[ por Eric H. Yoffie | Publicado no Haaretz | 10|10|2021 | traduzido por José Manasseh Zagury ]
Um dos principais sucessos do movimento dos colonos tem sido a criação do receio de uma guerra civil, se colônias forem evacuadas. Mas a intensificação da violência dos colonos e a chantagem de bandidos e terroristas não pode exercer essa influência.
A Solução de Dois Estados ainda é possível? Absolutamente sim, dizem os autores de novo relatório sobre o assunto – possível e necessária. Quem alega o contrário não está olhando para os fatos na prática, mas distorcendo-os para prosseguir com sua agenda direitista.
O relatório emitido pela organização de pesquisa de centro-esquerda Molad é particularmente bem-vindo neste momento, apesar de se perder quando tira suas conclusões finais. O relatório é bem-vindo porque o primeiro-ministro de Israel tirou o assunto negociações de paz de sua agenda e durante seu discurso na Assembleia Geral da ONU recusou-se a mencionar a palavra “palestinos”.
Os partidos israelenses de esquerda e de centro concordaram em colocar de lado esse assunto por enquanto. Muitos membros do público israelense simplesmente desistiram de um acordo de paz com Dois Estados; eles aceitaram o argumento da direita de que em vista da expansão dos assentamentos já é “muito tarde” e que Israel ultrapassou o “ponto de não-retorno” na questão da divisão da terra.
O (grupo de reflexão – think tank) Molad (molad.org/en/) é conhecido por seu enfoque obstinadamente orientado para a segurança no assunto paz. Usando essa perspectiva, os autores do relatório – Omer Eynav, Avner Inbar e Assaf Sharon – destróem habilmente a lógica do “já é tarde demais”. Eles oferecem ampla evidência de que a imagem criada pela direita israelense sobre o empreendimento dos colonos é uma fantasia, muito distante da realidade na Cisjordânia. Os autores se concentram nos assentamentos isolados, à leste da cerca de segurança. Separados dos grandes blocos, esses são os assentamentos que teriam que ser evacuados como parte de uma solução negociada de dois estados. Na cabeça do público, salienta o relatório, esses assentamentos tendem a ser vistos como sólidos, estabelecidos e autossuficientes, e o movimento dos colonos os apresenta como contando com amplo respaldo popular.
Mas, de fato, nada disso é verdade. Os assentamentos isolados são criações artificiais, sem infraestrutura e recursos para sobreviver por conta própria. Contribuem pouco ou nada para a segurança de Israel. Para educação, transporte, habitação e todas as outras necessidades da vida diária, eles dependem de contribuições do governo de Israel que excedem em muito, em termos proporcionais, ao que outras comunidades de israelenses recebem. Além do mais, eles não receberam aceitação e legitimidade do público israelense como alega o movimento dos colonos. A maioria dos israelenses apoia sua evacuação no contexto de um acordo com os palestinos.
Até aqui tudo bem. A primeira parte do relatório é um documento convincente, apresentando argumentos e evidências de que os assentamentos isolados são frágeis por natureza, cuja existência é completamente dependente de recursos externos e não contam com amplo apoio e simpatia da população israelense. Esses assentamentos poderiam ser evacuados se necessário para garantir um acordo de paz com os palestinos? Certamente sim, diz o relatório.
E a maneira mais fácil de fazê-lo seria o governo de Israel parar com os subsídios super generosos que permitem a sobrevivência dos colonos, bem como oferecer compensação para o reassentamento deles dentro das fronteiras de Israel. O governo poderia também rescindir o status legal que dá aos colonos os direitos legais dos cidadãos de Israel – direitos que os colonos veem como essenciais para o seu bem-estar, mas que não se aplicam aos palestinos dos territórios. O relatório não sugere que um acordo político seja provável no futuro previsível. Mas ao desfazer a noção de que a opção de dois estados está morta, ele faz muito do que precisa ser feito:
Ele envia uma mensagem aos eleitores israelenses de que embora a paz esteja muito distante, não está para sempre fora de alcance. Ele fortalece as posições dos israelenses centristas e de esquerda bombardeados pela falsa alegação dos colonos de que “é tarde demais” para uma Solução com Dois Estados. Ele encoraja os elementos da coalizão governamental de Israel a fazer o que puderem para limitar os assentamentos e permitir as construções apenas nos grandes blocos. Ele oferece uma garantia aos judeus americanos de que Israel não está condenado à realidade do Estado Único – que significaria um Estado com maioria árabe, um Estado judaico tipo apartheid ou uma “confederação” que não satisfaria as aspirações nacionais nem dos judeus nem dos palestinos.
E agora a parte ruim. Enquanto a primeira parte do relatório é admirável e convincente, a segunda parte é claramente falha.
