Mesmo 20 anos defendendo ativistas pela paz e palestinos não conseguiram preparar a nova deputada do Meretz, Gaby Lasky, para a frustração que a toma ou a contenção que precisa mostrar como membra da coalizão mais estranha de História de Israel.
[ Entrevista de Gaby Lasky por Shany Littman | 04|11|2021 | Haaretz | traduzida por Moisés Storch para o PAZ AGORA|BR e o J-AmLat ]
Recebi um telefonema, no fim do mês passado, da deputada do Knesset Gaby Lasky. “Esqueça tudo que eu falei”, ela disse, referindo-se a duas conversas extensas que tivemos duas semanas atrás, para fazer este artigo. “Nada daquilo é mais relevante”.
Naquelas discussões, ela tinha sido cuidadosa para projetar uma sensação de otimismo cauteloso, e determinação (do tipo ingênuo. eu talvez adicionaria), que ela não seria forçada a sacrificar seus princípios em prol de manter unida a ampla coalizão de governo, da qual seu partido Meretz é parte. Agora, suas esperanças foram riscadas quando o Ministro da Defesa Benny Gantz declarou como grupos terroristas seis organizações palestinas de Direitos Humanos e da Sociedade Civil na Cisjordânia, abrindo assim a porta para confiscar seus ativos e fechá-las.
“Estou terrivelmente perturbada”, confessou Lasky, acrescentando que o fato a tinha tomado totalmente de surpresa. “Eu sou muito familiarizada com o trabalho das organizações legais [entre as 6] – Al-Haq, Addameer e Defense for Children International-Palestine”, disse ela. [Os outros grupos eram o Bisan Research e Advocacy Center, a Union of Palestinian Women’s Committees e a Union of Agricultural Work Committees].
“Elas são organizações respeitadas que ganharam muito crédito internacional. Como Israel planeja continuar a ser percebido como uma Ocupação “iluminada”, um país democrático, se retiramos o mínimo requerido para manter a percepção de um sistema legal justo? A tentativa de transformar a guerra contra a Ocupação em terrorismo é algo inaceitável. É pura perseguição”.
Por quanto tempo pode o Meretz resistir numa coalizão que toma decisões como essa?
“Eu realmente não sei. A existência deste governo é importante, mas ela não pode se dar às custas de Direitos Humanos, e às custas da opção da Solução de Dois Estados. Se este governo apenas mantiver políticas de extrema-direita, não sei se isto pode continuar. Neste caso, foi cruzada uma linha. Fiquei contente que o [líder do partido Meretz] Nitzan Horowitz requereu uma reunião com Gantz e que a [ministra da proteção ambiental, do Meretz] Tamar Zandberg falou energicamente contra isso, Mas declarações não são o suficiente”.
“… Se a agenda oculta dos partidos de direita é fazer realizações para que possa mais tarde se unir a um governo exclusivamente de direita, quando Netanyahu deixar de ser autorizado a ser primeiro-ministro, não estaremos ali para dar a mão”
Exército protege colonos ilegais
Há três semanas, poder-se-ia dizer que Lasky estava vivendo num sonho, ou pelo menos que ela não tinha ainda compreendido a realidade política em que se tinha metido quando foi eleita para o Knesset em março.
Tome, por exemplo, uma sexta feira no final de setembro, nas Colinas ao Sul de Hebron, na Cisjordânia. A cena era um ônibus carregando várias dezenas de mulheres do grupo Mothers against Violence, que teve sua origem nas manifestações diante da residência oficial do Primeiro-Ministro em Jerusalém, enquanto Benjamin Netanyahu ocupava o cargo, O ônibus estava subindo uma estrada estreita em direção ao posto avançado ilegal [outpost] de Mitzpe Yair.
Perto da entrada para o outpost, um dos colonos havia posicionado seu carro atravessado, bloqueando o caminho do ônibus, Os organizadores da viagem, do grupo anti-ocupação Breaking the Silence, saíram do ônibus para pedir ao colono que movesse seu carro. Ele recusou.
Muitos minutos depois, vários policiais chegaram e começaram a anotar os detalhes pessoais dos passageiros do ônibus. Enquanto isto, o carro continuou onde estava. Então, o comandante do batalhão do exército da área, apareceu e declarou a área como zona militar fechada – tudo isto para evitar que um grupo de mulheres de meia idade equipadas com roupas coloridas e guarda-chuvas combinando, visitassem um local que supostamente deveria ser um cume rochoso e deserto.
