[ por Dmitry Shumsky | Haaretz 20|10|21 | Traduzido por José Manasseh Zagury ]
Benny Morris afirmou em um artigo recente que Israel tem duas opções – as duas, admitiu ele, horríveis – para lidar com a ameaça nuclear do Irã. Ou ele destrói as instalações nucleares do Irã, o que pode muito bem resultar em guerra tanto com o próprio Irã quanto com seus satélites, ou convive com um Irã nuclear, vivendo na sua sombra e com o risco de um ataque nuclear.
Mas há também uma terceira opção que ele ignorou – buscar um acordo de paz entre Israel e Irã, independente de este se tornar ou não uma potência nuclear. As opções listadas e analisadas por Morris são realistas e claramente aparentes na realidade política existente atualmente. A terceira opção, paz com o Irã, é imaginária, não-realista e utópica. Entretanto, Israel não possui o privilégio de ignorar essa opção.
Primeiro, qualquer nação que quer viver – incluindo nações cercadas total ou parcialmente por inimigos – tem que ter em mente não somente os cenários de conflito, mas também um horizonte diplomático para forjar a paz com seus inimigos em algum ponto no futuro. Segundo, desde o início do sionismo moderno, a política sionista tem se caracterizado não apenas por um grande sentido de realidade, mas também por elementos de pensamento utópico, lutando incessantemente para modificar a realidade existente.
Essa combinação sionista única de enfoques realistas e utópicos, a qual o Prof. Yosef Gornik, um especialista em sionismo, chamou de “utopia realista”, está completamente ausente tanto da análise do Prof. Morris quanto das políticas israelenses para lidar com a ameaça iraniana.
Uma das características únicas do sionismo histórico foi sua capacidade de converter, o que parecia uma visão utópica em qualquer dado momento histórico, em realidade. De fato, o que aparenta na superfície ser uma utopia desconectada da realidade corrente, às vezes reflete uma profunda e escondida tendência dessa realidade, que um dia vai emergir e se tornar relevante quando mudarem as circunstâncias. O conflito em andamento entre o Irã e Israel pode se mostrar um notável exemplo disso.
Na superfície, a hostilidade mútua entre Israel e Irã é um enorme abismo impossível de conciliar. Mas quando olhamos mais profundamente, está claro que essa hostilidade provém mais do mundo racional de interesses e lutas por poder geopolítico do que por fanatismo religioso ou ideologia.
Apesar de que os governantes shiitas frequentemente amarguraram as vidas de suas minorias judaicas no curso da História, a causa direta e primária do ódio do Irã a Israel atualmente não é a teologia shiita, mas sim o fato de que Israel é o mais leal aliado da América na região. Os EUA são o inimigo jurado do Irã e eles ganharam esse título honestamente através de sua incessante interferência nos assuntos internos iranianos durante a segunda metade do século passado. Consequentemente, se as relações entre a América e o Irã algum dia sofrerem uma guinada positiva, isso também afetará favoravelmente as relações do Irã com Israel.
Obviamente, qualquer cenário que envolva reconciliação entre o Irã e o “grande Satã”, como a América é chamada pelo regime dos aiatolás, é uma visão utópica. Portanto, a opção de um acordo de paz entre o Irã e o “pequeno Satã”, como os aiatolás chamam Israel, está estritamente no domínio da imaginação.
Porém, a mera percepção de que o relacionamento entre Irã e Israel depende de um fator fundamentalmente racional e que pode mudar – os interesses geopolíticos do Irã em relação à América, que, como qualquer conjunto de interesses, tende a mudar com o tempo – pode contribuir no longo prazo para promover uma futura linguagem de reconciliação entre Israel e Irã. Isso é assim porque a percepção de que o nosso inimigo, assim como nós, é movido por cálculos racionais de custo benefício, pode questionar a demonização desse inimigo. Questionar a demonização do inimigo é uma condição básica para algum dia tornar possível alcançar um acordo de paz com ele.
Demonização Suicida
Em contraste, na maneira atual de Israel falar do Irã, claramente refletida no artigo de Morris, abunda ampla demonização e ultimatos, ao ponto de absurdamente retratar o Irã – um país muito cauteloso, que tende a agir indiretamente contra seus inimigos, através de seus procuradores – como um país disposto a cometer suicídio para atacar Israel com armas nucleares.
Essa demonização é desnecessária por duas razões. Primeiro, ela ignora os fatores concretos que movem a hostilidade do Irã a Israel e pode portanto prejudicar o julgamento de Israel e sua capacidade de avaliar objetivamente e criteriosamente a natureza e a dimensão da ameaça iraniana. Segundo, essa demonização – que é quase o espelho perfeito da linguagem iraniana de grande Satã e pequeno Satã, em relação à América e Israel – contribui para a contínua derrapada da região para uma guerra total, sem sequer tentar abrir um diálogo de reconciliação.
Claramente, Israel tem que ponderar as duas opções sombrias propostas por Morris em seu artigo com a devida seriedade e continuar a preparar-se para a possibilidade de um conflito militar com o Irã. Mas ao mesmo tempo, Israel deveria parar com sua tagarelice de demonização do Irã e, no espírito do realismo utópico do sionismo histórico, desafiar seu inimigo primário com a linguagem da paz.
Por mais que seja surpreendente, não é inconcebível que existam atualmente membros do establishment iraniano que no fundo de seus corações estão esperando para estender a mão a Israel em paz e desejando a reconciliação entre esses dois povos antigos da civilização do Oriente Médio.
[ por Dmitry Shumsky | Haaretz 20|10|21 | Traduzido por José Manasseh Zagury ]