20 ANOS do Atentado às Torres Gêmeas
20 ANOS de Atividade Contínua dos Amigos Brasileiros do PAZ AGORA
Transcrevemos abaixo o 1º Documento publicado pelos Amigos Brasileiros do PAZ AGORA, após sua re-fundação em 11|09|2001. Nesses anos, publicamos e traduzimos artigos e documentos (como a íntegra do Acordo de Genebra), co-organizamos eventos internacionais como o Simpósio da REDEPAZ em Nazaré 2003 e trouxemos ao Brasil os ativistas dos campos da paz israelenses e palestinos Galia Golan, Yael Dayan e Riad Kabgha, entre outros. Acompanhe nosso trabalho em www.pazagora.org
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CARTA ABERTA AO POVO AMERICANO
13|09|2011
No estupor das catástrofes de Nova York, Washington e Pensilvânia queremos, como apoiadores de uma solução pacífica e justa para o conflito israelense-palestino, expressar nossos sentimentos de profundo choque e pesar face a esta tragédia humana, e nos fazemos solidários aos irmãos norte-americanos nestes tempos terríveis.
Não existem termos adequados para expressarmos a extensão de nossa condenação a estes ataques intradutíveis. Os acontecimentos deste 11 de setembro não foram apenas um ataque aos americanos, mas a cada um que repudia o uso do terror e da violência, seja qual for seu motivo.
Violência apenas gera mais violência.
A Paz jamais será alcançada por atrocidades, seja nos Estados Unidos ou em qualquer lugar do mundo.
Queremos alertar todos os norte-americanos contra o impulso do ódio. Pessoas inocentes demais já foram sacrificadas. Não imitemos os algozes, não perpetremos violência contra civis que vivam pacificamente em nosso meio.
Mais do que nunca, apelamos fortemente a todas as partes em conflito no Oriente Médio a depor suas armas e resolver suas diferenças pacificamente, de acordo com as leis internacionais.
Mais derramamento de sangue, da forma como temos visto nos Territórios Ocupados e em Israel, apenas nos empurrarão a todos para mais perto do abismo do desastre total.
Viremos, decididamente, uma nova página da História, para uma era de diálogo e entendimento mútuo.
AMIGOS BRASILEIROS DO PAZ AGORA
Artigo de Amós Oz escrito sob as emoções do Atentado às Torres Gêmeas de Nova Iorque
11|09|2001
Escritor Amos Oz diz que maioria árabe não é cúmplice do crime, condena fundamentalismos e defende o direito à autodeterminação palestina
Uma onda de fanatismo religioso e nacionalista está crescendo por todo o mundo islâmico, das Filipinas a Gaza, Líbia e Argélia, do Afeganistão, Irã e Iraque até o Líbano e o Sudão.
Aqui, em Israel, temos sofrido os efeitos desta maré de fanatismo letal: quase diariamente somos testemunhas de assassinatos em massa e incitamentos odiosos, entre sermões religiosos que tecem loas à Jihad e sua concretização por meio de bombas suicidas e carros-bomba lançados contra civis inocentes.
O fato de sermos vítimas do fundamentalismo árabe e muçulmano frequentemente nos deixa cegos, de modo que tendemos a deixar passar em branco a ascensão do extremismo chauvinista e religioso não apenas no mundo islâmico mas também em várias partes do mundo cristão e, de fato, também no judaico.
Se ficar comprovado que a terrível provação sofrida pelos Estados Unidos resulta do fato de mulás e aiatolás fanáticos persistirem em retratar o país como “o Grande Satã”, então os EUA e Israel, o “Pequeno Satã”, terão que preparar-se para enfrentar uma luta longa e árdua.
Talvez seja apenas humano que, por baixo do choque e da dor, sempre persista em alguns de nós, aqui em Israel, uma voz pequena dizendo: “Agora, finalmente, todos eles vão compreender o que estamos passando”, ou “agora, finalmente, eles vão ficar de nosso lado”.
Mas esta voz pequena é extremamente perigosa para nós. Ela pode facilmente nos levar a esquecer que, com ou sem fundamentalismo islâmico, com ou sem terrorismo árabe, nada justifica a duradoura ocupação e repressão da população palestina por Israel. Não temos nenhum direito de negar aos palestinos seu direito natural à autodeterminação.
