QUANDO SE ATRELA O LUTO À POLÍTICA | ESSE É O CHEIRO DO FASCISMO

Difícil se enganar com o cheiro que emanou do ar durante o enterro de Barel Hadariah Shmueli e durante a manifestação de fúria em Tel Aviv. E não precisa ser um erudito para entender quem está tentando alimentar o fogo.

“Senti medo. Foi a primeira vez que senti medo no enterro de um caído do Exército de Defesa de Israel. Foi a primeira vez que entendi como é o cheiro do fascismo. Que entendi que se não acontecer alguma coisa aqui, que se não detivermos esse cheiro fétido, simplesmente nos desintegraremos. Saí desse enterro com a sensação de que estamos desintegrando. A sociedade israelense está se desintegrando em transmissão ao vivo”.

A pessoa que me disse isso esta semana me ligou por iniciativa própria. Ele precisava, me disse, compartilhar essa experiência com alguém mais. Ele não é político, mas é completamente de direita (com proximidade ao Likud). Ele já viu algumas coisas na vida. Viu de perto o ambiente envenenado e violento no caso Elor Azaria. Ouviu os gritos que desejavam que o (então) Chefe do Exército Eisenkot se juntasse a Rabin (já assassinado). Apesar disso, o enterro do Sargento Barel Hadaria Shmueli o assustou mais do que tudo o que já vira até hoje. Ele voltou do enterro chocado até as profundezas de sua alma.

Introdução:

Famílias enlutadas (que perderam alguém em guerras ou atentados) em Israel têm um valor sagrado. Pais enlutados têm direito de dizer e de gritar o que quiserem para quem quiserem. Eles ganharam esse privilégio com sangue e direito. Pagaram o preço máximo. Nós temos que baixar a cabeça e seguir adiante, mesmo se não concordamos ou não gostarmos disso. Podemos criticar (farei isso nesta coluna), mas não recorreremos do direito de pais enlutados de cobrar o sangue de seu filho de quem quer que seja, do jeito que quiserem, quando quiserem.

A questão no enterro do herói de Israel, Barel Hadaria Shmueli, não é exatamente seus pais. Sim, a mãe condenou a todos durante a última semana. Do primeiro-ministro Bennett, que segundo ela tinha o sangue dele em suas mãos, passando pelo comandante do exército no sul, Eleazar Toledano, o comandante de brigada Yoav Broner, o chefe da polícia Kobi Shabtai, o comandante da Polícia de Fronteira e todos os demais comandantes. A questão no enterro de Barel Hadariah Shmueli foi o uso abominável por todos os agentes marginais e bibistas, recrutados para dançar sobre o sangue, para bombear a raiva e transformá-la em ferramenta política, para fragmentar o exército por dentro, para marcar os oficiais como se tivessem jogado os combatentes aos cães e permitido que os matassem.

Os oficiais, que doam longos anos de suas vidas a essa fronteira maldita, para que os moradores das áreas próximas possam dormir em paz. Os oficiais que lá se postam, juntos com os soldados, na primeira linha, dentro do fogo. Quem deu o sinal, façam cara de surpresos, foi o indiciado. Do seu lugar de férias, uma ilha pertencente ao bilionário que também é testemunha da acusação no seu julgamento, Netaniahu se apressou em ser o primeiro a dançar sobre o sangue de Barel Z”L, quando explorou a falha do primeiro-ministro Bennett, que errara o nome do soldado caído (chamou-o pelo nome do pai -N.T.), e escreveu um tuite com o título “Vergonha”, dando o sinal para a sua corja de seguidores mentalmente limitados. Depois ele apagou (o título), mas já não fazia muita diferença.

DEMONSTRAÇÃO DE INCITAMENTO

Sargento Barel Hadaria Shmueli Z”L

Voltemos ao enterro. O enterro ao qual vieram, como aves de rapina sentindo o cheiro da presa, os piores dentre os bibistas. Uma delas gritou no pico da tensão “pena que não dispararam uma (bala) dessas no Bennett“. Uma outra orientou o público a gritar: “Bennett é traidor“. Outros inflamaram o ambiente. Foram para cima dos ministros Matan Kahana e Omer Bar-Lev e transformaram o evento numa manifestação política.

Na manifestação de bibistas que aconteceu depois disso em Tel Aviv, levaram cartazes que diziam “Bennett matou Barel“.Eis o resumo do testemunho de quem me ligou, a pessoa que estava lá no enterro do Sargento Shmueli, o mais perto possível.

“No início pensei que seria um enterro silencioso. Pairava lá uma tristeza verdadeira, pesada”, me disse, “um dos comandantes ia falar e a mãe de Barel lhe arrancou o microfone e disse que agora ela ia falar. Começou um burburinho entre o público. Ela gritou a sua dor. Culpou Bennett e disse que o sangue de seu filho estava em suas mãos, gritouvocês se associam com o Hamas, o Hamas faz parte do governo, o Hamas que matou o meu filho“.

A essa altura, segundo a testemunha visual, começou o burburinho entre o público. “As palavras dela tiveram uma influência mágica sobre as pessoas. Estavam lá grupos de bibistas, grupos do estilo La Familia (grupo de torcedores do clube Beitar de Jerusalém, conhecidos por sua violência, racismo e extremismo N.T.), ao lado de milhares de acompanhantes entristecidos, amigos de Barel, amigos da família, que vieram acompanhar um soldado herói em sua última jornada e não participar de uma manifestação política de ódio e incitamento”.

O que aconteceu em seguida? perguntei. “Em seguida, começaram as maldições. Vi o Ytzik Zarka (ativista do Likud famoso por sua violência e extremismo N.T.) circulando por lá e a Orly Lev (outra ativista do Likud conhecida por seu extremismo N.T). Havia alguns grupos desse tipo de gente. Não sei quem disse para a mãe de Barel que Bennett se associa com o Hamas, mas foi o que ela gritou.