Durante todo este tempo, a deputada Gaby Lasky ficou no ônibus, aguardando pacientemente pela conclusão do incidente e que o ônibus continuasse seu trajeto. Após algum tempo, ela se tocou que agora era uma autoridade legal que poderia ser capaz de alterar eventos como esse. Ela desceu do ônibus e se apresentou aos representantes do exército como membra do Knesset. Eles inicialmente ficaram confusos, mas rapidamente perceberam que havia um conjunto de procedimentos para tais situações.
Lasky recebeu permissão para fazer um “tour” pelo outpost, sozinha, enquanto o ônibus e os outros passageiros aguardavam perto de um bloqueio improvisado, Ela fez um passeio simbólico em torno do cume da colina, cercada por uns doze soldados e aí, após uns 10 minutos, voltou ao ônibus. Quando tudo foi dito e feito, porém, o objetivo da saída não tinha sido tirar uma impressão da paisagem em Mitzpe Yair.
A parada seguinte da excursão foi o vilarejo palestino de Khirbet al-Mufkara. Dois dias antes, no feriado de Simchat Torá, o vilarejo tinha sido atacado por colonos, que feriram seis pessoas, uma delas um menino de 3 anos. E causaram muitos prejuízos materiais. Ali, Lasky recolheu cápsulas de gás lacrimogênio e cartuchos de balas.
“Vou fazer um show para o comitê”, brincou, como se tivesse posto suas mãos sobre documentos do Irã sobre aquele programa nuclear do país, como aqueles que Netanyahu tinha usado como propaganda numa apresentação para a ONU em 2018.
Lasky estava se referindo a uma audiência do Comitê Parlamentar para Assuntos Externos e Defesa, que estava agendada para tratar do nível crescente da violência dos colonos contra aldeias palestinas, na porção da Cisjordânia sob controle total de Israel. A audiência se realizou duas semanas depois, em 12|10. Lasky, que é uma membra rotativa do Comitê, estava participando pela primeira vez e entrou na sessão com grandes expectativas. Mas a audiência foi uma grande frustração para ela, e como retrospectiva pode ser vista como um presságio para o futuro.
O presidente do Comitê, Ram Ben Barak (Yesh Atid), recusou permitir qualquer discussão relativa a eficácia das forças de segurança de Israel, face à violência de parte dos colonos judeus. Por outro lado, deputados do partido de ultra-direita “Sionismo Religioso”, como Itamar Ben-Gvir, Orit Strock e o líder do partido Bezalel Smotrich, se permitiram interromper e gritar o tempo todo.
Os cartuchos que Lasky recolhera ficaram na sua bolsa e não foram apresentados ao Comitê como planejado. Face aos deputados “Sionistas Religiosos” , que habilmente jogavam coisas para cima durante a sessão, que foi transformada numa cacofonia de gritos e acusações, os indícios colhidos em campo perderam sua relevância.
Esses foram momentos difíceis para Lasky por duas razões. Refletiam a transição que ela fizera, do campo para os quartéis, como ela coloca, Ela deixou de ser a advogada de direitos humanos e a primeira pessoa que quase todo ativista pela paz chamaria, caso fosse preso numa manifestação – assim como palestinos presos em confrontos com colonos – para ser uma membra do Parlamento.
É uma transição que ela esperava fazer e que finalmente chegou, após várias campanhas eleitorais como candidata do Meretz. Para a eleição mais recente em março, foi colocada em 8º lugar nas primárias do partido, e novamente se viu sem a cadeira no Knesset. Mas quando o Meretz entrou no governo, a lei permitindo membros do gabinete renunciar às suas cadeiras liberou aquelas ocupadas por Horowitz, Zandberg e Esawi Freige [nomeados ministros], abrindo a vaga para Lasky.
Mas agora que finalmente aconteceu, ela também entende que está pagando um preço bem alto por sua mudança de status. “Eu fui uma advogada de direitos humanos por mais de 20 anos. É parte da minha identidade”, diz Lasky, 54. “Agora sou uma deputada do Knesset que está lidando com direitos humanos, mas não é a mesma coisa. Não é apenas uma mudança dos meios usados, mas também de percepção. Eu achava que em vez de lidar com casos individuais, através do Knesset seria possível mudar leis e políticas, por dentro, Não parece ser tão simples”.