Dois enormes oceanos não puderam proteger os EUA do terrorismo; a Cisjordânia e a Faixa de Gaza certamente não protegem Israel. Pelo contrário, dificultam e complicam nossa autodefesa. Quanto antes terminar essa ocupação, melhor será tanto para os ocupantes quanto para os ocupados.
Neste momento, é muito fácil e tentador cair em clichês racistas sobre a “mentalidade muçulmana”, o “caráter árabe” ou outras bobagens desse tipo.
O crime hediondo cometido contra Nova York e Washington vem nos lembrar, de maneira contundente, que esta não é uma guerra entre religiões nem uma luta entre países. É, mais uma vez, a batalha entre fanáticos, para quem os fins -sejam eles religiosos, nacionalistas ou ideológicos – santificam os meios, e o resto de nós, que atribuímos santidade à própria vida.
Apesar da manifestação repulsiva de alegria e comemoração vista em Gaza e Ramallah enquanto pessoas em Nova York ainda estavam sendo queimadas vivas, que nenhum ser humano decente se esqueça de que a imensa maioria dos árabes e outros muçulmanos não é cúmplice do crime nem se regozija com ele. Quase todos estão tão chocados e aflitos quanto o resto da humanidade.
Talvez eles até tenham algum motivo especial de preocupação, na medida em que alguns sons ameaçadores de sentimentos antiislâmicos indiscriminados já se fazem ouvir em alguns lugares. Tais manifestações não constituem reação apropriada a este crime – pelo contrário, elas servem aos propósitos daqueles que o perpetraram.
Lembremo-nos: nem o Ocidente, nem o islamismo, nem os árabes são o “Grande Satã”. O “Grande Satã” é personificado no ódio e no fanatismo.
Essas duas doenças mentais que vêm da Antiguidade ainda nos afligem hoje. Precisamos tomar muito cuidado para não deixar que nos contagiem.
[ por Amós Oz | publicado na Folha de São Paulo em 13|11|2001 | traduzido por Clara Allain ]
Em entrevista, Amós Oz diz que o conflito do século XXI é entre os fanáticos e nós
12|03|2016
No dia seguinte aos atentados cometidos por extremistas islâmicos em Paris, em novembro de 2015, o israelense Amós Oz fez uma conferência.
“O Estado Islâmico não é apenas um bando de assassinos, é uma ideia, nascida da raiva, do desespero e do fanatismo”, disse o escritor: “Pode-se usar a força para derrotar o Estado Islâmico, mas o vazio que a isso se seguirá deve ser preenchido com ideias melhores”.
A conferência abre o livro “Como curar um fanático” (Companhia das Letras, tradução de Paulo Geiger), que reúne mais quatro textos do autor publicados nos últimos dez anos. Neles, Oz fala sobre “ideias melhores” que podem enfraquecer o fanatismo: empatia, humor, arte, diálogo.
Logo depois dos atentados de 11 de setembro de 2001, nos EUA, o senhor disse que era surpreendente descobrir que depois do século XX vinha o século XI. O que pensou depois dos atentados de Paris, em novembro, quando fez a palestra que abre o livro?
Pensei que enfrentamos uma explosão de fanatismo, de ódio cego, de extremismo violento. O que vivemos neste início do século XXI não é um choque de civilizações, nem um conflito entre Ocidente e mundo árabe ou entre ricos e pobres. É um choque entre os fanáticos e o resto de nós. E há fanáticos de todos os tipos e inclinações políticas e religiosas.
O senhor diz que curiosidade e humor podem ser antídotos para o fanatismo. Como?
Nunca vi um fanático com senso de humor. Nem uma pessoa com senso de humor se tornar fanática, a não ser que perca a graça. Um fanático pode ser sarcástico, mas não tem a capacidade de rir de si mesmo, que é o melhor antídoto para o fanatismo. Curiosidade, empatia e compaixão são formas de se colocar no lugar do outro. O que não significa necessariamente aceitar o ponto de vista do outro, nem oferecer a outra face ao inimigo. Apenas imaginar: “e se eu fosse ele?”. Fanáticos nunca fazem isso. Fanáticos são pontos de exclamação ambulantes.
A literatura também pode ser um antídoto para o fanatismo?
