I – CORTE INTERNACIONAL DE HAIA (www.icc-cpi.int) APURA CRIMES DE GUERRA
Cometidos por Israelenses e Palestinos
Decisão do ICC é Alerta Vermelho para Israel
Editorial Haaretz
A decisão da Corte Criminal Internacional (ICC), de que tem jurisdição sobre os territórios palestinos ocupados e Jerusalém Oriental, previsivelmente provocou reações raivosas em Israel.
O primeiro ministro Benjamin Netanyahu baseou suas críticas à decisão em dois fundamentos familiares. Primeiro: « A corte ignora os reais crimes de guerra e em vez disso persegue Israel, país com uma forte democracia que santifica o domínio da Lei”. Segundo: « Nesta decisão, a corte minou o direito de países democráticos a se defender contra o terror”.
Mas os argumentos de Netanyahu são risíveis. A corte não decidiu que Israel era culpado por crimes de guerra; ela meramente respondeu a pedido da promotora Fatou Bensouda, que pediu à câmara pétrea de juízes para decidir sobre a questão fundamental da jurisdição territorial da Corte. Nem há qualquer conexão entre o fato de Israel ser uma democracia e o cometimento de crimes de guerra prima facie. Democracias cometeram e ainda cometem crimes de guerra, e o fato de serem democracias não lhes confere imunidade a investigações ou processo,
A queixa de Israel de que o ICC ignora crimes de guerra verdadeiros e está “perseguindo” o país por razões políticas diz mais sobre Israel do que sobre a Corte. Israel não entendeu que seu próprio status como país democrático e obediente às leis o obriga a manter padrões mais altos do que os demandados de países como Irã, Síria ou Sudão. Tampouco a Corte negou o direito de Israel, ou qualquer outro país, de combater o terrorismo para se proteger. Mas insiste que a guerra ao terror é condicionada aos limites da Lei Internacional e às Leis da guerra, e que um órgão internacional tem o poder de determinar o que é uma ação legítima e o que constitui um crime de guerra.
+ (inglês)
- U.S. objects to ICC probe, ‘opposes actions that seek to target Israel unfairly’
-
What does the ICC ruling mean for Israel, the IDF and the Palestinians?
-
Israel drafts secret list of hundreds of officials who may stand trial at international court
A parte mais importante da decisão é seu reconhecimento da Palestina como um Estado com o direito de pleitear reparação da Corte. Os juízes não decidiram sobre suas fronteiras ou buscaram resolver o conflito israelense-palestino pela Assembléia Geral da ONU. O fato de a Autoridade Palestina ter ingressado no ICC em 2015 é considerado suficiente, sob o Estatuto de Roma, para determinar que é autorizada a pleitear reparações da Corte. Desta forma, mostraram que a batalha de Israel contra o reconhecimento do Estado da Palestina é inútil.
Israel deve ver a decisão dos juízes, que pavimenta o caminho para uma investigação sobre sua conduta nos territórios, como um alerta vermelho. Agora Israel tem o status de um país suspeito, e deve apresentar seus argumentos e sua interpretação dos incidentes que a Corte investigar. Jogar poeira no ICC e recusar cooperar com a investigação não o absolverá, caso sua culpa venha a ser um fato comprovado.
[Editorial do Haaretz | Publicado em 06|02|2021 | traduzido pelo PAZ AGORA|BR ]
II – Israel lista centenas de oficiais militares, receando que possam ser presos após decisão do ICC.
Centenas de oficiais israelenses de alta patente, ativos ou da reserva, devem ser chamados para depor após decisão da Corte Internacional Criminal de Haia que permite investigações de supostos crimes de guerra por Israel, temendo que possam ser presos no exterior.
Em julho, o Haaretz reportou que Israel havia preparado uma lista confidencial de tomadores de decisões, militares graduados e autoridades de segurança, que poderiam ser presos no exterior caso o ICC autorizasse a investigação pela Corte Internacional. Israel mantém a lista estritamente confidencial, pois sua exposição poderia pôr as pessoas da lista em risco.
Altas autoridades de segurança disseram que vários países membros do ICC concordaram em alertar previamente Israel de qualquer intenção de prender israelenses em sua chegada a esses países ou caso alguma ordem de prisão fosse emitida contra eles. Ao mesmo tempo, Israel pode pedir aos relacionados que deixem de viajar ao exterior, para evitar detenção ou julgamento.
Autoridades do ministério da Justiça procuraram esclarecer no sábado que o ICC ainda não lançou uma investigação contra Israel e que não existe risco para israelenses específicos como resultado da decisão da Corte Internacional. As autoridades acrescentaram que estavam “preparando proteção total para qualquer cidadão israelense, caso qualquer investigação fosse lançada.
