Muitos judeus chilenos, talvez a maioria, não votaram em Gabriel Boric, o candidato presidencial de esquerda de 35 anos que venceu a eleição de domingo. Eles estavam profundamente preocupados com sua hostilidade a Israel e seus laços com o Partido Comunista.
Mas, depois de tirar um dia para processar os resultados, muitos pareciam prontos para dar ao ex-líder de protestos estudantis o benefício da dúvida, e seguir em frente.
Gerardo Gorodischer, presidente da comunidade judaica local, diz que ficou estimulado pelo discurso de vitória de Boric, descrevendo-o como “aberto e inclusivo”. “Pareceu acalmar muitos dos que estavam um pouco ansiosos e preocupados com ele”, disse por telefone de sua casa na capital, Santiago. “Então, vamos esperar para ver”.
Os judeus do Chile, observa Gordischer, estavam se sentindo muito mais nervosos há seis meses quando Daniel Jadue, líder do Partido Comunista acusado de antissemitismo , parecia estar em primeiro lugar. Na época, muitos judeus estavam falando em deixar o país.
Mas esse não é o caso hoje, de acordo com Gorodischer. “As pessoas não têm pressa em se mover”, diz ele, observando que o parlamento chileno está quase dividido igualmente entre a direita e a esquerda após as eleições do mês passado, o que significa que Boric está limitado no que pode empurrar o país em uma nova direção.
“Já nos reunimos com membros de sua equipe em um esforço para abrir canais de comunicação com a comunidade judaica, e espero que isso continue”, diz Gorodischer.
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Boric é conhecido por descrever Israel como um estado “genocida” e “assassino”, levantando profundas preocupações na comunidade judaica majoritariamente sionista. Ele também exigiu que a comunidade judaica denunciasse publicamente Israel por suas políticas sobre os palestinos.
Melhor do que a extrema-direita
Contrariando as projeções de uma corrida cabaça-a-cabeça, Boric bateu José Antonio Kast, o competidor de extrema-direita no domingo, por 12 pontos. Um populista que se opõe ao aborto e aos direitos LGBTQ e foi acusado de xenofobia, Kast foi considerado muito amigável com Israel. Como resultado, muitos judeus estavam dispostos a ignorar suas conexões familiares com o notório regime Pinochet e possivelmente até mesmo com o partido nazista alemão do passado e votar nele.
Yonathan Nowogrodski, ex-presidente da Federação Sionista no Chile, estima que apenas cerca de metade dos 18.000 judeus no país latino-americano fazem parte da comunidade judaica estabelecida, sobre a qual é razoável supor que a maioria votou em Kast. Quanto aos judeus não filiados, que tendem a ser mais jovens, especulou que a maioria apoiava o candidato vencedor.
Nowogrodski, que se descreve como um “judeu sionista de centro-esquerda”, não votou. Neto de um comunista que foi forçado ao exílio durante o regime de Pinochet, o engenheiro de 43 anos diz que não poderia votar em Kast.
Ao mesmo tempo, ele tinha profundas preocupações sobre o que descreveu como o “histórico de Boric de bater em Israel”. O presidente eleito do Chile, observa, assinou uma carta apoiando um boicote às importações de assentamentos da Cisjordânia. “Não é que eu apoie os assentamentos”, diz ele. “Eu definitivamente não apóio, mas se você quer defender os direitos humanos, tem que fazê-lo em todo o mundo – não apenas em uma parte dele”..
Ainda assim, dos dois candidatos, Nowogrodski acredita que Boric, que será o presidente mais jovem do Chile, é o mais adequado para governar.
Tamara Benquis, advogada do serviço público que defende os direitos das crianças, votou no candidato de esquerda sem qualquer remorso. Ela diz que sua vitória a fez se sentir muito mais calma.
“Se o candidato da extrema direita vencesse, teria significado um grande revés para os direitos humanos, os direitos das mulheres e os direitos das minorias sexuais neste país”, diz Benquis, 29, que atua em vários grupos judeus progressistas no Chile, era membro da Federação de Estudantes Judeus e trabalhou para o movimento juvenil sionista de esquerda Hashomer Hatzair.
Ela votou em Boric porque os valores progressistas que ele representa estão mais alinhados com os seus, diz ela, e embora ela tivesse preocupações sobre suas posições sobre Israel, seus medos foram aliviadas graças a uma oportunidade muito incomum.
Em abril, Benquis deixou claro que ela estava interessada em se juntar à festa de Boric. Quando os gerentes de campanha descobriram, perguntaram se podiam filmar um vídeo dele visitando a casa dela e a inscreveram. E foi assim que esta jovem advogada judia se viu hospedando o futuro presidente do Chile em seu pequeno apartamento. Boa parte de sua conversa se concentrou na experiência judaica no Chile e em Israel, diz ela.
De acordo com Benquis, Boric a impressionou como alguém que “respeita todas as religiões, incluindo o judaísmo”, e acredita na autodeterminação tanto para os judeus quanto para os palestinos, bem como no direito de Israel de existir. A conversa fortaleceu ainda mais sua determinação em votar nele, diz ela.
Um Chile Nórdico?
Gabriel Zaliasnik, advogado e membro proeminente da comunidade judaica, não fez segredo de que pretendia votar em Kast – não tanto por grande amor ao candidato populista, mas por seu desgosto com a retórica anti-Israel de Boric.
