[ por Michael Sfard | Haaretz | 01|04|2022 | traduzido pelo PAZ AGORA|BR |
www.pazagora.org ]
Se existisse psicoterapia para as nações, os israelenses precisariam de um tratamento particularmente longo, de preferência com pelo menos três vezes por semana. Se os israelenses começassem tal terapia, nos primeiros 20 minutos o diagnóstico seria que a nação sofre de uma extrema falta de autoconsciência. Depois de meia hora, no máximo, o psicólogo anotaria: “Teste de realidade defeituosa por escolha, síndrome fatal de auto-manipulação.”
Caso contrário, seria impossível entender a dissonância da reação emocional e raivosa dos israelenses à cruel ocupação da Rússia na Ucrânia, que inclui demonstrações de solidariedade com a nação ocupada, enquanto os próprios israelenses impõem uma das ocupações mais cruéis e longas dos tempos modernos sobre milhões de palestinos. Como esse raro consenso israelense, que apoia a luta do povo ucraniano pela independência e liberdade, está de acordo com uma visão que vai desde o apoio entusiasmado à indiferença fria sobre a perpetuação do regime israelense de opressão sobre a Palestina?
Os correspondentes israelenses que cobrem a guerra e os âncoras de notícias estão todos fazendo um bom trabalho expressando o sentimento do público israelense quando eles estão horrorizados, às vezes teatralmente assim, pelas imagens fora da Ucrânia. Eles estão horrorizados com a destruição da infraestrutura e os ataques contra alvos civis, os enxames de refugiados inundando países vizinhos, e a destruição total da cidade portuária de Mariupol.
E, claro, há a antecipação da vida sob ocupação russa – a negação certa da liberdade de expressão, a eliminação dos direitos civis e o esmagamento de qualquer chance de uma democracia funcional onde todos participem dos processos que estabelecem normas e políticas. Simplesmente terrível.
O negócio é o seguinte: testes de realidade adequados gerariam a analogia necessária na alma israelense. As imagens de Kherson e Kyiv, de edifícios de apartamentos atingidos por mísseis, se assemelham às várias operações de Israel em Gaza – Cast Lead, Pillar of Defense, Protective Edge, Guardian of the Walls – e seus muitos e sangrentos amigos. Na Operação Borda Protetora em 2014, chegamos a mais de 15.000 edifícios na Faixa de Gaza; dois terços deles foram totalmente destruídos ou severamente danificados.
Sim, incluindo instalações médicas e escolas, e, claro, prédios de apartamentos. E sim, os russos também afirmam que os ucranianos estão escondendo munição em hospitais e centros comerciais, ou disparando desses locais.
É tão parecido, que podemos dizer que Vladimir Putin está dando a Mariupol o “tratamento de Gaza”. Relatos da criminalização despótica por Moscou dos protestos russos são recebidos em Israel com uma língua liberal, mas a declaração igualmente despótica do nosso ministro da Defesa de que seis organizações palestinas de direitos humanos e grupos da sociedade civil são “organizações terroristas” – sem apresentar a menor prova para esta acusação escandalosa e perigosa – foram recebidas com total silêncio. (Nota: eu represento como advogado um dos grupos.)
E em que célula selada, do cérebro coletivo israelense, temos trancado o fato de que não precisamos de uma transmissão por satélite para ver refugiados? O fato de que a poucos quilômetros de nós, centenas de milhares deles vivem sob nosso domínio direto, com milhões de outros nos países vizinhos, todos eles um produto do conflito israelo-palestino.
Na semana passada, o professor de direito canadense Michael Lynk, relator especial da ONU, publicou um relatório acusando Israel de impor um regime de apartheid aos palestinos. Este documento segue uma pilha de relatórios de grupos de direitos israelenses (Yesh Din, B’Tselem) e internacionais (Human Rights Watch, Amnesty International) nos últimos dois anos, cada um acusando Israel de cometer o crime que as organizações palestinas vêm alegando há anos. A importância do relatório de Lynk é que a alegação do apartheid agora ultrapassa os limites da sociedade civil e começou a lançar âncoras em instituições internacionais.
A reação pavloviana de Israel, de que Lynk seria anti-israelense e seu relatório é tendencioso, não é mais nem irritante. Apenas enfatiza a ausência de uma resposta ao mérito da acusação.
Isso prova que até o Ministro das Relações Exteriores Yair Lapid sabe (mas reprime) que uma realidade de dominação e opressão por uma nação contra a outra, onde uma lei se aplica aos judeus e outra diferente aos palestinos, onde todos os recursos são destinados aos judeus às custas dos palestinos, os primeiros tendo direitos políticos e os últimos não, e quando esse estado de coisas não pode, por qualquer padrão, ser descrito como temporário – esta é uma realidade do apartheid. Não há um único argumento em nossa defesa para nos salvar; todos os álibis foram refutados.
É por isso que o reconhecimento do fato de que Israel está cometendo o crime do apartheid tem se espalhado mais rápido do que a Omicron nos últimos meses. E os israelenses? Eles estão pendurando a bandeira ucraniana em seus carros e varandas, murmurando “Slava Ukraini” e evitando contato visual com o espelho.
Quando um garotinho coloca a mão sobre os olhos e diz que não há ninguém na frente dele, isso é fofo. Quando uma nação coloca a mão sobre seus olhos e diz que não há ninguém na frente dela, ela precisa urgentemente de terapia.
Michael Sfard é advogado de diversas organizações de direitos humanos e escreveu o parecer para a Yesh Din, classificando o regime de Israel na Cisjordânia como um apartheid.
[por Michael Sfard | Haaretz | 01|04|2022 | traduzido pelo PAZ AGORA|BR | www.pazagora.org]
NA UCRÂNIA, ASSIM COMO NA CISJORDÂNIA:
- NÃO à OCUPAÇÃO
- NÃO À VIOLÊNCIA
- SIM AO DIÁLOGO DESARMADO
- SIM À PAZ AGORA!
APARTHEID E OCUPAÇÃO SÃO IRMÃOS SIAMESES.
COM O FIM DA OCUPAÇÃO, O APARTHEID ACABA!
NOTA: CONTRA O TERROR
Lamentamos profundamente as perdas de vidas, no que parece ser mais uma onda de terrorismo contra cidadãos de Israel.
Exortamos a que eventual reação israelense não envolva medidas de punição coletiva, que só inflamariam o conflito.
Por outro lado, insistimos que o melhor caminho para o entendimento é o retorno de Israel à mesa de negociações com os palestinos, objetivando a viabilização de um Estado Palestino soberano ao seu lado.
A Ocupação interminável e crescente da Cisjordânia é um rico caldo de cultura para a violência e o terror.
Isso precisa acabar!
Amigos Brasileiros do PAZ AGORA