Como redescobrimos a nossa Nacionalidade e o nosso Poder
“É complicado”.
É assim que jornalistas, analistas e especialistas descrevem a agitação na Palestina e Israel. Suas linguagens permitem aos leitores que não levem em conta o assim chamado “conflito.” “É complicado”, eles podem dizer.
Mas, para os palestinos, isso não é tão complexo. É uma Ocupação. Uma Ocupação racista que – conforme a lei internacional, o Human Rights Watch e a ONG israelense líder em Direitos Humanos, B’tselem – constitui apartheid. Mesmo um quarto dos judeus norte-americanos concordam hoje com esta classificação.
Se houver alguma complexidade, ela está retratada nos mais simples pontos de referência visuais: cores.
As cores da carteira de identidade que cada um tem, que definem nossas vidas e quão restritas elas são.
Israel ainda não definiu oficialmente suas fronteiras físicas, mas desde 1967, o Estado dividiu formalmente o povo palestino geograficamente, emitindo um sistema discriminatório de carteiras de identidade [ID cards] com capas plásticas codificadas por cor.
Mas a cor da sua ID card não identifica apenas onde você mora. Ela tem o poder de controlar todo aspecto da sua vida, mesmo os mais íntimos: aonde você pode viajar e com quem pode encontrar, onde pode obter assistência médica, rezar, frequentar universidade e pedir emprego, por quem pode se apaixonar e iniciar uma família.
O sistema de ID card não é uma ferramenta de identificação para palestinos, mas sim para o poder ocupante. É uma ferramenta para monitorar e controlar cada aspecto da vida palestina. E é um sistema para enfraquecer e fragmentar nossa identidade comum como palestinos. Somos divididos pelas nossas experiências de vida, nossas diferenças de qualidade de vida e as liberdades limitadas que podemos gozar.
As forças de segurança da Ocupação e a Administração Civil podem identificar o status relativo de qualquer um por uma olhada na sua ID.
Leia mais (inglês)
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Há cinco cores: azul escuro para cidadãos israelenses judeus; azul claro para cidadãos israelenses palestinos; azul esverdeado para residentes árabes de Jerusalém Oriental; verde para palestinos residentes na Cisjordânia; e verde escuro para palestinos residentes na Faixa de Gaza.
Há também outras separações familiares: Entre palestinos vivendo em Jerusalém Oriental, Gaza e Cisjordânia. Cada qual vive sob autoridades diferentes. Jerusalemitas Orientais sob a autoridade de Israel, um Estado ao qual foram anexados pela força e onde não são representados. Os gazanos são governados pelo Hamas. Mas suas vidas são mais amplamente definidas pelo devastador bloqueio imposto por Israel.
Na Cisjordânia, são ainda subdivididos geograficamente entre as Áreas A, B e C. alguns nominalmente governados pela ditadura de facto da Autoridade Palestina, embora na realidade o controle militar de Israel seja proeminente, operando através de uma matriz diferente de políticas e práticas em cada Área.
As comunidades palestinas na Cisjordânia são divididas umas das outras pela expansão de assentamentos ilegais; um sistema rodoviário dividido (um para colonos e outro para palestinos) e também por checkpoints israelenses permanentes e também móveis, imprevisíveis.
Acrescente os palestinos que vivem em Israel. São os que ainda vivem dentro da Palestina histórica que se tornou o Estado de Israel em 1948. Embora considerados cidadãos israelenses, a ‘Lei do Estado-Nação Judeu’ de 2018 [Jewish Nation State Law] degradou oficialmente esses palestinos, sua língua e sua identidade nacional, num ato de violência simbólica que os tornou cidadãos de segunda classe.
Desde sua criação, Israel foi aprovando leis expressando a identidade judaica exclusiva do País. Em 1950, a Lei do Retorno garantiu cidadania automática a qualquer judeu que emigrasse para Israel. Embora haja centenas de milhares de palestinos vivendo na Diáspora, a maioria, por leis discriminatórias, não pode retornar às suas casas onde agora seja o Estado de Israel, ou ao território palestino ocupado.
