A barbárie nazista na matança de judeus: o Poema (por Yevgeny Yevtushenko) e a História (Martin Gilbert); fonte: Paulo Roberto de Almeida www.pralmeida.org
De um grande poeta russo : ” Babii Yar ” ( de Yevgeny Yevtushenko)
Um brado contra a intolerância
“Sinto-me como Dreyfus.
O filisteu é simultaneamente o denunciante
e o juiz.
Sou prisioneiro.
Estou cercado.
Perseguido, cuspido e difamado.
Grito, enquanto deliciosas senhoras decoradas
com os seus laços de Bruxelas
furam-me o rosto com os seus guarda-chuvas…”
Parece tão longínquo, mas é tão atual… Esta é a capacidade mágica dos poetas; sabem antecipar o que vai acontecer…
BABII YAR
Nenhum monumento sobre o Babii Yar.
A pedra sepulcral é uma pura lágrima.
Eu estou com medo.
Eu sou hoje tão remoto como todo o povo judeu.
Agora vejo-me como um judeu.
Aqui arrasto-me através do Egito Antigo.
Aqui eu morro, crucificado, na cruz, carregando as cicatrizes deixadas pelos pregos.
Sinto-me como Dreyfus.
O filisteu é simultaneamente o denunciante e o juiz.
Sou prisioneiro.
Estou cercado. Perseguido, cuspido e difamado.
Grito,
enquanto deliciosas senhoras decoradas com os seus laços de Bruxelas
furam-me o rosto com os seus guarda-chuvas.
Vejo-me então como uma criança novinha em Bialystok.
O sangue escorre, derramado pelos soalhos.
No salão do bar a multidão desperta para uma medida de vodka e cebola.
Desamparado, chutado por uma bota no traseiro.
Em vão suplico por piedade aos meus carniceiros.
Enquanto isso troçam e disparam: “Matem os judeus. Salvem a Rússia!”
e um cacetete bate na minha mãe.
Ó meus povos russos!
Eu sei, vocês são internacionalistas.
Mas aqueles que têm as mãos sujas
em vão vos retiraram a pureza do vosso nome.
Eu conheço a bondade da minha terra.
Mas os anti-semitas são vis e não caem em delíquo.
Intitulam-se orgulhosamente de “A União dos Povos Russos!”
Eu vi, como Anne Frank, os límpidos ramos da Primavera.
E eu amo.
Não preciso de frases vazias.
Necessito apenas do que descobrimos dentro de nós.
O que mal se pode ver ou cheirar!
Não nos deixam partir e é-nos negado o céu!
Contudo podemos abraçar-nos ternamente na escuridão de um quarto.
Eles estão chegando? Não tenham medo.
É o retinir suave da própria Primavera – a Primavera já vem a caminho.
Chegando até mim.
Despeçam-se depressa. Estão quebrando algo debaixo da porta?
Não, é o gelo que se parte…
A erva selvagem murmura sobre Babii Yar.
As árvores olham agourentas como os verdugos.
Aqui todas as coisas gritam em silêncio,
e, dentro da minha cabeça, lentamente, sinto-me transformado em cinza.
E sou eu mesmo a soltar um berro tronitruante pelos muitos milhares aqui enterrados.
Eu sou cada velhinho aqui abatido a tiro.
Eu sou cada criança aqui abatida a tiro.
Nada será esquecido dentro de mim.
Deixem a “Internationale” trovejar
quando o último anti-semita na terra for enterrado para sempre.
Não tenho um pingo de sangue judeu.
Mas, na sua raiva insensível, todos os anti-semitas devem odiar-me agora
como se eu fosse um judeu.
Mas até por essa razão
Eu sou um verdadeiro russo!
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O massacre de Babi Yar
Em setembro de 1941, Babi Yar, ravina existente em Kiev, capital da Ucrânia, foi o local de um dos maiores massacres de judeus em um único lugar, durante a 2ª Guerra Mundial. Em dois dias apenas, 34 mil judeus, homens, mulheres, crianças e velhos, foram mortos a tiros. Babi Yar se tornou símbolo do cruel assassinato de judeus perpetrado pelos Einsatzgruppen e da persistente falta de reconhecimento da memória judaica.
