“Apartheid”: Qual o impacto da acusação do Human Rights Watch a Israel?
Quem acompanha o conflito entre israelenses e palestinos, sabe que existe uma tríade na qual Israel não pode ser ao mesmo tempo judaico, democrático e ter todo o território.
Para ter uma maioria judaica e ser democrático, é necessário que haja um Estado palestino na Cisjordânia e na Faixa de Gaza. Caso queira ter todo o território e continuar uma democracia, Israel teria de conceder cidadania a todos os palestinos dos territórios (solução de um Estado). A terceira alternativa seria manter um Estado judaico e em todo o território, o que implicaria um Estado de Apartheid.
Em um relatório publicado nesta terça, o Human Rights Watch, que talvez seja a mais reconhecida entidade de direitos humanos do mundo, acusou Israel de já implementar uma política de Apartheid e de perseguição aos palestinos, no que seriam crimes contra a humanidade. Trata-se de uma acusação fortíssima a Israel, que sempre buscou se mostrar como a nação mais democrática do Oriente Médio, onde todos os demais países, com a exceção do Líbano, são governados por ditaduras (o Líbano tem um complexo sistema sectário).
Para maior detalhes sobre o relatório do Human Rights Watch, recomendo a leitura neste link (veja o filme ao final. Israel respondeu afirmando que o relatório do grupo defensor dos direitos humanos é falso e ainda acusou a entidade de adotar uma agenda anti-israelense e promover boicotes ao país.
No caso de Israel e Palestina, a discussão sobre esta questão será eterna, com diferentes pontos de vista. O certo, no entanto, é que, Benjamin Netanyahu não se importará muito com a acusação do Human Rights Watch. Sua preocupação neste momento é lidar com seus processos por corrupção na Justiça israelense e tentar formar uma nova coalizão de governo.
Esta postura de Netanyahu tende a satisfazer uma parcela da população israelense. Mas Israel precisa reavivar o campo pró-paz, que chegou a ser dominante nos anos 1990. Pouco antes da pandemia, almocei em Nova York com Yossi Beilin, um dos arquitetos dos acordos de Oslo. É um israelense de um tempo em que ainda se podia sonhar com a paz. Quando Israel era liderado por figuras como Yitzhak Rabin, engajados em negociações com os palestinos. De um tempo que dá saudades. Sem pessoas pensando assim, no lado israelense, será extremamente complicado resolver o conflito. Claro, no campo palestino, é necessária uma renovação da liderança, com novas vozes dispostas a conversar. O Hamas é uma organização terrorista e o presidente Mahmoud Abbas, do Fatah, está mais do que ultrapassado — abordarei em detalhes a política palestina em outro post.
Infelizmente, não creio que uma coisa nem outra tende a acontecer. Israel deu uma guinada para a direita e simplesmente os incentivos para fazer concessões aos palestinos são muito baixos. No lado palestino, há uma fragmentação política e risco de as eleições marcadas para este ano serem adiadas. A tendência é a manutenção do status quo, sem a criação de um Estado palestino.
Sou defensor de uma solução de dois Estados. A Palestina seria na Cisjordânia, com o fim da ocupação, e na Faixa de Gaza, com o fim do bloqueio. Jerusalém seria uma municipalidade unificada, continuando como capital de Israel. A sede da Presidência palestina seria na parte Oriental da cidade, com a administração seguindo em Ramallah. Os habitantes de Jerusalém Oriental poderiam optar por qual nacionalidade quisessem. Os principais blocos de assentamento próximos à fronteira pré-1967, como Ma’ale Adumim, ficariam sob soberania israelense. Os assentamentos dentro da Cisjordânia passariam para a soberania palestina, com seus habitantes judeus tendo direito à cidadania palestina ou podendo viver como residentes com a cidadania israelense. O Estado palestino poderia ser desmilitarizado nos moldes da Costa Rica, com uma bem treinada força policial. Os refugiados poderiam voltar para o futuro Estado.
Neste cenário, tenham certeza, Israel seria uma das democracias mais admiradas do mundo, sem acusações de ser Apartheid. Os palestinos teriam a sua nação, que poderia ter todos os incentivos para ser democrática. Enfim, não custa sonhar. Admiro pessoas como Yossi Beilin, um verdadeiro defensor da paz.
[ por Guga Chacra | 27|04|2021 – O GLOBO ]