Se uma investigação for de fato lançada, supõe-se que o ICC focará em autoridades israelenses de alto escalão – ministros de gabinete, comandantes do exército e autoridades graduadas de agências de segurança – e não sobre oficiais de baixo escalão.
Após a decisão do ICC, o exército emitiu uma declaração na qual dizia que as Forças de Defesa de Israel “e o chefe do Estado Maior lamentavam a decisão da Corte Criminal Internacional de Haia. A posição do Estado de Israel é que esta é uma decisão tendenciosa, imaterial, sem autoridade”.
Embora Israel recuse reconhecer a autoridade do ICC, num esforço para influenciar a decisão, autoridades do Ministério da Justiça e da Advocacia Geral Militar têm trabalhado nos bastidores nos últimos dois anos para fornecer materiais para a equipe que conduziu a investigação preliminar em Haia. Mas um oficial graduado envolvido disse ao Haaretz no domingo não estar surpreso pela decisão e que o sistema judiciário em Israel estava preparado.
++ inglês
- Don’t dismiss the ICC ruling on Israel, but don’t blow it out of proportion either
- The ICC’s decision is a red flag for Israel
- What does the ICC ruling mean for Israel, the IDF and the Palestinians?
Contrariamente à posição de Israel, a Corte Internacional decidiu que tem jurisdição sobre Jerusalém Oriental, Cisjordânia e a Faixa de Gaza para investigar se Israel e o Hamas cometeram crimes de guerra nesses territórios. Numa opinião publicada em 2019, a Promotora da Corte Criminal em Haia, Fatou Bensouda, considerou três tipos de possíveis crimes de guerra: os que teriam sido cometidos por Israel e Hamas durante a guerra de Gaza em 2014; aqueles que teriam sido cometidos por Israel na nas manifestações em massa de palestinos próximos a cerca fronteiriça entre Israel e a Faixa de Gaza iniciadas em março de 2018; e aqueles que teriam sido cometidos por Israel através da construção de assentamentos civis israelenses nos territórios ocupados.
A Promotora poderia agora anunciar aos Estados membros do ICC que pretende lançar uma investigação. Nesse ponto, Israel teria 30 dias para informar a Corte se pretende também investigar cidadãos que teriam cometido os crimes. Nesse caso, a Promotoria teria que receber autorização do ICC, caso desejasse abrir imediatamente sua própria investigação.
Embora não haja um prazo final específico para que Bensouda deva anunciar sua intenção de lançar tal investigação, seu mandato como Promotora vence em junho deste ano. O ICC deve anunciar logo seu sucessor.
[ por Yaniv Kubovich | publicado no Haaretz em 07|02|2021 | traduzido pelo PAZ AGORA|BR ]
III – “ANÁLISE DA DECISÃO DA CORTE PENAL INTERNACIONAL SOBRE PALESTINA E SEU TERRITÓRIO”
Esta semana, a Corte Penal Internacional (ICC) determinou que tem jurisdição sobre a situação na Palestina e que seu território abarca a Faixa de Gaza e Cisjordânia, incluindo Jerusalém Oriental. Esta decisão abre caminho para processos penais contra israelenses e palestinos, por suspeitas de terem cometido crimes de guerra nesses territórios.
O que isto significa? Quem poderá ser julgado? Qual será o impacto no conflito?
A decisão do tribunal é decisiva, ao menos no momento, na disputa que se desenvolve há mais de uma década sobre a questão da existência de um Estado Palestino e seu território, para delimitar a jurisdição do tribunal. A primeira parte do artigo explicará qual é a controvérsia e o que se decidiu sobre ela. Na segunda parte, o significado da decisão e o que se espera no futuro.
PROFA. YAEL RONEN – Universidade Hebraica de Jerusalém
Competência do Tribunal
Na ICC, as pessoas (e não os Estados) podem ser processadas por atos que são um crime segundo o direitointernacional.A Constituição da Corte (conhecida como o “Tratado de Roma”) enumera dezenas de crimes em quatro categorias: genocídio, crimes de lesa humanidade, crimes de guerra e agressão. No contexto da “situação na Palestina”, os fatos que a procuradoria do tribunal busca investigar pertencem às categorias de crimes de lesa humanidade e crimes de guerra.
