HAREDIM – NÃO OS ÁRABES OU O IRÃ – SÃO A MAIOR AMEAÇA A ISRAEL
A nova liderança israelense se autodenomina como “Governo da Mudança” porque o veterano Benjamin Netaniahu foi finalmente afastado. Mas suas disparidades ideológicas arriscam bloquear as mudanças reais necessárias, inclusive a ameaça primária que o país enfrenta, na forma como está constituído atualmente.
Não são os palestinos, apesar de sua importância, nem o mundo árabe e nem mesmo o Irã. O maior perigo vem de dentro: o ‘estado Haredi’ dentro do Estado, que se expande rapidamente, cuja dinâmica atual não pode continuar sem que encerre seu frágil período como uma democracia no estilo ocidental, com uma renda per capita que rivaliza com a França e a Grã-Bretanha.
Como sabemos, os Haredim se agarram a uma rígida interpretação do Judaísmo que tolera minimamente desvios da tradição antiga. Eles estão nos EUA, na Bélgica, na Grã-Bretanha e outros lugares, sempre formando comunidades uniformes, mas somente em Israel existe uma barreira de proteção tóxica entre eles e seus co-cidadãos.
Isso pode ser atribuído à decisão de Ben-Gurion, há 70 anos, de conceder isenção de serviço militar aos estudantes de yeshivot (academias de estudos religiosos N.T.). Naquela época isso se aplicava a algumas centenas de estudiosos genuínos.
Esse mecanismo converteu o estudo da Torah indiscutivelmente em uma obsessão sem precedente, na qual todos os homens Haredim são empurrados para uma vida nos seminários, primeiro para evitar o alistamento militar e então essencialmente como uma fonte de assistência social. Enquanto os outros estudantes de universidades pagam pela faculdade, os Haredim recebem mesadas pelo tempo que estudarem, se possível a vida inteira. Mais de 150.000 homens que estão agora nesses seminários são doutrinados na crença de que constrição e os rabinos se sobrepõem às leis e as autoridades do Estado.
Para manter a insularidade, muitos jovens Haredim são enviados para escolas que ensinam pouco ou nada de matemática, ciências e inglês. Recentemente, um dos Rabinos-chefes de Israel, que é Haredi, chamou esses estudos de assuntos seculares de “besteira”. Israel financia essas escolas apesar desses infelizes alunos serem essencialmente não empregáveis em uma economia moderna.
Como consequência, menos da metade dos homens Haredim fazem parte da força de trabalho, o menor nível de participação entre os grupos identificáveis em Israel – e, significativamente, muito menos do que os Haredim de outros países. A minoria que sim trabalha, tende a preencher a vasta burocracia religiosa que inclui supervisores dos banhos rituais (mikve), certificação de alimentação kasher e outras burocracias.
As mulheres da comunidade são excluídas das listas de candidatos dos partidos Haredim e encorajadas a procriar com tal vigor que em média produzem 7,1 crianças – muito mais do que em qualquer grupo identificável em Israel. Eles vivem em uma pobreza considerada minimamente tolerável através de subsídios governamentais para cada criança às custas dos israelenses que trabalham. Assim, a comunidade duplica de tamanho a cada 16 anos, quatro vezes a taxa do resto de Israel. Os Haredim cresceram para 12% da população de 9,5 milhões – quase 20% dos judeus do país. A menos que algo mude – e a taxa de atrito está estimada em menos de 5% – eles constituirão a maioria dos judeus de Israel em poucas décadas.
Claramente, essa estrutura econômica pode perfeitamente colapsar e os Haredim terão que trabalhar. Talvez os Haredim possam despertar e mudar seu caminho. Mas é difícil ver que isso possa acontecer suficientemente rápido para a sobrevivência da “Nação Startup”, que é líder mundial em ciber-tecnologia, agro-tecnologia e capital de risco, tem quantidade desproporcional de Prêmios Nobel e exportação de formatos de televisão, é líder global em direitos gays e descriminalização da canabis e desenvolveu o Domo de Ferro para interceptar foguetes nos céus. Sem dúvida é difícil ver um Israel assim (com maioria Haredi) convencendo os seculares a permanecer. As pessoas responsáveis por tudo o citado acima provavelmente irão embora e levarão com eles suas habilidades em inovação global.
As tensões há muito estão altas por causa das gigantescas isenções de serviço militar, um foco de conflito amplificado pelo quase uniforme apoio dos Haredim à direita (o que é irônico já que os Haredim desde cedo se opõem ao Sionismo). Muitos veem isso como uma perpetuação do conflito no qual eles se recusam a lutar (são também uma parcela desproporcional dos colonos na Cisjordânia).
A crise do COVID-19 aumentou ainda mais a temperatura, quando uma considerável parcela da população Haredi se recusou a fechar escolas e encerrar as grandes concentrações de pessoas nas rezas, casamentos e funerais, terminando com taxas espetacularmente altas de infecção (pioradas pela superpopulada condição de vida) que contribuíram para que Israel fosse o líder mundial em dias de lockdown em 2020. Netaniahu recusou a pressão dos especialistas para fazer lockdown seletivo, por medo de desagradar aos Haredim. Reportes ocasionais de segregação de gênero por parte de Haredim ou a proibição de mulheres cantando em público nos lugares onde ganham controle, causam ainda mais ansiedade, bem como a interferência Haredi nos transportes públicos e comércio no Shabat.
É em deferência aos Haredim que Israel continua a permitir o monopólio das religiões sobre o casamento formal, concedendo ao Judaísmo Ortodoxo com seu enfoque restritivo, autoridade sobre conversões. Por isso, muitos imigrantes de idioma russo não são reconhecidos como judeus e casais mistos em geral são levados ao absurdo de ter que viajar ao exterior para se casar.
Todo esse arranjo é consentido e financiado pela maioria não-Haredi de Israel, cujo estilo de vida eles querem destruir através da taxa de natalidade. Em parte por medo de serem considerados intolerantes – um problema clássico quando liberais lidam com não liberalismo.
Pode ser que Israel encontre uma maneira de refazer seu acordo com os Haredim, obrigando um currículo central de estudos, acabando com os salários dos estudantes das yeshivot, diminuindo os subsídios por criança, cancelando as isenções de alistamento militar e ignorando a vontade deles em matérias de casamento, conversão e shabat (certamente em áreas seculares).
É até concebível que isso possa acontecer no âmbito do Governo da Mudança, que não depende dos partidos Haredim. Os partidos de direita na coalizão – incluindo o Yamina do Primeiro-ministro Naftali Bennett – têm membros religiosos, mas estes são pessoas religiosas mais modernas, como o próprio Bennett, que podem querer resgatar o Judaísmo das mãos dos Haredim.
Para os partidos de direita se juntarem à centro-esquerda para conter a atual marcha suicida, terão que abandonar qualquer esperança de formar no futuro um governo uniformemente de direita – porque a direita não pode mobilizar mais do que talvez 40% das cadeiras da Knesset sem os Haredim.
Isso significa que o destino de Israel depende dos palestinos. Se Israel e os palestinos encontrarem um meio de alcançar a paz (ou pelo menos neutralizar o conflito), um assunto crítico que dá significado à direita em Israel desaparecerá.
Se não encontrarem, então a direita poderá não encontrar jamais a coragem para romper decididamente com o seu flanco Haredi.
Quem quer que se preocupe com a sobrevivência de Israel, tem portanto uma segunda razão para desejar a paz.
[ por Dan Perry | publicado no Jerusalem Post em 05|07|21 | traduzido por José Manasseh Zaguri ]