Em 1961, o poeta russo Yevgeny Yevtushenko, em seu poema “Babi Yar”, fez um apelo para que os terríveis acontecimentos não fossem relegados ao esquecimento.
“(..) A erva selvagem murmura sobre Babi Yar. As árvores olham agourentas como os verdugos.
… Aqui tudo grita em silêncio, e, tirando meu boné, sinto-me grisalho, lentamente. E eu, também, tornei-me um berro tonitruante, sem som, pelos muitos milhares aqui enterrados. Eu sou cada velhinho aqui abatido a tiros. Eu sou cada criança aqui abatida a tiros. Nada será esquecido, dentro de mim…”
Holocausto na Ucrânia
A Operação Barbarossa, invasão da antiga União Soviética por Hitler, lançada em 22 de junho de 1941, foi decisiva no Holocausto, pois deu início ao genocídio de judeus. A matança sistemática de judeus no leste da Europa começou no primeiro dia da invasão alemã.
As forças nazistas rapidamente ocuparam a Ucrânia, o leste da Polônia, a Letônia, Estônia e Lituânia, a Bielorrússia e o oeste da República Russa. Assim que o exército alemão ocupava alguma área da ex-União Soviética, os Einsatzgruppen (Esquadrões da morte móveis das SS) entravam em ação, fuzilando os judeus. Estima-se que mais de 1,5 milhão foram executados dessa forma. Uma das “tarefas” dos Einsatzgruppen era organizar, entre a população local, indivíduos dispostos a perpetrar ou a participar dos assassinatos em massa de judeus. Na Ucrânia não foi difícil; centenas de milhares colaboraram entusiasticamente com os nazistas. Sem tal participação, teria sido impossível que as matanças atingissem a escala que de fato tiveram.
Antes mesmo de os nazistas ir em frente com a “solução radical do problema judaico através da execução a tiros de todos os judeus”, milhares de ucranianos foram os responsáveis por sangrentos pogroms. Outros milhares tornaram-se guardas nos campos de extermínio. A ajuda da polícia ucraniana permitiu aos nazistas rapidamente identificar e reunir os judeus que, a seguir, eram conduzidos para locais ermos onde, um a um, família após família – homens e mulheres, velhos e crianças – eram brutalmente assassinados a tiros.
Kiev
A cidade de Kiev acabou caindo em mãos alemãs após 45 dias de batalha, em 19 de setembro de 1941. Acredita-se que cerca de 70% dos 225 mil judeus (20 % da população da cidade) que viviam em Kiev conseguiram deixar a cidade a tempo. A maioria dos que ficaram eram os que não tinham condição de fugir: mulheres, crianças, velhos e doentes.
Desde o primeiro dia da ocupação, os judeus perceberam as “faces radiantes” de muitos ucranianos, como recordou mais tarde uma testemunha ocular, Konstantin Miroshnik, então com 16 anos. Um dos vizinhos ucranianos dissera ao seu avô, “Leib, seu poder judaico chegou ao fim, uma nova ordem começará agora, portanto tenha em mente, você terá contas a acertar…”.
No segundo dia da ocupação, policiais ucranianos apareceram nas ruas portando braçadeiras e anunciando que faziam parte da “Organização de Nacionalistas Ucranianos” (OUN), organização liderada por Stepan Bandera.
Por alguns dias, os judeus não foram molestados. Em 21 de setembro, após ter sido submetido a humilhações públicas, foi assassinado Shlomo Glozman, um dos líderes comunitários de Kiev, junto com nove outros dos mais respeitáveis membros da comunidade.
Durante os primeiros dias da ocupação alemã, duas grandes explosões, aparentemente desencadeadas por engenheiros militares soviéticos, destruíram o prédio onde havia se instalado o quartel-general alemão e parte do centro da cidade. Os alemães usaram esses atos de sabotagem como pretexto para dar início à matança dos judeus de Kiev.