Ainda que o tribunal tenha jurisdição sobre indivíduos, a aquisição a autorização dessa autoridade está condicionada ao consentimento dos Estados. O tribunal tem jurisdição sobre os crimes cometidos por nacionais de países que tenham dado seu consentimento à jurisdição do tribunal, assim como os crimes cometidos no território dos Estados que tenham dado seu consentimento a esta jurisdição. O consentimento costuma se expressar na adesão ao Tratado de Roma. Portanto, a questão de se um país tenha ou não aderido a este tratado é fundamental.
Israel, Palestina e a questão da jurisdição.
As primeiras etapas do trabalho da promotoria de acusação e o tribunal se realizam com relação a “situações”. Após investigação da “situação”, a promotoria decide se há margem para apresentar acusações em relação a pessoasespecíficas.Desde 2016, a promotoria do tribunal vem realizando uma investigação preliminar sobre se há razões para investigar a “situação na Palestina”. Neste contexto,examina a questão da jurisdição do tribunal. Como se indicou anteriormente, o pertencimento ao Tratado de Roma dos países envolvidos na “situação” é fundamental para esta questão.
Israel não é parte do Tratado de Roma. Em general, Israel se abstem de aderir a mecanismos de resolução de conflitos internacionais vinculantes, entre outras coisas, por temor à politização. Ademais, a Israel preocupam as consequências para si mesmo e para seus cidadãos de determinados delitos previstos no Tratado de Roma, e especialmente do delito de “trasladar, direta ou indiretamente, a população civil de um estado ocupante ao território ocupado, “quer dizer, a proibição de assentamentos”.
Sem a adesão de Israel, o tribunal não tem autoridade para levar a cabo procedimentos por atos, em virtude do fato que foram cometidos em território israelense ou por cidadãos israelenses. Mas o “Estado da Palestina” aparentemente envolve um outro Estado. Ou não? A decisão do Tribunal de 5 de fevereiro de 2021 é decisiva neste assunto e estabelece que, para os efeitos do Tratado de Roma, existe um Estado da Palestina que está facultado para outorgar jurisdição ao Tribunal. Isto significa que o tribunal tem jurisdição sobre os atos cometidos em território palestino, tenha sido cometidos por israelenses ou por palestinos.
Como chegamos aqui?
O trabalho do tribunal começou em janeiro de 2009. Depois da Operação Chumbo Fundido, a Autoridade Palestina anunciou (sob o nome “Palestina”) sua anuência paraaplicar a jurisdição do tribunal sobre os crimes cometidos em seu território. A princípios de 2012, a promotoria do tribunal anunciou que, no contexto formal dado nesse momento, não podia tratar a Palestina como um Estado. A situação mudou em 29 de novembro de 2012, quando a Assembléia Geral da ONU aprovou uma resolução reconhecendo a Palestina como um “estado observador que não é membro da ONU”. Segundo os protocolos da ONU, esta decisão permitiu a “Palestina” aderir a convenções internacionais encomendadas à Secretaria da ONU, incluído o Tratado de Roma. De fato, até o dia de hoje, a Palestina aderiu a dezenas de convenções internacionais. Em janeiro de 2015, a Palestina se aderiu ao Tratado de Roma, anunciando que outorgaria competência ao tribunal a partir de junho de 2014, ou seja, também para os atos cometidos durante a operação Margem Protetora. Em janeiro de 2016, a promotoria iniciou uma investigação preliminar que examinou a jurisdição sobre a situação na Palestina, e a questão de ter havido atos cometidos no território e análise de crimes (presumidos) de competência do tribunal. Em dezembro de 2019, a promotora anunciou que entendia que o tribunal tinha jurisdição e a intenção de realizar uma investigação, mas para evitar dúvidas, solicitou a aprovação da Corte, assim como sua determinação de que “Palestina” para este assunto abrangia a Faixa de Gaza e a Cisjordânia, incluída a Jerusalém Oriental.
A Decisão da Corte
A promotoria justificou sua posição sobre a existência de um Estado Palestino por duas razões. Uma razão é a interpretação do Tratado de Roma: a Palestina aderiu ao Tratado de Roma de acordo com os procedimentos estabelecidos no Tratado de Adesão de Estados. Assim, não é possível que não seja reconhecida como Estado para os efeitos de conferir jurisdição ao tribunal. Outro argumento da promotoria é que, de acordo com as normas do direito internacional, a Palestina cumpre quase em sua totalidade as condições para ser considerada um Estado, incluído um reconhecimento internacional muito amplo. Se único defeito neste contexto é que a Autoridade Palestina não é de todo eficaz, e a razão disto, segundo a promotoria, são as ações israelenses que impedem que o povo palestino exerça seu direito à livre determinação.