A segunda razão pela qual Lasky está tendo dificuldade em ajustar seu status como deputada do Knesset da coalizão é que os assuntos em que está envolvida e que a interessam são também os objetos mais controversos. E é difícil não ter a sensação de que o gelo em que pisa é muito fino.
Há alguns meses, ela chegou perto de um colapso pela primeira vez. Em uma das longas reuniões noturnas antes do recesso de verão do Knesset, ela irrompeu do plenário durante uma votação. Isto foi depois de ter fornecido ao ministério da Segurança Pública e à Administração Civil da Cisjordânia fotografias mostrando a construção de uma cerca fechando o acesso à única fonte de água que os pastores palestinos no norte do Vale do Jordão dispunham para seus rebanhos.
“Eu mostrei as fotos, mas nada foi feito. E quando os palestinos protestavam, jogavam gás lacrimogênio neles, Não deixaram passar uma ambulância e prenderam um dos manifestantes. Foi demais para mim, então deixei o plenário”,
Você não teve medo de que sua ausência pudesse levar à derrota de uma lei da coalizão?
“Eu estava no meu limite. Não contei quantos membros da coalizão estavam presentes. Por sorte, nenhuma lei caiu por minha causa, Tendo a ficar nervosa bem rápido e depois acalmo”.
Saudades de Aloni e Sarid
Lasky vive em Tel Aviv-Jaffa com sua parceira, Tamir Ben Dov, É mãe de 2 gêmeos de 12 anos. Nasceu em Mexico City, seus avós imigraram da Europa Oriental antes da 2ª Guerra Mundial. Durante o secundário, estudou numa Escola Judaica que enviava seus melhores alunos para 6 meses de estudos em Israel. Lasky era uma sionista ardorosa, chegou em Israel e foi acolhida na escola de uma comunidade juvenil em Kfar Silver. Decidiu ficar.
Sua mãe e uma irmã a seguiram. Seu pai e outra irmã estão em Mexico City até hoje. No 11º grau, foi transferida para o Gymnasia Ha’ivrit no bairro Rehavia de Jerusalém. Aí descobriu que suas idéias eram de esquerda, tanto do ponto de vista socioeconômico quanto com relação ao conflito com os palestinos.
E você sentiu que havia um conflito entre suas idéias sionistas e as esquerdistas?
“Fiquei surpresa pela extensão da violação de direitos humanos pela Ocupação. Também tive problemas para entender questões como a falta de separação entre religião e Estado. O México é um país muito cristão, mas os casamentos oficiais são os civis. Tive muitos questionamentos sobre como alinhar a democracia com a Ocupação e como alinhar a coerção religiosa com direitos civis”.
Lasky encontrou as respostas no Movimento pelos Direitos Civis e Paz, um partido político conhecido em hebraico naquele tempo como Ratz. Filiou-se ao partido no seu primeiro dia como estudante na Universidade de Tel Aviv, em 1989. O partido se fundiu ao Mapam e ao Shinui , criando-se o Meretz,
Depois que um novo governo foi formado por Yitzhak Rabin em 1992, Lasky tornou-se assessora parlamentar de David (Dedi) Zucker. Foi bastante próxima da presidente do Meretz na época, a legendária Shulamit Aloni, que também era uma lutadora por direitos humanos.
Depois também se tornou próxima do sucessor de Aloni na liderança do partido, Yossi Sarid. Lasky diz sentir muia falta de Aloni e Sarid, que faleceram em 2014 e 2015. “Eles eram uma bússola e uma referência”. Sou deputada do Knesset há mais de cem dias, estudando muito intensivamente. E na minha cabeça, os dois estão sentados atrás de mim, continuando a me indicar a direção. É uma responsabilidade pesada”.
Aloni e Sarid teriam entrado num governo com Naftali Bennett e Ayelet Shaked?
“É uma pergunta que faço o tempo todo. Eles entraram num governo com o Shas [partido ultra-ortodoxo, em 1992], o que não foi a mesma coisa. A situação política então era que o Partido Trabalhista [Avodá] tinha 42 cadeiras e o Meretz tinha 12. Hoje estamos depois de 15 anos de governos de Netanyahu, quando a alternativa, caso o Meretz não entrasse no governo, seria o estabelecimento de um governo de direita, ultra-ortodoxo, Kahanista, messiânico.