Em 27 e 28 de setembro, os nazistas colocaram cartazes em russo e ucraniano por toda a cidade, convocando os judeus para o “reassentamento”. “Ordena-se a todos os judeus residentes de Kiev e suas vizinhanças que compareçam à esquina das ruas Melnyk e Dokterivsky, às 8 horas da manhã de 2ª feira, 29 de setembro de 1941, portando documentos, dinheiro, roupas de baixo, etc. Aqueles que não comparecerem serão fuzilados. Aqueles que entrarem nas casas evacuadas por judeus e roubarem pertences destas casas serão fuzilados”. Mais de 30 mil se apresentaram.
Nos dias 29 e 30, véspera de Yom Kipur, os judeus foram levados a Babi Yar, uma ravina nos arredores da cidade. Acreditavam que seriam embarcados em trens para um reassentamento. A multidão de homens, mulheres e crianças era grande o bastante para que ninguém se desse conta do que estava para acontecer, a não ser tarde demais. Um dos comandantes do Einsatzkommando chegou a se gabar, dias mais tarde, que, por causa de “nosso talento especial para a organização, os judeus acreditaram, até o momento de serem executados, que estavam realmente sendo enviados para um reassentamento”.
O massacre foi realizado em dois dias, pela unidade C do Einsatzgruppen, apoiada por membros de um batalhão das Waffen-SS. Unidades da polícia ucraniana foram usadas para agrupar e conduzir os judeus até o local de fuzilamento.
Logo após a guerra, um cidadão não judeu, o vigia do velho cemitério judaico próximo a Babi Yar, contou que testemunhara “cenas horríveis de dor e desespero”. Ao relatar os fatídicos acontecimentos contou: “Eu vi policiais ucranianos formarem um corredor e levar os judeus apavorados para a enorme clareira, onde, com bastões, aos gritos e utilizando cães que arrancavam pedaços dos corpos das pessoas, os judeus eram forçados a se despirem totalmente, a formar filas e, então, dirigir-se em colunas de dois para a boca da ravina. Ao escutarem o barulho das metralhadoras que estavam abatendo os judeus do grupo logo à frente, percebiam o que os esperava, mas não tinham mais como escapar. Ao chegar à boca da ravina, encontravam-se na beira do precipício, a 20, 25 metros de altura, e do outro lado havia metralhadoras alemãs disparando. (…). Então os próximos 100 eram trazidos, e tudo se repetia. Os policiais pegaram as crianças pelas pernas e as jogaram vivas dentro do Yar. Naquela noite, os alemães fizeram desmoronar as paredes da ravina e enterraram as pessoas sob uma espessa camada de terra. Mas a terra moveu-se ainda por muito tempo, porque judeus feridos e ainda vivos se moviam, desesperados”.
Dina Pronicheva foi uma dentre os poucos judeus a escapar com vida. Assim como centenas dos que foram alvejados, não morreu. Mas diferentemente da maioria dos que caíram vivos na vala, ela conseguiu evitar ser sufocada e escapou. Após a guerra, Dina contou os horrores de Babi Yar ao escritor russo Anatoli Kuznetsov, que publicou a história, primeiro na Rússia, em 1966, e na Inglaterra em 1970, sob o pseudônimo de A. Anatoli. Dina contou que enquanto estava ainda soterrada ouvia por todo lado e por baixo ela, sons abafados, gemidos, pessoas se sufocando e chorando. A massa de corpos movia-se ligeiramente conforme se acomodava e se espremia, através do movimento dos que ainda viviam. Lembrou como os soldados iam até a borda e iluminavam os corpos com suas lanternas, atirando com seus revólveres sobre os que ainda pareciam vivos.
