A consolidação de Israel como Estado Binacional é Irreversível?
A sociedade israelense é um exemplo de negações e contradições. As sondagens de intenção de voto com vista às eleições previstas para a próxima semana nos brindam uma imagem exemplar. Um fenômeno inusitado se repete em dezenas destes projctos de apalpar o pulso político da sociedade. Enquanto uma clara e significativa maioria aposta em Netanyahu como o candidato preferido para a função de primeiro-ministro, uma maioria muito maior, assinala a falta de veracidade de suas afirmações públicas. Ou sje, o vêem como mentiroso.
Esta problemática conduta não é o único exemplo. A sociedade israelense, principalmente seu componente judeu que conduz o Estado por meio dos representantes que elege, convive com uma contradição muito mais significativa, e talvez trágica para seu futuro. De todas as propostas para solucionar o conflito palestino-israelense, a que maior oposição mobiliza nesse componente da sociedade israelense é a constituição de um Estado para os Dois Povos em todo o território desde o Rio Jordán até o Mediterrâneo. Os repetidos processos eleitorais das últimas décadas demostraram que uma ampla maioria apóia a formação de coalizões políticas cujas políticas a respeito do conflito palestino-israelense fomentam o progresso, lento mas paulatino, na consolidação de fatos e condições irreversíveis que conduzem justamente à constituição desse Estado Binacional.
Analisando as posições ideológicas dos componentes do Knesset de Israel, que em sua base projetam a visão a respeito do conflito com os palestinos, 50% claramente apoia o projeto da “Grande Israel, enquanto 35%, dos partidos considerados de centro, está muito cômoda com a continuidade da situação atual (conversações sem resolver nada – status quo). Este 85% vive na negação e supõe que a população palestina da região irá virar fumaça por alguma mágica em algum momento. Só uma pequena minoria de 15% do eleitorado de Israel sustena a necessidade de desmantelar as colonias para permitir a solução de Dois Estados.
Os palestinos aprenderam com seu erro de 1948. Hoje não se movem do lugar, por mais que tenham que viver sob um regime de apartheid imposto por Israel na Cisjordânia. Em Jerusalém sabem muito bem que todos os planos de limpeza étnica estão destinados a fracassar. O passado já o demonstrou (“Yohanan y la limpieza étnica” D. Kupervaser, 18-2-2016).
A criação de um Estado Palestino independente na Cisjordânia não é mais que uma fantasia que hoje já é história. Seria um grande erro desentender-se da realidade que, tanto no lado israelense como no palestino, convive com grupos extremistas que defendem o principio do “tudo ou nada” e expressam suas posições com mensagens dissuasivas e geralmente violentas.
Os palestinos tem os grupos do Hamas e Jihad e em Israel os grupos extremistas dentro dos colonos e seus partidários. A frustração das negociações anteriores por meio dos ataques com bombas suicidas do Hamas e o assassinato de Rabin são um bom exemplo. Estes grupos não duvidarão em frustrar e inclusive sabotar qualquer esforço para firmar um acordo baseado no princípio de Dois Estados, em particular, para implementá-lo. Enquanto ambas as partes não reprimirem esses grupos, não existe a mínima possibilidade de alcançar e cumprir nenhum acordo político razoável entre as partes. Não se necesita ser um grande especialista para comprovar que justamente estes setores são os que diariamente incrementam seu pode na política interna de cada lado.
A solução do conflito palestino-israelense com base na fórmula de Dois Estados independentes e a colonização judia na Cisjordânia são uma antinomia básica irresolúvel. O exemplo mais recete é o “plano de paz do século” de Trump, baseado nesse princípios e levando em conta as colonias israelenses, Resultado: os palestinos o rechaçaram de imediato e Netanyahu, como bom comerciante, quis receber o presente (anexação de territórios da Cisjordânia), mas se negou a pagar o preço básico do negócio (Estado Palestino no restante dos territórios da Cisjordânia e cessão do Neguev israelense ao novo Estado Palestino).
A única possibilidade, ainda que muito teórica, de criar condições mais ou menos aceitáveis por ambas as partes para solucionar o conflito, poderia surgir de um drástico câmbio na posição da administração em Washington. Este caminho só seria factível se aeliderança americana retirasse seu histórico servilismo a Israel. Por um lado, acentuar a ilegalidade da colonização israelense na Cisjordânia, mas, paralelamente financiá-las e defendê-la no mundo. Na prática se trata de uma fantasia. Seria mais que irrazoável supor que esta liderança esteja disposta a perder a fonte mais importante de financiamento de suas campanhas eleitorais, que provem de magnatas judeus.
