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Algemado, de olhos vendados, veterano de tropa de elite de Israel agora luta contra Ocupação
Uma foto de Avner Wishnitzer viralizou no mes passado, quando o historiador israelense, veterano da unidade de combate mais prestigiosa do exército foi detido, vendado e algemado pelo próprio exército, quando tentava entregar água para moradores palestinos na Cisjordânia.
[ por Judy Maltz | Haaretz | 15|10|2021 | traduzido pelo PAZ AGORA|BR ]
A foto mostra um homem barbado, olhos vendados, com as mãos algemadas. Ao seu lado, um soldado fazendo guarda.
Sem saber muito sobre as circunstâncias do evento, um israelense médio suporia automaticamente que o homem era um palestino, Afinal, quando palestinos são detidos por tropas israelenses na Cisjordânia, são rotineiramente vendados.
Não foi o caso, porém, o que pode explicar porque esta foto viralizou na mídia social israelense.
O homem vendado era um judeu israelense. Não um qualquer, mas um veterano da Sayeret Matkal – a unidade de comando mais prestigiosa do Exército de Defesa de Israel [EDI] , saudada mundialmente por suas admiradas operações de resgates de reféns.
Avner Wishnitzer, pode-se dizer, está em boa compania: o atual primeiro-ministro de Israel, Naftali Bennett, e dois ex-premiers, Benjamin Netanyahu e Ehud Barak, também serviram nesta unidade.
Mas Wishnitzer, 45, não estava em serviço quando foi detido nas colinas ao sul de Hebron há quase um mês. O antigo kibutznik, que agora ensina História do Oriente Médio e da África na Universidade de Tel Aviv, estava com um grupo de ativistas anti-ocupação que planejava entregar um tanque de água para uma comunidade palestina não conectada à rede de água. A maior parte dos ativistas pertencia aos ‘Combatants for Peace‘, uma ONG israelense-palestina [cfpeace.org/] dedicada ao fim da Ocupação.
O que diferencia especialmente esta organização é que foi criada por indivíduos que haviam atuado em ambos os lados do conflito. Wishnitzer, nascido e criado no Kibutz Kvutzat Shiller, no centro de Israel e que atualmente mora com sua família em Jerusalém, foi um dos seus membros fundadores.
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Ele nos contou que um grupo de cerca de 50 ativistas partiu na sexta-feira 17|09 para levar um tanque com 4 m3 de água para uma comunidade isolada palestina, próxima ao posto avançado ilegal de Avigayil.
“É parte de nossa campanha para ajudar comunidades palestinas sob controle israelense – especialmente nas colinas ao sul de Hebron e no Vale do Jordão, que são as regiões mais secas da Cisjordânia – que não têm acesso a água”, explicou.
Avner observou que enquanto o exército israelense tem negado acesso de palestinos a água sob o argumento de que eles estariam engajados em construções ilegais na área, a mesma argumentação não é aplicada aos colonos judeus [de assentamentos ilegais], que gozam de água corrente sem limite.
Quando ele e seus companheiros ativistas subiam pela estrada, lembra, foram parados por soldados israelense que patrulhavam a área. “Não nos explicaram por que não podíamos passar””, diz Wishnitzer. “Dissemos a eles que viemos trazer água para gente que não tem. e que pretendíamos prosseguir”.
Em resposta, os soldados começaram a empurrar os ativistas e a jogar cápsulas de gás lacrimogênio e granadas de efeito moral neles. Videos filmados do confronto mostram em cena o comandante jogando um dos ativistas mais idosos no chão e, ao estilo George Floyd, apertando seu pescoço com o joelho.
Wishnitzer não presenciou isto, porque estava num pequeno grupo que tinha sido detido imediatamnte. “Eles me pegaram com outro ex-soldado e, por alguma razão, nos vendaram”, diz. “Claramente, sua intenção era nos humilhar”.
O outro homem vendado, de 60 anos, era um ex-oficial da Brigada de Paraquedistas, que havia servido na primeira guerra de Israel no Líbano.