E Israel assegurou que eles perderam seus direitos aos substanciais bens e propriedades que deixaram para trás. Aprovando a ‘Lei de Propriedade dos Ausentes’ [Absentee Property Law] em 1950, para servir como base legal para transferir propriedades para o Estado e regulamentar quem pode se beneficiar dessas propriedades.
Então, há os palestinos que vivem sob Ocupação israelense em Jerusalém Oriental, mas tecnicamente não tem Estado. Muitos mantiveram status de residentes, sem cidadania. Não podem votar nas eleições nacionais de Israel que decidem seu destino.
A despeito do esforço de décadas para dividir os palestinos, que muitos julgavam que iria fragilizar nossa identidade coletiva palestina, e de tentativas de ‘apagar’ a História palestina em favor de uma narrativa exclusivamente judia, nos últimos meses uma nova e unificada identidade palestina vem se afirmando.
Disparada pela lavagem étnica de famílias palestinas de Sheikh Jarrah [em Jerusalém Oriental], pelo comportamento repressivo e brutal das forças policiais de Israel na Praça do Portão de Damasco e da Mesquita de al Aqsa, e dos incessantes bombardeios de Gaza, jovens palestinos decidiram que – Basta!
Nem Israel, nem a Autoridade Palestina, nem o Hamas oferecem direitos ou justiça para os palestinos. Esta é a questão central em comum que está unificando os palestinos.
Nascemos e crescemos em Jerusalém. Por muitos anos, nos sentimos isolados e sujeitos a uma sensação geral de depressão. Fomos alvejados pela Ocupação de Israel, mas não tivemos uma liderança real. Não confiamos na Autoridade Palestina para lutar pelos nossos direitos: um fracasso corrupto de governança, ela não exerceu nenhum papel significativo em Jerusalém, desde que foi estabelecida.
Agora nos sentimos diferentes. De repente nos sentimos empoderados. Sentimos nossa responsabilidade por proteger a presença palestina em Jerusalém e pela Palestina histórica, juntamente com sua herança única muçulmana-cristã-judaica.
Sentimos, de forma palpável, a força da solidariedade quando palestinos em Israel, na Cisjordânia e na Jerusalém Oriental ocupada responderam a um chamado de greve geral. Gritamos nossas demandas por unidade, desfraldamos a bandeira palestina.
Redescobrimos nosso valor como povo e nosso poder. Temos a força de quatro milhões em Israel, onde contribuímos para a economia do país, como consumidores e como trabalhadores. Temos uma grande participação no setor médico, na indústria de construção, nos serviços turísticos e muito mais.
Foi uma longa correção. Por anos, a experiência palestina foi atomizada, como foi a nossa oposição à Ocupação, muitas vezes resumida à cor de nossas carteiras de identidade.
Agora, como palestinos, estamos redescobrindo nossas aspirações comuns, nosso objetivo comum de liberdade, rejeitando as fronteiras artificiais impostas e sustentadas pela força e pela discriminação. Enfrentaremos questões críticas e posições que teremos que navegar juntos: encontrar terrenos comuns entre culturas políticas, de islamistas a secularistas.
Mas aprendemos uma lição crítica dos duros eventos recentes. Não existe chance de mudança ou libertação a depender dos regimes e apparatchiks que estão investidos em nos oprimir.
A mudança deve vir de dentro de nós.
[ por George Zeidan e Miran Khwais | publicado no Haaretz | 18|07|21 | traduzido pelo PAZ AGORA|BR ]
George Zeidan é co-fundador do Right to Movement Palestine, uma iniciativa para illustrar a realidade da vida palestina através dos esportes. Premiado pela Fundação Fulbright com um mestrado na Price School of Public Policy, University of Southern California, ele dirige uma ONG humanitária internacional. Cresceu na Cidade Velha de Jerusalém. Twitter: @gjzeidan
Miran Khwais é candidata a PhD em Engenharia de Transportes no Technion – Instituto de Tecnologia de Israel, de onde já tem os títulos de graduação e mestrado.