A dinâmica da consolidação de Israel como Estado Binacional já está em marcha e não se visualiza nenhum retorno. Hoje, todo o território do Rio Jordão ao Mediterrâneo já está sob controle israelense de segurança, fronteiras, aduanas, moeda, registro de população, impostos e outras características de um Estado independente. A isto se deve agregar a canastra de resoluções que os partidos expansionistas, apesar da oposição estadunidense, se propõem a implementar a partir do novo governo a formar. A limitada autonomia dos palestinos não modifica básicamente a existência de um estado único. Resta que a Autoridade Palestina abandone suas funções atuais para dedicar-se só a exigir cidadania israelense para sua população na Cisjordânia.
Por mais que a liderança palestina, por interesses pessoais, prefira continuar com seus esforços de batalhar políticamente por um Estado Palestino independente, a realidade demonstra que sua população e grande parte de seus aliados históricos, os estão abandonando frente à apreciação que a saíde de se incorporarem como cidadãos a Israel como estado Binacional representa a opção mais prática, e provavelmente, dadas as condições, mais conveniente para o povo palestino.
Ohad Hemo, reconhecido analista da população palestina da Cisjordânia, destacou em seu recente livro esta nova tendência dos palestinos (Ohad Hemo, “Los Palestinos, un panorama de adentro”, Ketter, 2020). Paralelamente, a chuava de solicitações de cidadania por parte de palestinos de Jerusalém Oriental demandou uma mudança nos trâmite, pois se estima a obtenção deste estado civil por milhares de palestinos por ano (Haretz, 25|11|2020).
En este contexto, vale la pena analizar nuevamente el cambio de actitud de esos países árabes que recientemente abandonaron la vieja posición de condicionar la normalización con Israel a la materialización de la formula dos estados. Me da la impresión que estos países también se convencieron de la obsolescencia de la solución de dos estados y la conveniencia para los palestinos de la solución de un estado binacional en donde podrán gozar del 50% del poder de decisión. Luchar por la ciudadanía, dejando de lado la exigencia de estado independiente, los fortalecerá significativamente a nivel internacional frente a un importante deterioro de las posiciones israelíes.
[ Os direitos civis dos palestinos moradores de Jerusalém Oriental, formalmente anexada por Israel, são mais restritos do que os moradores de Jerusalém Ocidental, e totalmente diferentes dos moradores da Cisjordânia, que vivem sob Ocupação e autoridade militar – NT ]
As cartas estão lançadas. A continuidade do statu quo, com expansão permanente da colonização israelense na Cisjordânia, necesariamente se converterá em terra fértil para que, mais cedo ou tarde, cresça a exisgência de um Estado Binacional com 50% de população palestina. Duas alternativas. Primeira: outorgar cidadania plena à população palestina da Cisjordania com o perigo de perder o controle do Estado. Segunda: manter a população palestina da Cisjordania sem cidadania projetando-se ao mundo como Estado de apartheid, discriminando grande parte da população do território sob sua soberania de fato.
Este é o destino que nos promete Netanyahu e seus cúmplices.
Oxalá me equivoque
Daniel Kupervaser
Herzlya – Israel 13|03|2021
http://daniel.kupervaser.com/
Comentários do Tradutor:
– A completa distinção entre as identidades e os anseios nacionais dos povos judeu e palestino determinam que a melhor solução para o conflito seja a Solução de Dois Estados – um judeu e um palestino.
– Se décadas de intransigência de governos do Likud reforçadas por Trump impediram qualquer avanço em negociações de paz, hoje à administração Biden, aliada a líderes da Comunidade Europeia, formam um novo arco catalizador de uma Solução de Dois Estados, que ainda conta com apoio expressivo em Israel e Palestina, além de vários Estados Árabes que se relacionam diplomaticamente com as duas partes.
– O modelo da Iniciativa de Genebra, negociado entre respeitados representantes das sociedades civis israelense e palestina, oferece soluções para os aspectos mais críticos do conflito, tendo recebido o apoio de governantes dos Estados Unidos (inclusive Joe Biden), Rússia, União Européia e a maioria das populações israelense e palestina.
A Solução de Dois Estados está praticamente pronta. É perfeitamente viável.
– Um eventual Estado Binacional entre dois povos, fermentados pelo ódio ao longo de um século, seria a receita certa para anos intermináveis de conflito sangrento. Urge criar condições para que convivam de forma independente em seus respectivos Estados soberanos.