Alguns dos 250 armênios que se armaram contra o cerco turco de Musa Dagh em 1915
Como os combatentes armênios do ‘Musa Dagh’ em 1915 inspiraram a resistência dos judeus ao genocídio nazista
Quando combatentes judeus nos guetos construídos por nazistas procuravam inspiração para resistir à deportação para os campos de extermínio, voltaram-se para um romance baseado em fatos sobre o genocídio armênio.
Escrito por Franz Werfel, nascido em Praga “Os Quarenta Dias de Musa Dagh” estava sob medida para os anseios dos resistentes. A novela, publicada em 1933, ficcionalizou o cerco de Musa Dagh — expressão turca para “Monte Moisés” – onde 250 combatentes armênios resistiram a forças turco-otomanas por quase dois meses em 1915.
Desde então, o governo turco negou que um genocídio tivera lugar durante a 1ª Guerra Mundial. Nesta semana, o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden reconheceu oficialmente o assassinato de até 1.500.000 armênios por forças turco-otomanas como um genocídio. Israel ainda não fez o mesmo.
Embora os combatentes armênios tenham resistido no Musa Dagh por 53 dias, Werfel fez o cerco durar 40 dias para se referir ao Velho Testamento. A novela publicada em alemão levou o genocídio armênio à atenção de milhões de pessoas em todo mundo, ajudando a levantar fundos significativos para os refugiados.
“Ser armênio é uma impossibilidade”, conforme uma antiga citação armênia incluídda por Werfel no “Musa Dagh.”
‘Os Quarenta Dias do Musa Dagh,’ foi publicado inicialmente em 1933
Seis anos após o romance ser publicado, a Alemanha nazista começou a conquistar a Europa. Quase instantaneamente, cópias do “0s Quarenta Dias de Musa Dagh” espalharam-se como fogo selvagem entre jovens, alguns dos quais se encontravam em circunstâncias similares àquelas enfrentadas pelos armênios na guerra anterior.
Sob a capa da primeira guerra mundial, o exército otomano realizou numerosos massacres de armênios a partir de 1915. Além de matanças ao ar livre, milhares de armênios foram colocados em barcos que foram imersos no Mar Negro.
As primeiras marchas da morte a serem filmadas e fotografadas foram de forças otomanas dirigindo civis armênios em direção ao deserto sírio de Deir Zor. Os anciãos e doentes que não conseguiam ficar de pé eram baleados. Milhares de pessoas foram empurradas em penhascos, e crianças eram regularmente sequestradas por tribos hostis.
Décadas depois dos massacres, para judeus aprisionados em guetos, as atrocidades armênias ressoavam com as histórias trazidas de comunidades judias da Europa Oriental.
Como a novela era devorada em dezenas de guetos, milhares de judeus se determinaram a tomar o assunto em suas próprias mãos, quando o tempo certo chegasse.
‘Nós comparamos o destino deles ao nosso’
No gueto de Varsóvia, “0s Quarenta Dias de Musa Dagh” era o livro mais popular em circulação. Quando os resistentes judeus decidiram revidar no gueto de Bialystok, eles falaram do momento ‘Musa Dagh’ do gueto ao planejar a ação.
“Só uma coisa nos resta: organizar a resistência coletiva no gueto, a todo custo; considerar o gueto o nosso ‘Musa Dagh’ — escrever um capítulo orgulhoso do Bialystok judeu e nosso movimento na História, “escreveu Mordechai Tannenbaum. “Se você ler [o livro de Werfel], você lembrará dele pelo resto da sua vida”, disse Tannenbaum.
Para Tannenbaum e outros fãs do “Musa Dagh,” não era difícil empatizar com a experiência histórica dos armênios. Por séculos, armênios cristãos foram perseguidos por seus “país hospedeiro” – o Império Turco-Otomano – e barrados dos serviços civil e militar.
Quando alguns armênios se agitaram por direitos iguais no fim do século XIX, milhares de civis foram massacrados em resposta. Não diversamente da experiência dos judeus na Europa, os armênios eram vistos como uma “quinta coluna” no evento de guerra, o que se tornava uma “justificação” para o genocídio pelas autoridades.
No gueto de Vilna, na Lituânia, “0s Quarenta Dias de Musa Dagh” era o livro mais popular em circulação, reportou o livreiro Herman Kruk. Resistentes judeus tentando fugira do gueto para se unir a unidades de partisãos “passavam o livro de mão em não”, conforme os relatos.
