“Nunca tinha visto tanta violência e brutalidade entre judeus e árabes”. David Grossman à espera das sirenes de Jerusalém.
O escritor israelense David Grossman concedeu nesta sexta-feira uma entrevista ao jornal “La Tercera”, do Chile, e não pôde só falar de literatura. Estava na sua casa, a 20 km da cidade santa, atento às sirenes e aos foguetes lançados desde Gaza pelo Hamas. Por ser um pacifista convicto, e por nunca se ter furtado de o dizer, discorreu longamente sobre a realidade que se vive no seu país
“Estamos, a todo momento, à espera da próxima sirene ou do próximo míssil, e é provável que, para si, esta seja a sua primeira entrevista sob fogo. Mas estou bem”, dizia o escritor à jornalista Paula Escobar. “É muito natural entender o medo das pessoas e a incapacidade de falar e de se manterem em paz com os seus inimigos. Mas este medo é destrutivo, porque as pessoas passaram toda a sua vida em guerra, e tendem a votar e a eleger guerreiros para as liderarem. E estes líderes condenam-nas de novo, enviando-as para a guerra. É uma máquina perpétua e todos pagamos o preço”, analisou Grossman sobre a situação israelense.
“O que tento recordar a mim mesmo, e às pessoas aqui em Israel, é que tudo isto existe para termos uma vida de paz. Nunca tive um dia de paz na minha vida, não sei o que é a paz. Imagino que seja respirar com ambos os pulmões, ou como viver a vida sem medo do futuro, sabendo que vais ter uma sequência de filhos e de netos que irão viver com segurança e confiança. Sentimo-nos orgulhosos ao dizer que somos um país democrático e que somos a única democracia no Médio Oriente. Mas, honestamente, se ocupamos territórios e praticamos a opressão durante 53 anos, como o fazemos com os palestinos, podemos realmente ser considerados uma democracia?”, questiona.
O escritor de 67 anos, que há 14 perdeu um filho na guerra contra o Líbano, referiu-se ao movimento perpétuo de uma guerra que não cessa e que está sempre latente: “Há por vezes períodos de remissão, mas nunca existe verdadeira quietude ou calma, porque todas as guerras podem rebentar de um minuto para o outro. Todas as últimas começaram assim, e posso dizer-lhe que isso tem um efeito devastador, porque nada se sente como certo. Quando vês ou experimentas alguns dias ou semanas de tranquilidade, de imediato suspeitas que é uma ilusão. Sentes sempre que a guerra é o estado mental correto e que a paz é ilusória… E cair na tentação de ouvir aqueles que advogam a paz pode desarmar-te, pode deixar-te indefeso.”
O problema, diz David Grossman, International Booker Prize em 2017 e frequente candidato ao Nobel, é que Israel conseguiu alguns “milagres” nos campos da indústria, da agricultura, da tecnologia ou da cultura, mas isso, enquanto sociedade, “não é suficiente”. Se não houver paz, “não poderemos explorar a vida em todas as suas dimensões”. O mesmo acontece se os palestinos não a tiverem: “Se os palestinos não tiverem um lar, nós também não o deveríamos ter. E se não nos sentimos em casa, eles não irão ter uma. Portanto, dependemos uns dos outros e estamos entrelaçados. E agora estamos a destruir-nos e vemos como cada facção mostra o lado mais escuro face à outra. De repente, vês vizinhos se atacarem com absoluto ódio e brutalidade.”
O ódio é o saldo mais preocupante do confronto que acabou de acontecer, afirma o autor. “A minha preocupação centra-se no que irá se passar dentro de Israel. Nunca tinha visto algo igual, tanta violência e brutalidade entre judeus e árabes. Temos uma minoria de 1/5 de palestinos que ficaram presos ao Estado de Israel após o resultado da guerra de 1948. Ao longo dos anos, passo a passo, existiram sintomas de recuo da animosidade. Cada vez se viam mais árabes israelenses envolvidos na vida de Israel, a aprender o hebraico, a desfrutar da democracia e da liberdade de expressão. São representados no Parlamento por membros muito talentosos.”