Os autores argumentam que, além das muitas razões já colocadas, israelenses se opõem à Solução de Dois Estados por outra razão: eles temem que haverá violência se seu governo fizer evacuações para implementar os termos de um acordo negociado. Eles recordam a resistência à desocupação, quando 8.000 israelenses foram removidos de Gaza, e eles temem que remover dezenas de milhares de colonos da Cisjordânia seria ainda mais sangrento e traumático. A criação de medo de uma guerra civil, assinala o relatório, é um dos “importantes sucessos estratégicos” do movimento dos colonos na sua luta para ganhar a opinião pública israelense.
A solução proposta pelo relatório: não aumentar a força militar para impor uma rápida evacuação, como alguns já sugeriram, mas sim fazer o contrário. Diante das vulnerabilidades dos assentamentos isolados, uma política de redução de apoio e oferecimento de compensação alcançará o mesmo resultado sem violência. Sem a tábua de salvação do governo, os colonos não terão outra opção que não abandonar, especialmente se essa política for clara, o prazo adequado e os subsídios generosos. De fato, evitar a violência emerge como tema central do relatório, cujo título é “Evacuação Civil Não-Violenta: Novas ideias sobre como encerrar o empreendimento da colonização”.
Mas isso é loucura. Toda medida possível deve ser tomada para evitar violência, é claro. E se algum dia um acordo de paz que envolva evacuação for aprovado pela Knesset ou por um referendo popular, supõe-se que seus termos serão razoáveis e que um consenso nacional substancial para seguir adiante existirá em Israel. Sob essas circunstâncias, espera-se que a violência seja absolutamente mínima.
Mas talvez não. De fato, provavelmente não. Independente das condições no terreno e dos termos do acordo, a maior probabilidade é que elementos do movimento dos colonos saiam às ruas para desafiar a determinação do governo de Israel democraticamente eleito. Tudo – absolutamente tudo – na história do movimento dos colonos sugere que esse será o caso. A violência dos colonos é uma realidade.
O hooliganismo dos colonos é uma realidade. O terrorismo dos colonos é uma realidade. Tem sido assim por décadas e continua assim hoje. E a situação só piora o tempo todo. Basta olhar para o recente mini-pogrom na aldeia palestina de al-Mufaqara, onde colonos viraram carros, atacaram casas e mandaram muitos palestinos para o hospital, incluindo um garoto de três anos. Basta olhar para as palavras vergonhosas dos líderes dos colonos, que culparam seus “hóspedes” pela violência e não a eles próprios.
E o mais importante, basta olhar para o crescimento explosivo dos ataques de colonos aos palestinos nos territórios. Como citado por Michael Koplow, do Fórum Sobre as Políticas de Israel, nos primeiros seis meses de 2021 foram reportados 416 incidentes de violência contra palestinos na Cisjordânia, comparados com 507 em todo o ano de 2020.
O ponto é que se a Solução de Dois Estados é uma boa ideia, e ela é, não deveriam prometer algo que não podem cumprir, quando defendem essa solução. Uma resposta não violenta por parte dos colonos é algo que ninguém pode prometer.Ao enquadrar o problema nesses termos, o relatório fortalece os colonos e até os encoraja a chantagear o Estado de Israel com atos de violência. Lhes dá um poder de influência que não merecem e não devem receber. É muito melhor reconhecer a realidade do comportamento dos colonos, expressar determinação de não se deixar dissuadir e oferecer um enfoque realista para lidar com o problema.
Afinal, o sionismo sempre tratou da criação de um Estado judaico e democrático, que exerça sua soberania em nome de sua maioria judaica e de todos os seus cidadãos. Os que desafiam essa soberania não são realmente sionistas; eles são bandidos e o governo legalmente eleito de Israel deve tratá-los como tal, quando o assunto é a paz ou qualquer outro assunto.
O Molad deve ser aplaudido por produzir esse relatório e pela ótima defesa que faz da Solução de Dois Estados, independente de quão longe estejamos dessa solução. Mas, apesar de nossa fervorosa esperança de que a paz seja definitivamente implantada sem violência, as coisas talvez não funcionem dessa maneira. E se houver violência, não se pode permitir que judeus fanáticos que ameaçam com guerra civil vençam.O governo de Israel tem que fazer cumprir a lei e a vontade de seus cidadãos, aconteça o que acontecer. Essa deveria ser a mensagem do Molad ou qualquer outro grupo de reflexão sionista.
A paz, como sabemos, é essencial e preciosa. E como todas as coisas preciosas, vem com um preço a pagar.
[ por Eric H. Yoffie | Publicado no Haaretz | 10|10|2021 | traduzido por José Manasseh Zagury ]