Estamos numa posição complicada, O papel do Meretz é relembrar constantemente o povo de que a solução com os palestinos está aí e que precisamos lutar por ela. E não fazer ações que possam inviabilizá-la no futuro, como construir em E1 [área na Cisjordânia entre Jerusalém e Ma’alê Adumim] ou adensar assentamentos. E ao mesmo tempo, temos que evitar os sérios danos impingidos dioturnamente sobre os palestinos nos territórios”,
Você já se encontrou com o Primeiro Ministro Bennett?
“Na noite difícil do voto sobre a Lei da Cidadania [relativa aos direitos de reunificação de famílias palestinas] ele convidou nossa bancada ao seu escritório, Nos disse que seu pai, que veio de San Francisco, participou de manifestações por direitos civis na América dos anos ‘1960 contra desigualdade dos negros. Ele quis dizer com isso que entende como isso é importante para nós e de onde viemos ideologicamente,
Ele entendeu que a situação estava difícil para nós. Cinco meses atrás, ninguém imaginava que estaríamos sentados neste governo. É uma constelação que seria difícil imaginar. Então procuramos o que temos em comum, onde podemos de fato trabalhar juntos. Existem concessões e elas tem um preço alto”
Não vi o primeiro-ministro dizer nada sobre Khirbet al-Mufkara...
“Verdade. É frustrante que o primeiro ministro, assim como o ministro da defesa, não tenham condenado claramente aquele pogrom, e a violência dos colonos em geral. Esta é a estação de colheita das azeitonas e, até aqui, houve dúzias de relatórios sobre ataques às colheitas. Não são apenas eles que não estão dizendo nada, E também não há nenhum esforço para reprimir os ataques dos colonos”.
Não te preocupa que você possa legitimizar práticas detestáveis, ao sentar nesta coalizão?
“Somos uma nação no pós-trauma. Após anos de incitamento e um esforço para nos chamar [à esquerda] de traidores, de fazer de nós uma exceção, de repente existe um governo no qual não é aceitável incitar. Há diferenças ideológicas muito claras e não as descartamos, mas se tornam discursos legítimos no qual nossas posições são discutidas, Se não estivéssemos dentro, tudo se tornaria pior, do ponto de vista da Ocupação, do ponto de vista econômico e também do ponto de vista dos direitos humanos.
Na cerimônia memorial de Rabin, no Monte Herzl, uma grande parte da platéia me dizia: ‘Aguente firme!’
Nem todos da esquerda gostam do fato de vocês se terem unido a este governo...
“Há críticas a isso. É claro. Há pessoas precisando de ajuda, principalmente nos Territórios. E estou tentando, sem sucesso. Então há gente frustrada. Em alguns casos, acho que estão certos. Ou quando a coalizão traz um projeto de lei não democrático, como a proposta de pemitir buscas em casas [dentro do próprio Israel soberano], sem garantias, então prejudicamos a confiança daqueles que lutaram por nós para ter um governo de mudança”.
Lasky continua: “Com todas as dificuldades, queremos que esta coalizão dure pelo menos este mandato. Então, neste momento, precisamos ao menos criar a possibilidade de sustentá-la e não procurar o que possa estragar as coisas. Todos têm sensibilidades e as coisas que desejariam promover neste governo, mas elas não acontecerão, por causa da composição da coalizão. Existe uma chance de que Ayelet Shaked [ministra do Interior, do partido Yamina de Bennett] desejaria promover o projeto sobre uma Lei Básica [de força constitucional] do deputado [racista, do ‘Sionismo Religioso’] Simcha Rothman, relativa à questão de imigração. Isto também não irá acontecer”.
Enquanto isto, Shaked negou a concessão de status de refugiados a requerentes de asilo, apesar do fato de o comitê do ministério do Interior ter considerou o pedido justificado.
“Essas coisas são contrárias à essência do Estado de Israel, que foi criado para ser um paraíso para os oprimidos. O comitê que tem o poder para aprovar requerimentos de asilo muito raramente os aprova… Foi também um grave erro não dar a um grupo de ciclistas afegãs um status temporário em Israel para fins de trânsito, até que pudessem ser aceitos como refugiados no Canadá. De outra forma, seu destino seria viver sob o regime do Taliban. Isso é cruel e fere a posição [internacional] de Israel. Não consigo apresentar qualquer explicação razoável ou ética para tal decisão”.