Ao se referir ao massacre, Elie Wiesel escreveu que “testemunhas oculares disseram que, por meses após as mortes, o solo de Babi Yar continuava a esguichar guêiseres de sangue”. Após dois dias de assassinatos, a unidade do Einsatzkommando mandou para Berlim um relatório sobre a ação: em dois dias, 33.771 judeus haviam sido exterminados em Babi Yar e os “operadores” das metralhadoras haviam sido auxiliados pelos milicianos ucranianos.
Nos meses seguintes, os nazistas utilizaram Babi Yar como um local de execução para prisioneiros de guerra soviéticos e para “ciganos”. O número de executados talvez jamais seja conhecido.
Destruindo provas
Em março de 1944, a ex-URSS inicia a ofensiva na Bielorrússia. À medida que os exércitos alemães iam batendo em retirada frente ao inexorável avanço russo, eram instruídos a destruir as evidências dos assassinatos em massa.
Um comando especial alemão foi incumbido de ir aos locais dos massacres realizados pelos Einsatzgruppen. Teriam que exumar e queimar cadáveres e ossos e espalhar as cinzas. Na maioria dos locais foram construídas piras maciças. Cada pira podia consumir 3.500 corpos e ardia até dez dias. Mas a quantidade de mortos enterrados na ravina de Babi Yar não permitia esse “modus operandi”. Lembrou posteriormente o comandante da operação: “A terra sobre a imensa cova comum foi removida; os corpos foram cobertos com material inflamável e incendiados. Demorou cerca de dois dias para que a tumba ardesse até o fundo”.
A terrível tarefa foi realizada por mais de 400 judeus e prisioneiros de guerra soviéticos. Eles sabiam que assim que o trabalho se encerrasse todos seriam mortos, sabiam que os nazistas não iriam deixar testemunhas de seus crimes. As mortes já vinham ocorrendo; no primeiro mês, 70 dos prisioneiros foram mortos em execuções realizadas toda a noite pelos guardas, para se divertirem.
Os prisioneiros famintos e doentes trabalhavam com grilhões nos tornozelos, guardados por SS armados com submetralhadoras e acompanhados por cães treinados para matar. Os guardas dirigiam-se aos judeus chamando-os de “Leichen”, cadáveres. Mas, como escreveu o historiador Reuben Ainsztein, um dos principais autores ingleses sobre o tema do Holocausto, “naqueles homens seminus impregnados de carne putrefata, cujos corpos estavam comidos por sarna e cobertos com uma camada de lama e fuligem, e nos quais restava tão pouca força física, sobrevivia um espírito que desafiava tudo o que os nazistas tinham feito ou poderiam lhes fazer. Nos homens em quem as SS viam apenas cadáveres andantes, maturava uma determinação de que ao menos um deles precisava sobreviver para contar ao mundo o que haviam visto em Babi Yar”.
Eles traçaram planos. Entre os idealizadores, havia um soldado judeu do Exército Vermelho, Vladimir Davydov, que acabou testemunhando em Nuremberg. A escala de represália eliminava fugas individuais. Após a fuga de um soldado não judeu do Exército Vermelho, Fyodor Zavertanny, os alemães fuzilaram 12 dos prisioneiros e o SS encarregado dos guardas, que tinha supervisionado o grupo de Zavertanny. Uma fuga em massa era a única esperança. Mas os prisioneiros precisariam de um milagre, pois para poder fugir teriam que encontrar uma chave que pudesse abrir o cadeado do bunker onde eram trancafiados a noite. Eles passaram a procurar por quaisquer chaves que tivessem sobrado dentre os milhares de cadáveres apodrecendo e suas roupas em decomposição. Em 20 de setembro, o milagre aconteceu: um dos prisioneiros encontrou uma chave que servia no cadeado.
Nove dias depois, no 3º aniversário do massacre, 325 judeus e prisioneiros de guerra soviéticos fugiram. Desses, 311 foram fuzilados durante a fuga e apenas 14 alcançaram esconderijos, quatro ficaram por 20 dias em uma chaminé de uma fábrica desativada e dois foram escondidos sob o galinheiro por duas ucranianas, Natalya e Antonina Petrenko.