E quando o chefe da polícia Kobi Shabtai se preparou para falar, começaram os gritos também contra ele: ‘você é culpado; tira essa farda‘. Na hora de depositar as coroas de flores, chamaram o general comandante do setor sul, General Toledano. Quando o chamaram, a mãe se levantou e tentou partir para cima dele, fisicamente. A contiveram. ‘Vem aqui’, ela gritou para o general, ‘você vai pagar pelo que aconteceu com meu filho; tira essa farda; ainda não acabei com você“.

O meu interlocutor respirou fundo. Pais enlutados já protestaram contra oficiais, disse eu. “Certo”, disse ele, “eu tenho que te contar que o pai de Barel tentou o tempo todo acalmar a mãe e lhe disse que isso atinge Barel, mas em vão. Se você estivesse lá, entenderia o que estou dizendo”, disse ele. Continua, lhe pedi. “Você precisava ver o (General) Toledano”, me disse. “Um dos oficiais mais corajosos que apareceram na última geração, um oficial que passou a maior parte de sua vida em uma ou outra fronteira e às vezes para além da fronteira, tentando entender a situação. Ele depositou a coroa de flores e não retornou ao lugar onde estava antes. Se tornou perigoso. O problema não era apenas o grito da mãe, mas também a reação do público”. Como terminou, perguntei. “O chefe da polícia entendeu a situação”, disse ele, “ele escutou o público, escutou os gritos de incitamento, e instruiu a tropa de elite para saltarem para dentro, para a área estéril. Acho que escutei o chefe da polícia dizer para o General Toledano ficar perto dele, que não saísse sozinho. Assim eles saíram. Juntos, protegidos pela tropa de elite. Te digo que temi que atacassem o general ou o chefe da polícia. Temi mesmo”.

Você foi o único que teve essa sensação? perguntei. “Não mesmo” , disse ele. “Na área em que eu estava, as pessoas estavam simplesmente chocadas. As pessoas, a maior parte de direita, diziam umas às outras que jamais viram coisa igual em suas vidas. Havia um nível de incitamento, raiva e ódio que eu ainda não havia experimentado”. Quem foi o responsável? lhe perguntei. “Não está claro para você?” respondeu meu interlocutor, que é pessoa muito próxima do Likud. “Ele [Netaniahu] volta esta semana do Hawai, mas vai levar ainda muito tempo, depois que juntarmos os cacos, quando tentarmos sair do buraco em que caímos, para que seja possivel entender o tamanho e a potência do estrago que ele causou. Isso não é mais política. É ódio. É associar luto com política, é fazer uso de instintos obscuros.

É PERMITIDO MATÁ-LOS

Há 15 anos atrás aconteceu o protesto dos reservistas contra o primeiro-ministro Olmert, depois da segunda guerra do Líbano. O protesto começou legitimamente, mas foi contaminado por, presumiram corretamente, pelo líder da oposição Benjamin Netaniahu, que a transformou em arma política a seu serviço. Começou uma campanha onde foi usado dinheiro ilegal de doadores secretos e o protesto dos reservistas foi apropriado pela máquina política de Netaniahu, financiado, organizado e promovido para criar um protesto público contra Olmert. Agora se segurem: quem foi o operador daquela manifestação? Naftali Bennett. Ele era então o chefe da equipe de Netaniahu.

Uma década e meia depois, Bennett é a vítima de algo completamente diferente, que parece uma mutação selvagem do protesto dos reservistas, com esteroides. Desta vez é mais destrutivo, mais explosivo, muito mais violento (o protesto dos reservistas não foi violento) e muito mais perigoso.

Não vim defender Bennett nesta coluna, mas sim os oficiais do Exército de Defesa de Israel. Um grupo pequeno de pessoas cujo sangue foi liberado esta semana. Netaniahu deu o sinal. A operação foi encomendada às gangues de bibistas com cérebros lavados e carregados de ódio, com o respaldo e a artilharia de políticos do tipo mais deficiente.

É necessário acrescentar também alguns correspondentes militares que perderam a compostura ou sofreram um incontrolável ataque de hormônios. O primeiro que deveria ter saído em defesa do exército e seus oficiais seria o primeiro-ministro Bennett. O segundo, deveria ter sido o ministro da Defesa Gantz. Aviv Kochavi, o chefe do exército, deveria ter sido o terceiro. Mas eles ficaram calados, pelo menos até o momento em que escrevi esta coluna.

Gantz deu uma entrevista ao Canal 12 na quarta-feira, mas quando perguntado sobre o episódio balbuciou alguma coisa não comprometedora. É uma pena. Não, não havia necessidade de esperar pela conclusão da investigação. Mesmo se a conclusão da investigação for dura para algum dos comandantes. Daí até a caça às bruxas que vimos esta semana é um longo caminho.

Eis o que algum líder deveria ter dito esta semana: “Tirem as mãos dos soldados e oficiais. Parem de destruir o exército. Parem de dividir a sociedade. Barel Z”L não foi o primeiro morto em nossas fronteiras e não será o último. Houve aqui um erro tático, do tipo que acontece em toda batalha, em toda guerra, em todo exército, em toda a História. O assunto será investigado e todas as conclusões serão adotadas. Daí a transformar oficiais do exército em parasitas que apenas contam o dinheiro de sua aposentadoria e enviam os soldados comuns para morrer na fronteira, é um longo caminho. Vocês enlouqueceram? Perderam o juízo? Parem já com isso!”.

[ por Ben Caspit | publicado no Maariv | 05/09/2021 | traduzido por José Manasseh Zagury ]

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