não me preocupo em silêncio. Escrevo e me expresso em alto e bom som para condenar os graves erros que cometemos, e encorajo todos vocês a se engajarem nas atividades do PAZ AGORA.
O SHALOM ACHSHAV em Israel, e seus movimentos irmãos no mundo, desbravaram o caminho da luta contra a colonização, que combatem com campanhas públicas há anos. É em parte graças ao trabalho do PAZ AGORA (e também graças ao apoio de vocês) que a opinião pública israelense e, de maneira mais geral, a das comunidades judaicas no mundo têm hoje um olhar crítico em relação aos assentamentos.
Não pode haver, na atualidade, debate público a respeito da guerra no Oriente Médio sem que sejam claramente enunciados os princípios do PAZ AGORA. Não se pode tomar decisões acerca de Israel (dos campi universitários ao Congresso dos EUA) sem a influência do PAZ AGORA.
Não há uma única casa construída ilegalmente num assentamento da Cisjordânia sem que o PAZ AGORA documente o ato e chame a atenção para sua repercussão negativa.
Enquanto o PAZ AGORA em Israel denuncia as construções ilegais e se opõe a elas nos tribunais, seus movimentos irmãos lhe oferecem o apoio necessário.
O PAZ AGORA, em Israel e no mundo, está engajado na realização dos nossos objetivos, vinculando-se a eles de maneira racional, civilizada e obediente à lei. Foi por meios jurídicos que o PAZ AGORA conseguiu do governo israelense o compromisso de desmantelar a colônia de Migron, construída em terras palestinas.
Nas manifestações públicas, o PAZ AGORA conseguiu mobilizar israelenses que apelam pelo fim da colonização. Não por causa de pressões diplomáticas externas, mas no próprio interesse de Israel.
Ao nível do governo dos Estados Unidos, o Americans for Peace Now mobilizou forças que levaram ao envio de uma carta do Congresso solicitando a adesão do Presidente norte-americano ao cessar-fogo em Gaza.
Nos meios de comunicação, quando a revista Newsweek tratou, na edição do último 21 de setembro, do tema polêmico dos assentamentos, foi o PAZ AGORA que procurou. Os sites do PAZ AGORA na Internet cobrem os acontecimentos em tempo real, fazendo análises e dando informações que podem ajudar a compreender melhor a situação e a discuti-la.
O PAZ AGORA é o movimento popular mais importante que tem como principal objetivo a ’Solução de Dois Estados’, tendo sempre presente a segurança de Israel. De fato, se a expressão ’Solução de Dois Estados’ é hoje amplamente utilizada em todas as esferas, isso se deve em parte ao trabalho efetuado pelo PAZ AGORA, tanto em Israel como no mundo. E também se deve a você.
Quando os adversários de direita olham para os palestinos, só enxergam Yasser Arafat. Quando olham para os assentamentos, a única coisa que enxergam é o direito dos judeus à sua mãe-pátria. A eles, eu digo: ‘Abram os olhos, antes que seja tarde demais’. A colonização não é uma realização do sionismo pioneiro. É uma ameaça ao sionismo.
Israel realizou feitos miraculosos, heróicos. Eu os vi acontecerem ao longo de toda a minha vida. É impossível que um país tão heróico não possa encontrar o caminho da paz.
Continuem, por favor, a apoiar o PAZ AGORA!
Shalom,
A.B. Yehoshua
P.S: Observo meu país, próspero e maravilhoso, aquele que minha geração construiu e defendeu durante toda a vida. E preocupo-me profundamente com o seu futuro, com a sua existência enquanto democracia judaica. Para preservar o futuro de Israel, para que haja um Estado judeu que todos continuemos a amar e do qual possamos nos orgulhar, é hora de apoiar o PAZ AGORA.
[ por A.B. Yehoshua | 17|10|2009 | traduzido por Heliete Vaitsman para o PAZ AGORA|BR | www.pazagora.org ]