[ por Anshel Pfeiffer | Haaretz | 09|01|2022 | traduzido pelo PAZ AGORA|BR | www.pazagora.org ]
Na manhã de sábado, o ministro das Relações Exteriores Yair Lapid tuitou uma foto de si mesmo com um bolo de aniversário. Não era o aniversário dele. Isso foi há dois meses, quando fez 58 anos. O bolo – na verdade, havia dois deles em forma de numerais – foi para o 10º aniversário do seu anúncio, em 8 de janeiro de 2012, de que estava deixando o jornalismo para fundar um novo partido político: o Yesh Atid. [Existe um Futuro]
A data da fundação de um novo partido é uma ocasião bastante mundana nas democracias (não em ditaduras, onde os partidos governantes celebram sua fundação com muita pompa e grandeza), mas para Lapid continua sendo uma questão de grande significado.
Em um post emocionado e cheio de temperos no Facebook, ele relembrou o dia importante de 10 anos atrás, em que informou sua família que estava prestes a dar o mergulho, e escreveu longamente sobre tudo o que havia acontecido com ele e seus apoiadores desde então.
É fácil tirar sarro da celebração auto-reverencial de Lapid, mas a verdade é que esta não é destinada aos especialistas políticos. O protocolo israelense determina que os ministros se abstenham de fazer aparições públicas ou declarações durante o Shabat, mas este não era Lapid falando como ministro das Relações Exteriores ou primeiro-ministro alternativo. Ele poderia, é claro, ter esperado até a noite, após o término do Shabat, mas esta foi uma comunicação pessoal dele para os fiéis do partido, sua família estendida. E a manhã do Shabat – para as pessoas seculares, urbanas e de classe média que constituem o eleitorado central de Yesh Atid – é tempo para a família. Este era exatamente o momento certo para chegar até eles. Aos amigos e familiares.
Mas na verdade, o 10º aniversário de Yesh Atid é uma ocasião importante – e não apenas para os apoiadores duros de Lapid. É um marco na política israelense onde o meio de campo está repleto de túmulos improvisados de partidos centristas que dispararam numa eleição em meio a previsões de que seriam o divisor de águas quebrando a divisão direita-esquerda, apenas para ter seus novos legisladores caindo juntos no Knesset seguinte e, em seguida, perdendo a simpatia do público – e rapidamente desaparecendo na próxima eleição.
Dash (o Movimento Democrático pela Mudança), Kadima e Kulanu são apenas três exemplos importantes. E houve o Shinui [Mudança], o partido secular que existiu em várias versões menores desde a década de 1970 e, de repente, sob a liderança de Yosef Lapid (pai de Yair Lapid), saltou para os primeiros seis e depois 15 deputados nas eleições de 1999 e 2003, apenas para ser despedaçado por lutas internas e desaparecer em 2006.
O Shinui foi o precursor de Yesh Atid. Nos seis anos seguintes à sua implosão, Lapid Jr. estudou de perto os erros de seu pai, bem como os de outros partidos centristas. Sua principal lição foi que se ele queria que seu próprio partido sobrevivesse, precisaria permanecer no controle exclusivo de suas instituições e da chapa de candidatos. A outra lição foi que, embora, como centristas, eles devessem apelar para os eleitores tradicionais de ambos os partidos, de esquerda e de direita, o Likud é muito mais difícil de quebrar. Seus membros são ferozmente tribais e leais aos seus líderes. Lapid ainda sonha em conquistá-los, mas seu partido teria que ser construído de eleitores de esquerda.
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Na década passada, ele se agarrou firmemente a esses princípios. Enquanto se apresentava como o democrata consumado, seu domínio absoluto sobre o aparato partidário colocaria a dinastia Kim da Coreia do Norte em vergonha. Ninguém no partido é tão proeminente para ameaçar sua posição uma vez que ficariam grandes demais para suas botas. Isso inclui o ex-chefe do serviço de segurança Shin Bet Jacob Perry, o ex-ministro da Educação Shay Piron e até mesmo o colaborador mais próximo de Lapid e principal executor do partido, Ofer Shelah. Todos se viram desempregados.
A saída de Shelah foi particularmente pungente. Ele foi forçado a sair no final de 2020, depois de ousar exigir que o partido realizasse primárias de liderança. Lapid aceitou a ideia, mas só depois que Shelah se foi. Até então, a mensagem era clara e ninguém estava contra ele.
Com a estabilidade do partido e sua primazia garantida, Lapid se viu livre para atingir seu público-alvo, com campanhas e mensagens rigorosamente controladas pelo marketeiro político democrata americano Mark Mellman.