Israel não participou oficialmente nos procedimentos ante o tribunal, mas o documento do Promotor Geral de Israel publicado no dia em que se publicou a solicitação da promotora da ICC explica a posição do governo. O principal argumento de Israel é que o fato de que os palestinos tenham aderido ao Tratado de Roma não é suficiente para outorgarem jurisdição ao tribunal, já que não existe um “Estado Palestino” no direito internacional. Segundo Israel, na prática, os palestinos não têm um controle total e efetivo sobre o território e, segundo os Acordos de Oslo, não tem jurisdição sobre os israelenses. Portanto, afirma Israel, Palestina não é um Estado que possa outorgar à Corte jurisdição penal em território.
Em sua decisão de 5 de fevereiro, a Corte Penal Internacional adotou por maioria a posição da promotora Bensouda sobre o primeiro motivo. Decidiu que a adesão da Palestina ao Tratado de Roma se deriva de seu poder de outorgar ao tribunal jurisdição sobre os crimes internacionais cometidos em seu território. O tribunal determinou que não havia necessidade de decidir se a Palestina cumpria as condições para a existência de um Estado sob o direito internacional geral. O tribunal determinou, ainda, que não tem autoridade para discutir a validade da decisão da Assembléia que declara que a Palestina é um Estado não membro, ou para considerar os procedimentos para aderir à Convenção. O tribunal aceitou a posição da promotora de que, para os efeitos do Estatuto de Roma, a Palestina se estende sobre a Faixa de Gaza e Cisjordânia, incluída Jerusalém Oriental. Com respeito aos Acordos de Oslo, o tribunal determinou que não eram relevantes para a questão do alcance da jurisdição do tribunal. Podem ser relevantes no futuro no contexto do dever e a posibilidade de cooperar com o tribunal.
Investigação iniciada: Que delitos estão envolvidos?
Após a decisão da ICC, se espera que a promotora do tribunal leve a cabo uma investigação sobre as suspeitas de crimes de guerra e crimes de lesa humanidade cometidos no Estado Palestino (quer dizer, na Faixa de Gaza e Cisjordânia, incluída Jerusalém Oriental) desde junho de 2014. A promotoria enumera uma série de atos de israelenses e palestinos que podem ser considerados crimes de guerra ou crime de lesa humanidade, sem garantir que a lista seja exaustiva:
Quanto a Gaza, a promotora examina os atos cometidos durante os combates em 2014, assim como durante as manifestações cerca da vala desde 2018, e se centra nas lesões graves sofridas por civis e objetivos civis. Neste contexto, existe uma diferença entre os soldados do exército de Israel e os grupos do Hamás e palestinos. A responsabilidade penal requer uma prova da intenção de ferir civis. Não se trata de danos intencionais, mas de danos secundários desproporcionados. Demonstrar a desproporção e o conhecimento dela não é fácil. Portanto, legalmente, no que diz respeito ao que está ocorrendo na Faixa de Gaza, os palestinos estão expostos a ser processados não menos, e talvez mais, que os israelenses.
Quanto à Cisjordânia e Jerusalém Leste, as suspeitas da promotora sobre as ações de israelenses se centram em atividades relacionadas com os assentamentos, assim como nos crimes de lesa humanidade de perseguição, deportação e apartheid. Com respeito aos palestinos, a promotora se centra nas suspeitas de tortura de suspeitos nas instalações de interrogatório das forças de segurança palestinas e no fato de que a Autoridade Palestina fomenta a violência pagando às famílias dos prisioneiros palestinos condenados por atos terroristas contra cidadãos israelenses.
Quem pode ser processado nos tribunais?
Na ICC, só as pessoas (e não os Estados) podem ser processadas. A jurisdição do tribunal se estende a qualquer suspeito de cometer crimes de guerra em território palestino, tanto pessoas israelenses como palestinas. O enfoque da promotoria tem motivos razoáveis para suspeitar que os crimes sob a jurisdição do tribunal foram cometidos tanto pelas forças do exército de Israel (EDI) como por autoridades israelenses, assim como por membros do Hamas e outros grupos armados palestinos.
Uma acusação no tribunal será admissível só caso o Estado autorizado a levar a cabo um processo penal, não o faça honestamente ou não possa fazê-lo. Segundo a promotoria, as acusações contra palestinos serão admissíveis porque o sistema de justiça palestino (na Cisjordânia ou na Faixa de Gaza) não leva a cabo processos penais pelos delitos presumidos. Quanto a Israel, se está examinando a admissibilidade de acusações contra soldados do EDI. O motivo é que Israel tem ferramentas para investigar as suspeitas de crimes de guerra. Mas a existência de mecanismos formais não é suficiente. Uma questão chave é até que ponto Israel investiga com sinceridade as suspeitas de crimes de guerra e, se necessário, os processa.
