Hamas vota em Netanyahu
12 de maio de 2021
Nas últimas 48 horas, o Hamas já atirou mais de mil foguetes contra Israel e balões incendiários nos campos adjacentes a Gaza. Não são mais apenas Sderot ou Ashkelon que são os objetivos desses ataques, mas Jerusalém e o centro do país, até cidades costeiras como Raanana. O número de mortos neste momento já é de 6 e várias dezenas de feridos em Israel.
Antes de qualquer análise da situação, primeiro afirmamos nosso total apoio a Israel e seu povo, que estão sendo bombardeados desde Gaza. Israel tem o direito de defender o seu povo. E lamentamos todas as baixas civis – israelenses e palestinas – desta nova rodada de violência.
Por que esse incêndio agora? Há, como sempre no Oriente Médio, várias níveis na leitura dos eventos. Provavelmente são todos justos, mas alguns são mais decisivos que outros.
Primeira camada: Esta é uma reação a semanas de provocações de grupos extremistas judeus, liderados pelo recém-eleito deputado kahanista ao Knesset, Itamar Ben Gvir, que veio apoiar planos para despejar 13 famílias palestinas – ou mais de 300 pessoas – do bairro do Sheikh Jarrah (localizado em Jerusalém Oriental).
Todos são descendentes dos refugiados de 1948, que abandonaram suas propriedades no oeste, e que haviam sido realojados pelos jordanianos em 1952 em casas de propriedade de judeus antes de 1948.
Esses planos de despejo são antigos. Já em 2008, várias famílias foram despejadas sob uma lei aprovada no Knesset em 1970, permitindo que os judeus iniciassem processos para recuperar bens perdidos em 1948. E desde então, todas as sextas-feiras, houve manifestações envolvendo judeus e árabes para se opor às expulsões contínuas, que até agora conseguiram bloquear.
A Suprema Corte, pressionada pelos palestinos, decidiu adiar sua decisão sobre a validade dos novos procedimentos de expulsão.
Esta provocação dos extremistas judeus ocorreu durante o período do Ramadã, e as forças de segurança contribuíram para a mobilização dos palestinos, proibindo-os de se reunirem à noite, como foi o caso em anos anteriores, em frente à esplanada do Portão de Damasco, após a quebra do jejum ritual. As forças de segurança israelenses entraram em confronto com manifestantes palestinos, perseguindo-os até a Esplanada das Mesquitas e até mesmo na Mesquita de El Aqsa.
As imagens de confrontos entre as forças policiais israelenses e jovens palestinos neste local sagrado para os muçulmanos produziram o efeito desejado.
Os árabes israelenses, por sua vez, se mobilizaram, e queriam se juntar à Cidade Santa. A polícia os impediu de fazê-lo bloqueando estradas, pensando que reduziriam as tensões. Essa ação desajeitada teve o efeito oposto e só aumentou a ira dos manifestantes, que nas últimas horas se transformou em tumultos em cidades mistas, como Lod ou Acco, onde houve cenas de guerra civil entre as comunidades, com queima de carros e sinagogas e tentativas de linchamento de civis.
Tais imagens eram impensáveis nesse exato momento, quando todo o país ainda estava elogiando as equipes de assistência médico-hospitalar de judeus e árabes, cujo compromisso conjunto ajudara a derrotar a pandemia.
Segunda camada: Desde a decisão de Mahmoud Abbas de adiar as eleições palestinas marcadas para junho (sob o pretexto da recusa de Israel em instalar urnas em Jerusalém Oriental para permitir a organização do voto para seus habitantes), o Hamas, para quem as pesquisas previam uma vitória, sentiu-se enganado. Ao tomar a iniciativa de lançar centenas de foguetes para Israel em apoio aos palestinos em Jerusalém, ele mostra tanto sua capacidade militar, quanto sua disposição de se apresentar como o “melhor defensor” da causa palestina.
Terceira camada: Todo esse fogo está ardendo em um momento histórico em que, pela primeira vez desde 1948, um partido árabe, Raam, liderado por Mansour Abbas, está finalizando um acordo para apoiar a criação de um governo composto por todos os partidos de oposição a Netanyahu – um governo Lapid-Bennett que iria do Meretz à esquerda até o Yamina à direita.
Essa onda de tensões entre judeus e árabes dentro de Israel, e entre palestinos e israelenses, tornará difícil, se durar, continuar nessas negociações e pode levar ao rompimento da coalizão anti-Bibi, pressionando alguns dos deputados dos partidos de direita a deixá-la.
Se esse cenário acontecer, haveria dois vencedores. Netanyahu, que permaneceria no poder até uma quinta rodada de votação onde poderia esperar recuperar uma maioria que lhe daria imunidade para escapar da justiça. E, como segundo vencedor, o Hamas, que assim fortaleceria, entre a população palestina, um poder de que foi privado pela anulação das eleições.
Esta aliança objetiva entre esses dois “vencedores” não deve nos surpreender.
É uma continuação da política seguida por Netanyahu e Likud, que há anos optaram por fortalecer o Hamas – permitindo que malas de dólares do Catar entrassem em Gaza – e não para a Fatah e a Autoridade Palestina, com quem não realizaram nenhuma negociação.
Seja qual for a camada de leitura desses eventos, devemos propor, antes que este confronto degenere ainda mais, uma perspectiva de saída da crise. A experiência de confrontos anteriores entre Israel e o Hamas mostrou que não há solução militar para este conflito. É hora, de ambos os lados, de sair dessa lógica de força onde, a cada poucos anos. Estamos testemunhando uma nova explosão de violência onde os civis são os primeiros a pagar o preço. É preciso voltar às negociações.
A maioria dos israelenses – que por quatro vezes negaram a Netanyahu uma maioria – deve ser capaz de se beneficiar de um novo governo ao qual aspiram. Seu principal mandato será reconciliar os vários componentes da sua população, especialmente os judeus e árabes de Israel. Se sua heterogeneidade talvez dificulte iniciar negociações com os palestinos, ela pode trabalhar para reduzir as tensões, restaurando o clima político impulsionado na região pelos acordos recentes com vários países árabes.
[ publicado pelo J-Call(*) em 12|05|21 | J-Call é o Movimento de Judeus Progressistas na Europa, parceiro da J-AmLat ]