Em 6 de novembro, cinco semanas após a fuga, os 14 sobreviventes estavam entre os que recepcionaram o vitorioso Exército Vermelho que entrava em Kiev. Todos eles se juntaram às fileiras. Quatro deles, todos judeus, foram posteriormente mortos em ação contra os alemães, e dez sobreviveram à guerra. Dois judeus, Vladimir Davydov e David Budnik, prestariam depoimento, em 1946, no Tribunal de Nuremberg, sobre o massacre de Babi Yar.
Atitude soviética
Na Kiev libertada, judeus sobreviventes e familiares dos judeus massacrados foram até a ravina, no local da execução. Lembra uma testemunha: “Descemos até o fundo. Ficamos parados, chorando. Juntamos os ossos queimados de braços, pernas”. Após o Exército Vermelho retomar o controle de Kiev, Babi Yar foi transformado num local de internamento de prisioneiros alemães e operou até 1946, quando foi totalmente demolido.
Nos anos seguintes ao término da 2ª Guerra, os judeus que retornaram a Kiev, assim como os demais na antiga União Soviética, quiseram erguer um memorial em homenagem aos judeus assassinados em Babi Yar, mas essas tentativas foram sistematicamente rechaçadas pelas autoridades soviéticas.
Desde a retomada da cidade, o governo desestimulou qualquer ênfase ao massacre de Babi Yar como sendo uma barbárie direcionada apenas aos judeus – queriam que a tragédia fosse lembrada como um crime cometido contra a população de Kiev e o povo soviético todo.
A primeira versão do texto sobre o terrível massacre ocorrido em Kiev mencionava os judeus. “Os bandidos hitleristas cometeram assassinato em massa da população judaica. Eles o anunciaram em 29 de setembro de 1941, dizendo que todos os judeus deveriam estar na esquina das ruas Melnikov e Dokterev portando seus documentos, dinheiros e valores. Os carniceiros os conduziram a pé para Babi Yar, apossaram-se de seus pertences e lá os abateram a tiros”. Mas ao ser oficialmente publicado, os judeus não eram mais mencionados: “Os bandidos hitleristas trouxeram milhares de civis à esquina das ruas Melnikov e Dokterev”.
Diversas tentativas de se erguer um memorial judaico no local dos massacres foram adiadas. Em outubro de 1959, o escritor Viktor Nekrasov publicou um artigo protestando contra a intenção de erguer um parque com um estádio de futebol em Babi Yar e construir uma represa na outra ponta da ravina. Nos anos após o término da guerra, Babi Yar enchera-se de entulho, lama e água, formando, na descrição de uma testemunha, “um lago profundo imóvel… De longe, parecia esverdeado, como se as lágrimas das pessoas que lá tinham sido mortas houvessem brotado do solo”.
As autoridades municipais de Kiev concordaram, a princípio, em erguer um monumento, mas insistiam em que fosse dedicado aos cidadãos soviéticos, sem mencionar o fato de serem judeus. No final, até mesmo essa decisão não foi levada adiante e as obras da represa foram iniciadas.
Uma noite, em 1961, a represa construída pela prefeitura ruiu e torrentes de água, argila líquida e lama, misturadas com restos de ossos humanos, jorraram nas ruas de Kiev abaixo. A enxurrada provocou vários incêndios, destruiu uma garagem e, ao atingir a estação de bondes, virou os bondes, enterrando vivos todos os que estavam na estação e a bordo dos bondes. Nessa noite, enquanto os soldados estavam ocupados escavando em busca dos mortos e procurando sobreviventes na lama, uma segunda onda de argila líquida irrompeu de Yar, causando mais estrago e morte. Nos dois desastres, 24 pessoas foram mortas. Alguns dias depois, quando um bonde passou pelo local do desastre, uma velha ucraniana começou repentinamente a gritar: “Foram os judeus que fizeram isso. Estão se vingando de nós”.