Você já se encontrou com a ministra do Interior Shaked?
“Não. Mas gostaria de sentar com ela. Gostaria de lhe falar sobre os refugiados. Falar sobre meus avos, que vieram ao México, um país totalmente estranho, e que foram recebidos com a chance de desenvolver vidas independentes e que não eram um fardo para o país. Eu também gostaria de conversar com ela sobre o que a diversidade culltural faz para um país e uma sociedade. Ela se provou ser uma mulher de ação”.
Em contraste com as dificuldades com Shaked, Lasky desenvolveu uma conexão próxima e positiva e relações de trabalho conjunto com a colega de Shaked no partido Yamina, Idit Silman.
“Ela é uma das pessoas que mais admiro no Knesset, e cooperamos em muitos assuntos. Ela é muito minuciosa, objetiva e respeitosa. Numa coalizão tão complexa e complicada, ela tem o papel de ser a cola entre todos e de entender as dificuldades”.
Outra conexão surpreendente que Lasky forjou foi com o Moshe Arbel, deputado do Shas. “Ele pode ser o único deputado hoje que lida com direitos de prisioneiros e detidos e que visita prisões. Eu não o conhecia antes. Introduzimos conjuntamente legislação no Comitê Ministerial de Legislação para encurtar o período máximo de detenção até o final dos procedimentos legais nos tribunais”.
Do ponto de vista de Lasky, há uma correlação direta entre a atitude do Estado relativa a procedimentos criminais e as condições de detenção dos prisioneiros, por um lado, e a qualidade de sua democracia. “Em muitas sociedades pelo mundo, assim como na sociedade israelense, já faz muito tempo desde que fizemos uma conta sobre o que as punições objetivam alcançar. As prisões são mais humanas do que a punição corporal costumava ser, mas elas põem todos detidos e prisioneiros atrás de um muro, e eles se tornam invisíveis e párias. Precisamos pensar qual é o nosso objetivo hoje ao banir essas pessoas da sociedade”.
Ela é ciente da dificuldade do Meretz em atrair votos entre segmentos fracos da sociedade, mas insiste que esta não é uma consideração para ela, e que não a dissuadiria de lidar com as questões.
Lasky sabe que seus esforços pelos prisioneiros, assim como seu trabalho para retardar o despejo dos moradores de Givat Amal (bairro de Tel Aviv) e seus esforços no setor de habitação popular não irão gerar muitos votos para o Meretz na próxima eleição.
O Meretz também não conseguiu se livrar da imagem carimbada como partido de Ashkenazim (oriundos da Europa Oriental) privilegiados. Quando Mizrachim (oriundos de países árabes) tentaram concorrer à sua liderança, foram empurrados para fora.
“Toda esquerda precisa se perguntar como foi criada esta desconexão, e o que fazer a respeito. Se não tivermos a conexão no terreno com as comunidades, com aqueles na periferia do país e nas cidades em desenvolvimento, a representação do Knesset perde o significado. Precisamos também atingir as próprias pessoas e torná-las parte de nós, para trabalharmos juntos nas questões. No longo prazo, isso tem maior influência que a legislação”.
É importante para você que Israel tenha uma maioria judía?
“Em minha opinião, não há razão para que a Lei Estado Nação, por exemplo, não possa dizer em seu início que este não é apenas o Estado dos judeus, mas também um Estado de todas as minorias que nele vivem. A insegurança de parcelas da população ou parte da liderança, com respeito a receber os refugiados ou à unificação de famílias [de palestinos moradores nos Territórios com familiares que são cidadãos] mostra um problema de identidade que emana do racismo e também não se enquadra com suas perspectivas messiânicas-anexionistas. Afinal, o que eles querem é anexar os Territórios e por para dentro milhões de palestinos”.
Após ter representado jovens palestinos na corte militar, incluindo Ahed Tamimi, a adolescente que foi aprisionada por dar uma bofetada num soldado israelense em 2017, Lasky não hesita em dizer explicitamente que existe um regime de apartheid nos territórios. “Tamimi pegou oito meses de prisão por esbofetear um soldado armado. É o caso de uma menor que cumpriu o mesmo tempo de Elor Azaria,” disse, referindo-se ao soldado do EDI que atirou e matou um terrorista palestino que já tinha sido ferido e dominado.