Um dia após a eleição, ele mudou de rumo. Respondendo aos ataques da direita ao presidente eleito do Chile, Zaliasnik tuitou: “Minhas diferenças com Gabriel Boric são públicas, mas seria errado chamá-lo de antissionista. Ele tem criticado as ações de Israel, mas até onde eu sei, ele não nega sua existência ou o direito do povo judeu à autodeterminação. Então, vamos ter cuidado.”
Zaliasnik, que já chefiou a comunidade judaica, observa que Boric expressou sua determinação em aprender mais sobre questões que ele não está familiarizado. “A história de Israel e do povo judeu é definitivamente uma delas”, diz Zaliasnik. “Se ele mantiver sua palavra, podemos esperar que a posição do Chile sobre o conflito no Oriente Médio seja justa.”
Entre os partidários judeus de Kast, David Jankelevich era uma raça rara: ele votou no populista de extrema-direita sem qualquer escrúpulo. Na verdade, Jankelevich, que serviu por três mandatos consecutivos como membro do conselho em Las Condes, uma parte rica de Santiago, descreve-se como amigo próximo do candidato derrotado.
“Isso definitivamente não é uma boa notícia para os judeus do Chile”, diz ele sobre a vitória de Boric. Ainda assim, Jankelevich diz que vai esperar seis meses antes de fazer qualquer movimento. E se seus piores medos forem realizados, “Posso me juntar ao meu filho mais velho, que mora em Barcelona.”
[ por Judy Malz | Haaretz | 21|12|2021 | traduzido pelo PAZ AGORA|BR ]
A VIDA, APESAR DE TUDO
[ por Miguel Lawner | Facebook | Santiago | 20|12|21 | traduzido pelo PAZ AGORA|BR ]
Finalmente ganhamos. Boric venceu com folga. Ganhou a esperança e a fé em um futuro melhor para todos. O amor venceu a morte.
Que campanha tão bonita e criativa! Surgiram danças, pinturas nas ruas, concertos ao ar livre, canções, récitas de poesia, cabildos e múltiplas iniciativas coletivas o pessoais. Ademais, as redes sociais trasmitiram, dia e noite, imagens originais sintetizando nossas propostas.
O programa de governo se foi configurando em agrupamentos de profissionais transmitindo suas propostas através de redes sociais e cotejando-as com agrupamentos sociais. Nos, os arquitetos, congregamos dezenas de organizações de acampamentos, cooperativas ou comitês de habitação, configurando um programa de doze pontos resumindo as demandas, que o candidato subscreveu em ato solene, celebrado num anfiteatro de San Joaquín.
Ao se inteirar do resultado do primeiro turno, que deu por ganhador um fascista declarado, o mundo inteiro ficou estupefato, ante a possibilidade de que o povo chileno pudesse novamente ser vítima do terror e do desconhecimento das conquistas alcançadas em matéria de direitos humanos, de paridade de gênero, de diversidade sexual, direitos da mulher e dos nossos povos originários.
Se multiplicaram mensagens provenientes do estrangeiro em respaldo à candidatura de Boric, enviadas por figuras eminentes da arte, da ciência e da cultura de todo o mundo.
Surgiram algumas iniciativas inovadoras. A doutora Iskia Siches, uma das figuras públicas mais respeitadas do nosso país, percorreu em 15 dias boa parte do nosso território a bordo de um ônibus, que ia parando em pequenas e grandes localidades, para entregar a mensagem do futuro levantado por Boric.
A deputada Karol Cariola, realizou uma iniciativa similar, detendo-se para dialogar em ruas de cidades e povoados, chamada ‘batendo em um milhão de portas’.
Nossos adversários só venderam o ódio e o terror. Jogaram tda a sujeira que se pode jogar numa disputa. Utilizaram sistemáticamente a mentira e a calúnia. Inundaram as redes sociais com acusações e ameaças. Não vacilaram em insultar uma ex-companheira do nosso candidato.
Finalmente, no dia da eleições, sabedores das pesquisas que os davam como perdedores, recolheram os ônibus, único meio de transporte coletivo nos bairros populares de Santiago, Valparaíso e Concepción, a fim de impedir que os eleitores chegassem ao seu lugar de votação.
Não foi problema. Milhares de companheiros puseram seus autos à disposição, indo às zonas afetadas. Cada viagem se constituiu num diálogo fértil, entre pessoas desconhecidas, que terminou persuadindo algum eleitor ainda indeciso.
Há um dito popular que resume muito bem o ocorrido: o tiro deles saiu pela culatra.
Nosso candidato cresceu como ser humano e como político. Portou-se magistralmente nos debates televisivos e nas intervenções realizadas durante os atos públicos. A concentração final, efetuada de noite após se conhecer o resultado eleitoral, reuniu dezenas de milhares de pessoas que, com toda legitimidade, abriram a largas alamedas. como antecipou Salvador Allende, em sua mensagem derradeira.
O discurso de Boric foi uma peça séria, sem alardes triunfalistas, convocando a consolidar a unidade social e política configurada nesta contenda eleitoral. Sua vitória, assegura a existência de um mandatário com pleno respaldo à Convenção Constitucional. Agora temos a certeza: haverá uma nota Carta Magna para o Chile.
Após a alegria da vitória, temos o compromisso de materializar as aspirações de construir un país integrado socialmente, respeitoso de nossos direitos sociais, culturais e político, assim como dos nossos valores ambientais.
Michel Lawner, chileno, recebeu o Prêmio Nacional da Arquitetura, é filho de imigrantes judeus.
[ por Miguel Lawner | Facebook | Santiago, 20|12|2021 | traduzido pelo PAZ AGORA|BR ]