Acredito que há um gene fanático dentro de cada ser humano, e a literatura pode ser um bom meio de combatê-lo. Quando escrevo, eu me pergunto: “E se eu fosse ele ou ela? O que sentiria? Como me comportaria?”. Quando escrevo ficção, tento me colocar no lugar do outro, às vezes de alguém de quem discordo completamente. Uma obra literária é um convite a imaginar o que pensa e sente a pessoa do outro lado do rio, a pessoa que está além da montanha, ou mesmo a pessoa que dorme ao seu lado na cama todas as noites.
No livro, o senhor diz que o fanatismo do Estado Islâmico não pode ser vencido só pela força, porque não se mata uma ideia. Como se vence uma ideia?
A História não é só um campo de batalhas de exércitos, é também um campo de batalha de ideias. E ideias nocivas são vencidas por ideias melhores, não só por armas. Fanáticos são pessoas desesperadas. Se oferecermos algum raio de vida e de esperança, alguma perspectiva, podemos suplantar uma ideia ruim com uma ideia melhor. No combate ao extremismo islâmico, os muçulmanos moderados têm um papel importante. Os moderados precisam apontar que os fanáticos têm uma interpretação equivocada do Islã. Sou visto pelos radicais como o inimigo, o demônio. Quando essa contestação vem de um muçulmano, tem mais impacto.
O livro traz um texto da época dos Acordos de Genebra de 2003, iniciativa de paz assinada por autoridades israelenses e palestinas que defendia a criação de dois Estados. No texto, o senhor dizia ver no horizonte um fim para o conflito. A solução está mais distante?
É difícil ser profeta nesta terra de profetas, a concorrência é muito grande. O que posso dizer é que não vejo alternativa melhor do que a solução de dois Estados, simplesmente porque árabes palestinos e judeus israelenses não vão a lugar algum, não têm para onde ir.
Esse conflito não vai ter final feliz. Ou vai acabar com um doloroso acordo ou com um banho de sangue eterno. A Solução de Dois Estados envolve uma série de concessões dolorosas para israelenses e palestinos. Os dois lados vão ter que abdicar de um pouco de seu passado e de suas aspirações.
O que pensa da permanência de assentamentos israelenses em territórios palestinos?
Desde o fim da Guerra dos Seis Dias, em 1967, digo que construir assentamentos em território palestino é um erro político e moral. Tinha 29 anos na época e continuo a achar que foi um grande erro. No entanto, hoje alguns assentamentos são populosos demais para serem simplesmente evacuados, então penso que, em alguns casos, seria preciso haver uma troca de territórios entre israelenses e palestinos. Sou a favor de basear os novos Estados de Israel e Palestina nas fronteiras de 1967, com algumas modificações mútuas.
No lugar do slogan “Faça amor, não faça guerra”, o senhor costuma dizer “Faça paz, não faça guerra”. Que tipo de pacifismo defende?
O oposto de guerra não é amor, é paz. No Ocidente, é comum a fantasia sentimental de que todo conflito no mundo é em essência apenas um mal-entendido. Bastaria um pouco de terapia de grupo para resolver tudo e deixar todos felizes. Mas não há mal-entendido algum entre judeus israelenses e árabes palestinos. Ambos querem ficar nesta terra e têm razões muito fortes para isso. Não é um mal-entendido, é uma tragédia. A saída é assumir compromissos e fazer concessões, e isso será doloroso para ambos os lados. Mas não há alternativa.
[ entrevista de Amós Oz por Guilherme Freitas | O Globo | 12|03|2016 ]
Amos Oz, escritor israelense, é autor, entre outros, de “O Mesmo Mar” (2001), “A Caixa Preta” (1993) e “Fima” (1996), e outras dezenas de livros ( ver AQUI), publicados no Brasil pela Companhia das Letras.
O autor dizia separar totalmente seus escritos de romance e ficção, espelhados em livros, da sua atividade política, refletida em artigos e ensaios contundentes, que conquistaram uma platéia cativa dos melhores veículos da imprensa israelense e internacional (leia artigos, resenhas e entrevistas em português AQUI).
O escritor, um dos fundadores do Movimento PAZ AGORA, foi seu porta-voz durante muito anos, e até hoje é uma das maiores referências morais e ideológicas do PAZ AGORA de Israel e dos Amigos do PAZ AGORA no Brasil e em países como Argentina, Canadá, Estados Unidos e França.