Classificar importantes ONGs palestinas pacíficas como grupos terroristas confunde e enfraquece a legítima oposição pacífica à ocupação, reforça a violência e põe a coalizão de governo em risco.
[ por Naomi Chazan | 25|10|2021 | Times of Israel | traduzido por Moisés Storch para o PAZ AGORA|BR ]
A decisão do ministro da Defesa Benny Gantz de colocar seis organizações da sociedade civil palestina, incluindo seus principais grupos de Direitos Humanos, na lista de organizações terroristas, provocou reações intensas. Organizações de Direitos Humanos de todo mundo condenarão a ação com veemência. Líderes na Europa e Estados Unidos reagiram fortemente contra o ataque do novo goverdno contra um dos mais indispensáveis tijolos para construção de uma governança democrática. E em Israel, junto ao aplauso antecipado pela oposição de direita e o crescente desconforto em porções da coalizão diversificada, beirando um dissenso aberto em suas alas de esquerda, questiona-se sobre seu timing, utilidade e racionalidade,
Em meio a este debate em expansão — que não mostra sinais de acabar logo — muita ênfase tem sido colocada no aqui agora, Quase nenhuma atenção é dada ao contexto histórico e comparativo, Mesmo uma mirada superficial sobre a dinâmica de numerosas tentativas por diferentes minorias étnica para subjugar maiorias locais contra sua vontade apenas amplia o absurdo e futilidade desta última ação. O governo israelense faria bem em estudar cuidadosamente essas lições, antes de ser tentado a repeti-las, não só em detrimento dos palestinos, mas também em seu próprio prejuízo,
A História moderna é farta de exemplos de conquistas externas, expansão imperial e domínio colonial. Um denominador comum conecta essas experiências muito diversas em diferentes partes do globo: toda intrusão estrangeira provoca alguma forma de reação local. Quanto mais abrangente o controle externo — de econômico e religioso a militar e burocrático – a extensão e intensidade das respostas. O domínio externo, sistematicamente, inegavelmente e quase uniformemente plantou as sementes de sua própria dissipação. O que foi verdade para a maior parte da Àsia, África e América Latina também pertence à História de Israel-Palestina do século passado e mais.
Os termos deste confronto mudaram dramaticamente em 1967, com a tomada por Israel de territórios que previamente eram controlados pelo Egito, Síria e Jordânia. A subsequente assimetria foi acompanhada pelo surgimento da resistência palestina e então assumiu formas civis, enquanto contatos econômicos, sociais e culturais se expandiam, Sindicatos e organizações profissionais foram criados. Estes foram seguidos por sociedades de jovens, mulheres e bem-estar. Organizações religiosas (especialmente o Hamas, com apoio israelense) foram criadas, além de grupos de Direitos Humanos. A atividade política se expandiu com uma demanda crescente pela auto-determinação palestina, primeiro às custas de Israel e, após 1988, ao longo de suas fronteiras internacionalmente reconhecidas,
A ausência de qualquer movimento levou inicialmente, no fim de 1987, a uma revolta espontânea em Gaza, que depois transbordou para a Cisjordânia. Essencialmente uma revolta civil que se tornou progressivamente mais organizada.
A Primeira Intifada deitou a fundação para a Conferência de Madrid e então para os Acordos de Oslo. A criação da Autoridade Palestina e, nesta conexão, o desmembramento dos Territórios Ocupados nas áreas A, B, C, e a Faixa de Gaza serviram para aumentar a frustração palestina sem avançar substancialmente para uma solução. O fracasso do processo e a subsequente erupção da Segunda Intifada, bem mais orquestrada e violenta, que foi subjugada militarmente, deixou poucas aberturas para a resistência violenta na Cisjordânia. Em vez disso, o caminho foi pavimentado para ressurgência de organizações da sociedade civil e, com renovado vigor, grupos de Direitos Humanos. Esta tendência também tomou fortes tons religiosos, especialmente em Gaza, levando à ascensão política do Hamas e ao “desligamento” de Israel da Faixa.
A última década foi marcada pela crescente presença de colonos israelenses na Cisjordânia, o reconhecimento por Trump de Jerusalém como a capital de Israel e uma série de atos de resistência violenta por indivíduos isolados. A atividade da sociedade civil palestina esculpiu espaços para ações domésticas independentes e não-violentas, com maior alcance internacional. Mas não foi capaz de conter a maré. A extensão da repressão e subjugação aumentou.