Escrevendo do seu gueto sobre a popularidade da novela, a combatente de resistência Haika Grosman escreveu que o massacre dos armênios, “na ampla visão do mundo inteiro, lembrava-nos do nosso destino”.
“Os armênios passavam fome até morrer, eram baleados, afogados, torturados à exaustão”, escreveu Grosman. “Nós compramos o destino deles ao nosso, a indiferença do mundo ao seu sofrimento e o completo abandono das pessoas pobres nas mãos de um regime bárbaro e tirânico”.
Através da Europa Oriental, resistentes judus usavam o termo “organizar um Musa Dagh.” O historiador do gueto de Varsóvia Emanuel Ringelblum divagou num estudo, “O que, o mundo perguntará, as pessoas pensavam em um Musa Dagh?” Assim como na Holanda a resistência apontava para a tremenda popularidade da novela entre resistente ao nazismo de toda parte.
Pungentemente, o diretor do orfanato do Gueto de Varsóvia, Dr. Janusz Korczak falou com sua equipe sobre o livro em 1941, incluindo um capítulo onde um pastor abandona suas crianças para se salvar. Prometendo nunca abandonar suas tarefas, Korczak manteve sua promessa quando recusou ofertas para se esconder na Varsóvia ariana, em vez de acompanhar suas crianças para o campo de extermínio de Treblinka.
Similarmente à Revolta do Gueto de Varsóvia, no Holocausto, a sina dos armênios tomou as manchetes do mundo, quase em tempo real. O The New York Times, por exemplo, publicou 145 artigos sobre o massacre em 1915, e o presidente americano Teddy Roosevelt chamou o genocídio armênio de “o maior crime da guerra.”
Embora ele tenha servido no Exército Áustro-Húngaro durante a 1ª Guerra Mundial, Werfel aprendeu ainda mais sobre a perseguição durante a guerra numa excursão ao Oriente Médio em 1930. Algumas das suas impressões foram introduzidas no “Musa Dagh,” incluindo a “banalidade” de burocratas encarregados de perpetrar o genocídio.
“A luta de cinco mil pessoas no Musa Dagh me fascinou tanto que resolvi ajudar o povo armênio escrevendo sobre ele e levando-o ao mundo”, disse Werfel, que continuamente revisou seu livro até a publicação, em parte para evocar a ameaça nazista emergente.
‘O Plano Musa Dagh’
Os judeus aprisionados nos guetos da Europa ocupada pelos nazistas não foram os únicos que se inspiraram no “The Forty Days of Musa Dagh.”
No Israel pré-Estado, líderes judeus se prepararam ativamente para a perspectiva de uma invasão alemã. O plano de defesa concebido para criar uma fortaleza como Masa no topo do Monte Carmel, onde combatentes judeus poderiam se retirar para uma “última posição” contra as forças alemãs.
Embora esse plano seja amplamente lembrado como “O Plano Masada” ou “Plano Carmel,” também foi referido como o “Plano Musa Dagh.” Por meses, a área em torno de Haifa estocou armas e suprimentos para resistir a um cerco alemão. Fortificações foram construídas.
“[Nós] transformaremos Carmel na Musa Dagh dos judeus palestinos”, disse Meri Batz, um dos organizadores do plano que lera a novela de Werfel. “Pusemos nossa fé no poder da ‘Musa Dagh’ judia e estávamos determinados a defender a posição por pelo menos 3 a 4 meses”, disse Batz.
Mas o ataque turco-otomano a Musa Dagh não terminou como Masada: Navios da marinha francesa conseguiram evacuar 4.200 armênios para o Egito. Durante a resistência de 53 dias na montanha, 18 combatentes armênios foram mortos.
Conforme historiadores, partes da novela eram estranhamente proféticas com respeito ao iminente Holocausto. Por exemplo, “campos de concentração” são descritos com fumaça se desprendendo da floresta.
“O leitor desta novela extraordinária terá dificuldade em acreditar que o livro foi escrito antes do Holocausto,” escreveu o historiador Yair Auron, que é crítico da recusa pelo governo de Israel de reconhecer o genocídio armênio.
“Retrospectivamente, o livro parece quase uma estranha reprodução de aspectos do posterior Holocausto nazista, no qual pereceram os judeus da Europa”, escreveu Auron.
[ publicado no Times of Israel | 26|04|2021 | traduzido pelo PAZ AGORA|BR ]
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