À medida que as décadas passaram, muitos sobreviventes e os parentes dos sobreviventes procuraram retornar aos cenários de seu próprio sofrimento ou de sua família. Para os judeus da antiga União Soviética, Babi Yar, assim como outros locais de assassinato em massa de judeus, tornaram-se lugares de peregrinação solene. Visitar locais como Babi Yar, em Kiev, Rumbuli, perto de Riga, Ponar, fora de Vilnius, ou a cova da Rua Ratomskaya, em Minsk, tornou-se um meio de renovar e afirmar seu sentido de identidade judaica.
Em setembro de 1966, decorridos 25 anos do massacre, Babi Yar se tornou ponto de encontro para os ativistas judeus. Nos anos seguintes, os ativistas de várias partes do país vinham participar do evento em memória dos judeus assassinados, atendendo às convocações, a despeito do empenho das autoridades em evitar qualquer manifestação. Em 1971, no mínimo 1.000 pessoas participaram da cerimônia de recordação.
O interesse em Babi Yar atingiu seu ponto alto em 1961, no 20o aniversário do massacre, quando o poeta russo Yevgeny Yevtushenko publicou seu poema “Babi Yar” na Literaturnaia Gazeta. O poema se identificava com o sofrimento judeu, particularmente com as vítimas judias do nazismo, insistindo que enquanto existisse antissemitismo na ex-URSS sua sociedade não poderia ser genuinamente internacionalista. O trabalho evocou um amplo protesto, inclusive uma censura do Premier Nikita Khrushchev. A intelligentsia liberal, no entanto, recebeu-o com aplausos, e o compositor Dimitri Shostakovich musicou-o em sua 13a Sinfonia, que logo foi banida pelas autoridades.
Somente em 1976, ergueu-se um monumento, mesmo assim, sem fazer qualquer menção específica às vítimas judias, referindo-se apenas “aos cidadãos de Kiev e prisioneiros de guerra”. Apenas após o advento da Perestroika, a política soviética mudou. No final da década de 1980, colocou-se uma placa em iídiche, sem, no entanto, haver menção especial aos judeus. Em 1988, o aniversário da aktion de setembro de 1941 foi relembrado em grande escala em uma manifestação em Moscou e outra em Babi Yar.
Em setembro de 1991, grupos ucranianos e judaicos, patrocinados pelo governo da Ucrânia, organizaram em Kiev um evento de grande porte em memória dos judeus assassinados em Babi Yar. Nas principais ruas foram colocadas fotos dos judeus mortos, houve vários dias de conferências, encontros, exposições, concertos e discursos, além da publicação de um livro-memorial. No dia 29 foi inaugurado um monumento em feitio de menorá.
Em junho de 2013, o Fórum Mundial de Judeus de Língua Russa anunciou que um novo complexo memorial será erguido no local do massacre de Babi Yar. Além de um centro judaico e de uma sinagoga, haverá uma exposição de material histórico com roupas e pertences dos judeus assassinados, documentos dos arquivos nazistas e entrevistas com sobreviventes.
BIBLIOGRAFIA
Brandon, Ray (Editor), Lower, Wendy The Shoah in Ukraine: History, Testimony, Memorialization , Indiana University Press
Os testemunhos estão documentados na obra de Martin Gilbert, “Holocausto, História dos Judeus da Europa na Segunda Guerra Mundial”. Editora Hucitec
BABI YAR: O maior fuzilamento em massa nazista
[ fonte: Deutsche Welle | 06|10|2016 | editado pelo PAZ AGORA|BR ]
Nesta quarta-feira (06/10) os presidentes de Israel, Ucrânia e Alemanha se reuniram em Kiev para lembrar as vítimas de Babi Yar. Apesar das diferentes grafias em ucraniano, inglês, alemão e russo, Babi Yar é um símbolo do Holocausto na Europa Oriental.
“Sem uma lembrança digna não há um bom futuro”, afirmou o chefe de Estado alemão, Frank-Walter Steinmeier, durante a cerimônia. Ele lamentou em seu discurso que as áreas dos crimes nazistas no território da antiga União Soviética não tenham “um local condizente nas nossas lembranças”, sublinhando que a Ucrânia, ao contrário de outros lugares tradicionalmente ligados ao Holocausto, continua “muito pálida no nosso mapa da memória”.