A posse do governo Bennett-Lapid, apesar do acordo da sua coalizão em focar apenas em questões onde houvesse consenso, de fato tomou passos que tornaram as coisas mais difíceis, Após os incidentes de maio, com incidentes em Jerusalém e sua vizinhança, os quatro últimos meses viram a aprovação de licitações para construção em assentamentos judeus nos locais mais sensíveis — incluindo, mas não se limitando ao enclave E1, Atarot, e porções de Jerusalém Oriental.
Colonos judeus promoveram ataques violentos contra fazendeiros palestinos, suas propriedades e vidas. O número de palestinos mortos em lutas espontâneas aumentou, Despejos e demolições de casas são contínuos. Orações de judeus no Monte do Templo continuam, inflamando mais as sensibilidades muçulmanas, A colheita de azeitonas tem sido interrompida. Este é exatamente o contrário da manutençao do status quo prometido pelo novo governo.
Classificar organizações importantes como grupos terroristas é equivalente a reduzir qualquer possibilidade de oposição legítima e pacífica à Ocupação. Isto faz muito pouco para aplacar a inquietação palestina. Ao contrário, eles ficam com apenas duas escolhas: submissão ou violência, A primeira não é atingível; a segunda é indesejável, levando a uma anarquia ainda maior.
Mais, se quase toda discordância palestina é, por definição, um ato de terror, esta situação poderia se perpetuar para sempre. Esta, porém, não é a posição oficial do governo, nem da maioria dos israelenses. Então, por que ela foi acionada agora, especialmente quando Israel mantém todas as ferramentas para apreender — mesmo sem julgamento — indivíduos suspeitos de atividade violenta contra israelenses? Por que o governo está sacudindo a colméia quando sua coalizão frágil não tem interesse visível em destacar as questões palestino-israelenses neste momento?
Alguns dizem que esta iniciativa é só uma manobra política para aplacar a direita. Se o for, é ingênua. Ela divide a coalizão, que, caso muito esticada, dissolverá. Como é baseada em alegações ocultas, se expõe a acusações de falta de transparência e de responsabilidade. Acentua os atuais conflitos na administração diária. Como o novo governo está só começando a ganhar alguma tração com a aprovação do orçamento nas próximas semanas, está sendo lançado o ringue para divisões ideológicas que podem ameaçar sua sustentabilidade.
Bem mais significativo, porém, é o estrago que está sendo feito aos israelenses, palestinos e aos seus futuros.
A continuação e o aprofundamento da Ocupação tem trazido todo o empreedimento de Israel a um crescente escrutínio. A ilegalização de organizações líderes da sociedade civil palestina e a acusação de sua pretensa ligação ao terrorismo granjeou denuncias no Exterior, não apenas em setores tradicionalmente críticos a Israel, mas também junto aos seus aliados mais próximos. A reprimenda do Departamento de Estado (EUA) é séria.
Assim como as declarações emanadas dos europeus. Essas reações justificadamente sublinham a grande conexão entre a sociedade civil autônoma e a vida democrática. O ataque a esses fundamentos, especialmente para palestinos privados de direitos básicos políticos e Direitos Humanos. necessariamente mancha a imagem de Israel e põe em discussão o que resta de suas credenciais democráticas. Em vários aspectos, isso também vai contra a essência da tradição judaica, que sempre se orgulhou de estar na linha de frente em lutas contra todas formas de racismo, preconcento, discriminação, e abusos de poder.
Isto posto, o prejuízo feito ao país — sem falar dos palestinos sob seu jugo — poderia ser inimaginável.
Contenção, juntamente com o exercício de uma grande dose de prudência baseada nas lições obtidas das minhas muitas experiências do passado, é agora a ordem do dia.
Será que o governo e seus eleitores terão a sabedoria para fazer acontecer, mesmo que seja para voltar atrás em decisões erradas e corajosamente mudar o curso antes que seja tarde de mais?
[ por Naomi Chazan | 25|10|2021 | Times of Israel | traduzido por Moisés Storch para o PAZ AGORA|BR ]
Sobre a Autora
Naomi Chazan é professora (emerita) de ciência política na Universidade Hebraica de Jerusalém. Ex-deputada do Knesset, que presidiu, atualmente atua como pesquisadora sênior no Truman Research Institute da Universidade Hebraica e do Instituto Van Leer em Jerusalém.