“Quando lhes disse que não havia razão para nos deter, que tudo que desejávamos era levar água para aquelas pessoas, fui chamado de “pedaço de lixo”, diz. Os dois ex-combatentes vendados foram forçados a entrar num veículo militar e detidos por nove horas, parte desse tempo na delegacia próxima de Kiryat Arba. Nunca lhes disseram a razão de terem sido detidos.
Não emprestaremos nossas mãos ao regime de repressão nos territórios
Wishnitzer diz que, como soldado na Sayeret Matkal, raramente servira nos Territórios Ocupados e que assim ignorava o que acontecia lá.
No início dos ‘2000s, poucos anos após completar o serviço militar, irrompeu a segunda intifada. Para ela foi um tempo para se prestar contas.
“Comecei a me sentir realmente desconfortável com o fato de que mal sabia o que estava acontecendo nos Territórios”, diz. Embora nunca se tivesse definido como direitista, Wishnitzer era “o que se chamaria de ‘um bom sionista’ – um filho leal do movimento kibutziano que, como muitos à época, escolhera servir numa unidade de combate”.
Ele se uniu a um grupo anti-ocupação e começou a passar uma parte considerável do seu tempo na Cisjordânia. Isso teve um impacto profundo nele – tanto que, em 2003, Wishnitzer foi um dos 13 reservistas da Sayeret Matkal a anunciar, numa carta amplamente divulgada ao então primeiro-ministro Ariel Sharon, sua decisão de recusar-se a servir nos Territórios Ocupados. “Não emprestaremos nossas mãos ao regime de repressão nos territórios”, escreveram.
Poucos meses depois, Wishnitzer e seus camaradas se aproximaram de um grupo de palestinos, na maioria ativistas políticos, que haviam passado um tempo em prisões israelenses. Eles haviam se intrigado pela posição que esses antigos combatentes israelenses haviam tomado, e pediram uma reunião. Foi aí que a idéia por trás do Combatants for Peace se enraizou.
“O que percebemos é que se pessoas que estiveram envolvidas em violência nos dois lados podem acabar sentando juntos e conversar como seres humanos, qualquer um pode” diz Wishnitzer, descrevendo o Combatants for Peace como uma organização “única”. “Não há nada como ela – nenhuma outra organização no mundo é constituída de combatentes dos dois lados, que se reuniram não após o fato, mas enquanto o conflito sangrento ainda continua”.
Para a maioria dos israelenses, ela é mais conhecida pela cerimônia conjunta israelense-palestina (Iom Hazikarón) que organiza anualmente em parceria com o Parents Circle Family Forum [Círculo de Parentes|Fórum de Famílias Enlutadas], formado por famílias israelenses e palestinas que perderam seus amados para o conflito.
Wishnitzer diz que o mês passado não foi a primeira vez que ele e seus companheiros foram molestados pelo exército. Mas acredita que algo mudou. “Existe uma sensação nas últimas semanas e meses – e eu ouço isto de também de ativistas de outras organizações – que os soldados tem se tornado mais violentos, qua a violência é mais forte, que não existe responsabilização”, diz.
“Parece que esta é uma mensagem que vem de cima, e o fato é que o comandante que era responsável no dia em que fui assediado saiu com um mero tapa no pulso”.
Por mais traumático que tenha sido para ele e seus companheiros, Wishnitzer não acredita que as explosões e humilhação que sofreram sejam o que o público deva focalizar.
“A História real é o que está acontecendo aos palestinos na Cisjordânia: as desapropriações de terras, os checkpoints, as detenções administrativas e a violência sistemática, para não mencionar a violência dos colonos”, diz.
“Os palestinos são as verdadeiras vítimas aqui”.
Convidado a comentar, o Escritório do Porta-Voz do EDI disse, numa investigação sobre os eventos de 17|09, que a decisão de vendar Wishnitzer foi “um erro”.
[ por Judy Maltz | Haaretz | 15|10|2021 | traduzido pelo PAZ AGORA|BR ]