Há 80 anos, em 29 e 30 de setembro de 1941, durante a investida das forças de Adolf Hitler sobre a então União Soviética, tropas da Alemanha nazista mataram a tiros dezenas de milhares de pessoas na ravina de Babi Yar, nos arredores da cidade ocupada de Kiev. De acordo com o relatório das unidades nazistas, 33.771 pessoas, espalhadas por 36 seções da paisagem do desfiladeiro, foram assassinadas diante dos olhos e ouvidos dos moradores locais. As vítimas ficaram empilhadas umas em cima das outras.
Assim, quase toda a população judaica da capital ucraniana foi exterminada de uma só vez. A maioria eram idosos, mulheres e crianças; os homens estavam lutando na frente de batalha. Os fuzilamentos na ravina, onde as vítimas eram enterradas sob uma fina camada de terra, continuaram pelos próximos dois anos. Também foram executados membros das etnias sinti e roma, doentes mentais e prisioneiros de guerra. Mais de 100 mil pessoas, incluindo cerca de 70 mil de origem judaica, foram assassinadas em Babi Yar até a retirada das tropas alemãs, em 1943.
O poema
Vinte anos depois, em setembro de 1961, um jovem poeta russo estava na encosta de Babi Yar: Yevgeny Yevtushenko fora levado ao lugar por um amigo – o escritor Anatolij Kuznetsow, que, quando era um garoto de 14 anos em Kiev, foi uma testemunha ocular da tragédia de Babi Yar e que mais tarde descreveu os eventos em um romance histórico.
Não só o incompreensível crime em si abalou o poeta, mas também a maneira como foi tratado o lugar da tragédia. Nas duas décadas após a guerra, a ravina serviu como depósito de lixo. Posteriormente, foi criado um parque recreativo no lugar, cujos trabalhos de construção desenterraram os restos mortais das vítimas. Testemunhas relataram que crianças teriam jogado bola com crânios. Os administradores de Kiev então não tiveram ideia melhor que cobrir de concreto o local.
“Em Babi Yar não há monumento”, escreveu Yevtushenko. “Acho que sou um judeu agora. Cada velho assassinado aqui – eu”. Yevtushenko era considerado a nova voz da cultura soviética que criticava abertamente a sociedade. Em setembro de 1961, o poema foi publicado no jornal Literaturnaja Gazeta e causou acalorada discussão.
Pois o poema era também uma crítica ao antissemitismo na União Soviética, que nas décadas do pós-guerra se enraizava cada vez mais na sociedade. Uma verdadeira campanha de difamação foi desencadeada contra Yevtushenko. O poeta foi acusado de colocar o sofrimento dos judeus durante a guerra acima do dos russos e ucranianos “nativos”. O editor-chefe da Literaturnaja Gazeta perdeu o cargo. Numerosos “contrapoemas” de poetas estatais moderadamente talentosos atacaram o poeta “antipatriótico”.
A sinfonia
Mas também houve outras vozes corajosas que ficaram do lado de Yevtushenko. E a mais forte dessas vozes foi a do compositor Dmitrij Shostakovich, que compôs, baseado no poema, sua Sinfonia n° 13 em si bemol menor Babij Jar. Além do poema Babij Yar, ele colocou música em quatro outros textos de Yevtushenko. A estreia em 18 de dezembro de 1962 foi repetidamente criticada de antemão pelo Partido Comunista e pelo Ministério da Cultura. Mas o maestro Kirill Kondraschin e os músicos não se intimidaram.
“Shostakovich era um ardente anti-antissemita”, diz o maestro Thomas Sanderling em entrevista à DW. Como filho do grande maestro Kurt Sanderling, que também era amigo íntimo de Shostakovich, Thomas Sanderling conhecia o compositor pessoalmente.
> VEJA AQUI: Documentação Histórica e Relatos sobre Babi Yar