“A justiça militar permite a prisão de jovens palestinos no meio da noite, deixando-os sob custódia até o fim dos procedimentos por coisas pelas quais em Israel nunca teriam sido presos. Nada disso é o caso para jovens israelenses que são presos nos Territórios, que são protegidos pela lei israelense para jovens. Quando você invoca leis diferentes no mesmo lugar para duas populações diferentes, esta é exatamente a definição de apartheid.”
Ela diz que seu estilo de vida não mudou muito desde que se tornou deputada. “Ainda sou uma pessoas muito acessível. Se pessoas me abordam, eu imediatamente dou meu número de telefone. Vou ao supermercado e busco meus filhos na escola. Às sextas, costumávamos ir à piscina, o que fazemos menos agora, porque atraio mais atenção. Sou também mais atenta para obedecer às leis de trânsito, do que no passado”.
Lasky aprendeu algo recentemente sobre o que significa ser política, quando colheu críticas da esquerda em todos os lugares, após um tweet em que cumprimentava a polícia e as forças de segurança pela recaptura de prisioneiros palestinos que escaparam da prisão de Gilboa. Após a reação hostil de alguns esquerdistas proeminentes, ela deletou o tweet, mas não tem prazer em falar sobre isto. “Foi insensato. Fui muito rápida para responder, e aí deletei. É isso. Acabou”.
Mas o que foi autêntico? O tweet ou a deleção?
“Fui muito rápida para escrever. Não estava pensando e não vi o que fizeram com os prisioneiros depois de capturá-los. E deletar também foi um erro, Você antes me perguntou o que significa ser uma política. Então pensei que ninguém iria olhar e checar o que eu estava escrevendo, e não me ocorreu que alguém tiraria um screenshot para me confrontar com algo que eu tinha deletado”,
Perto do fim da nossa conversa, Lasky pediu para falar sobre algo surpreendente: adolescentes e cirurgia plástica. Pareceu ser o tópico mais sensível da entrevista – ainda mais do que políticas de apartheid nos Territórios.
“Sou muito favorável à tendência do age-friendly. As pessoas estão em busca de uma aparência juvenil, mas eu de fato penso que as mulheres precisam sentir-se confortáveis com quem elas são, com as mudanças que o corpo sofre, com os cabelos brancos. Como parte do que digo que sou, eu também não preciso esconder quem eu me tornei. A resposta simples é que isto sou eu, porque me gosto. É difícil para pessoas se acostumar com o fato de que existe outro tipo de beleza, uma beleza que não é jovem. Não tenho mais 30. O que não significa que não posso ser bonita. O que é certo para mim no momento, é deixar minha aparência do jeito que ela é”.
Se Lasky fica irritada com algo, normalmente aparenta estar com raiva de suas próprias ingenuidades em nossas conversas anteriores. Na última conversa, após o anúncio do Ministro da Defesa Gantz sobre as ONGs palestinas, a primeira coisa que ela pediu para retificar foi o que ela disse sobre se ficaria feliz em sentar com Ayelet Shaked e lhe falar sobre seus avos que imigraram para o México.
“Não sinto mais que tenho qualquer coisa a explicar para ela. É verdade que a atual crise é iniciativa do Gantz, mas há também coisas com ela, sempre; todo esforço para chegar a um acordo com a oposição sobre a Lei Básica [proposta] sobre imigração, o esforço para eliminar a capacidade do ministro da Saúde para conceder seguro de saúde a requerentes de asilo e a cônjuges de residentes palestinos têm o dedo dela. Praticamente todas suas ações expressam falta de consideração para com os parceiros da coalizão. Estamos chegando a uma linha vermelha”.
Você se arrepende de embarcar nesta aventura?
“Já sinto falta de ser advogada. No meu coração, sou uma advogada de defesa. Não estou numa etapa em que possa tirar conclusões. É muito cedo. Mas espero não me arrepender. Espero que agora tenhamos ao menos quatro anos, de qualquer forma. No momento, não estou planejando nada além do Knesset. Estou inteiramente investida nesta tarefa”.
[ Entrevista de Gaby Lasky por Shany Littman | 04|11|2021 | Haaretz | traduzida por Moisés Storch para o PAZ AGORA|BR e o J-AmLat ]