Lapid ainda não tornou o Yesh Atid o maior partido de Israel, e enquanto Benjamin Netanyahu continuar sendo o líder do Likud, é improvável que o faça. Mas, nesses 10 anos, ele se aproveitou da sucessão de líderes trabalhistas fracos e impopulares para relegar permanentemente a um número de um dígito de parlamentares o partido Trabalhista [Avodá] que fundara e governara Israel por metade de sua existência.
Os atuais líderes do Avodá admitem, em particular, que não vêem um caminho de volta para o partido enquanto Lapid permanecer no local. E ele não mostra nenhum sinal de ir a lugar algum, o que sua celebração de 10 anos deixa bem claro.
O Yesh Atid confundiu muitos críticos de Lapid, ao se tornar um elemento no cenário político e, com exceção de Shas [partido religioso sefaradi], que foi fundado em 1983, é agora o partido mais antigo do Knesset sem raízes na era pré-Estado.
Este sobrevivência foi ainda mais notável quando o Yesh Atid atravessou sua fusão com o Kachol Lavan [Azul e Branco] de Benny Gantz no início de 2019. Na época, parecia que Lapid não tinha escolha a não ser sacrificar seu partido e as ambições pessoais para permitir a Gantz uma corrida clara para derrubar Netanyahu. De estrela principal do seu próprio partido, ele foi deslocado para apoiar um elenco de três generais seniores (Gantz e os outros ex-chefes do Estado-Maior do EDI Moshe Ya’alon e Gabi Ashkenazi), em cuja presença ele muitas vezes parecia um simples sargento.
Mas quando o general Benny Gantz vacilou 18 meses depois, e se coligou a Netanyahu, Lapid se recusou a capitular e emergiu como líder da oposição, com seu próprio partido ainda coeso ao seu redor.
Desde aquele dia, em março de 2020, quando se recusou a ir junto com Gantz, Lapid não deu nenhum passo errado. Depois de esperar o seu tempo até o inevitável fracasso da coalizão governista Netanyahu-Gantz, ele fez uma campanha eleitoral imaculada, restabelecendo Yesh Atid como o segundo maior partido, mas não pressionando muito os outros partidos da oposição, de forma que todos eles cruzassem o limite eleitoral e não desperdiçassem votos. Então, ao longo de quase três meses trabalhosos, ele pacientemente construiu a coalizão impossível de partidos – de direita, centristas, islâmicos e de esquerda – que só se tornou possíveis através de sua renúncia ao cargo de primeiro-ministro, na primeira metade do mandato, para Naftali Bennett [líder do partido nanico Yemina – de extrema-direita].
Mas não é apenas sua sofisticação política. Algo também parece ter mudado na personalidade de Lapid durante este período. A triste saga com Gantz lhe ensinou uma valiosa lição de humildade, e com ela veio um novo sentido de gravitas transformando o diletante em um adulto responsável.
Isto será suficiente para manter Yesh Atid na estrada por mais uma década?
Lapid está agora no limiar do gabinete de primeiro-ministro. Se a coalizão que ele construiu ficar unida por mais 19 meses, ele está programado para substituir Bennett em 27 de agosto de 2023. Mas isso não é mais suficiente. Lapid pode estar a caminho de se tornar o 14º presidente de Israel no ano seguinte, mas quando ele entrar no cargo o Knesset já estará em contagem regressiva para a próxima eleição em 2025. Os rivais de Lapid estarão ansiosos para dar a ele um período o mais curto possível para se estabelecer como um líder confiável a longo prazo.
E ele ainda não adquiriu esse status. Nenhuma das pesquisas realizadas desde a última eleição deu ao Yesh Atid mais de 20 assentos no próximo Knesset. Lapid está agora no auge de sua popularidade, mas apenas cerca de 25% dos israelenses acham que ele é um candidato melhor para primeiro-ministro do que Netanyahu.
Ainda assim, Lapid ganhou seu bolo neste fim de semana. Há dez anos, ele fundou um partido do nada e está preso a ele desde então, construindo uma base estável e leal que suplantou o Avodá no centro político. Mas apesar de ser o homem que finalmente derrubou Netanyahu, ele não conseguiu expandir sua base para além de seu coração dos subúrbios de Classe Média de Tel Aviv.
Ele não tem pressa. Sabe que a única coisa que pode fazer para quebrar essa barreira é se provar um primeiro-ministro responsável, e ele não pode começar a fazer isso antes de agosto de 2023. É por isso que ele está dando a Bennett o máximo de espaço possível, concentrando-se em seu papel como ministro das Relações Exteriores. Mas em particular, com seus aliados mais próvimos (a maioria dos quais estiveram com ele ao longo dos últimos 10 anos), ele está se preparando para o primeiro dia do seu maior teste até agora.
[ por Anshel Pfeiffer | Haaretz | 09|01|2022 | traduzido pelo PAZ AGORA|BR | www.pazagora.org ]