A jurisdição do tribunal não se limita a pessoas de certa categorías ou posições. Em princípio, o interesse da comunidade internacional está em ajuizar líderes e altos funcionários, já que a gravidade de suas ações é maior e são quem tem o poder de influir nos escalões inferiores. Mas a experiência mostra que inclusive as pessoas de baixo escalão podem ser acusadas e condenadas a longas penas de prisão em um tribunal internacional.
O que se espera adiante?
À primeira vista, parece que a decisão do tribunal eliminou a última barreira processual para investigar e iniciar um processo penal contra pessoas. É possível que no curso de tais procedimentos se voltem a submeter reclamações relativas à jurisdição do tribunal, mas não há razão para pensar que em um procedimento futuro se tomará uma decisão substancialmente diferente da que se acaba de tomar. Assim, a pergunta imediata ante as autoridades israelenses não é “como evitar os interrogatórios e acusações”, mas “como se assegurar que os israelenses não sejam processados nos tribunais”.
Em virtude do Estatuto de Roma, Israel pode declarar que está investigando seus cidadãos por atos dentro da jurisdição do tribunal e pedir à Promotoria que demore os procedimentos contra estes suspeitos ante a barreira da admissibilidade. Entretanto, não se deve esperar tal mensagem. Primeiro, Israel não atua de acordo com os procedimentos do tribunal, já que nega sua autoridade. Em segundo lugar, dita publicação estaría vazia de conteúdo. Como se assinalou, Israel conta com mecanismos institucionais apropriados para investigar as suspeitas de crímes de guerra. De fato, o temor de serem ajuizados na Corte Internacional de Justiça foi um dos incentivos para melhorar estes mecanismos com base na segunda parte do informe Tirkel em 2013. Na verdade, não são mecanismos sofisticados que faltam ao Estado de Israel, mas uma vontade política. A falta de predisposição com a possibilidade de constatar que o EDI comete atos injustificáveis é tão grande, que existe uma legislação penal que proíbe a investigação disto….
Mais ainda, com respeito à campanha de construção de assentamentos, não há possibilidade de investigar suspeitas em Israel. Israel nega que este projeto de assentamentos viole várias proibições do direito internacional, como traslado de população civil a um território ocupado, mudança da ordem legal no território ocupado sem objetivos militares ou sem benefícios para a população local, discriminação com base em nacionalidade na aplicação de diversas leis sobre (sim, apartheid).
Repetidamente, a Corte Suprema de Israel se negou a pronunciar-se sobre esta questão. Também na matéria de demolição punitiva de residências, Israel nega a proibição do direito internacional sobre o castigo coletivo e a destruição de bens sem necessidade militar. A Corte Suprema aceitou a posição do Estado e determinou, já na década de 1970 que a política de demolição punitiva de moradias era legal. Em outras palavras, no que respeita aos assentamentos israelenses e à demolição punitiva de casas, não é um tema que se discute em Israel de maneira que possa criar uma barreira de admissibilidade.
Na prática, o tribunal enfrenta um obstáculo prático: Israel não coopera com o tribunal, e é duvidoso que Hamas ou Autoridade Palestina se comportem de maneira diferente com respeito às suspeitas sobre as ações da sua gente. Quanto às suspeitas de delitos durante o combate, a promotoria terá dificuldades para localizar os envolvidos nas ações ou avaliar a forma com que se tomaram as decisões que motivaram suas ações. Sem esta informação, será difícil atribuir responsabilidade penal pessoal a alguém.
Outro obstáculo ante o tribunal é que a acusação requer a presença dos suspeitos no tribunal. É certo que Israel não extraditará ninguém para o tribunal, mas há o temor de que outros países, membros do tribunal e obrigados a com ele cooperar, extraditem cidadãos israelenses caso sejam encontrados em seu território. Portanto, segundo informes da mídia, se elaborou uma lista dos responsáveis pela tomada de decisões e os funcionários aos quais se pedirá que se abstenham de viajar ao estrangeiro.
O Tratado de Roma estabelece um procedimento para suspender os procedimentos por um ano por decisão do Conselho de Segurança da ONU. De fato, Israel desfrutou, ao menos até pouco tempo atrás, do apoio dos Estados Unidos, que se opõem ao ajuizamento de cidadãos de um país que não tenha aceitado a jurisdição do tribunal. Mas, inclusive se os Estados Unidos tomarem a iniciativa de suspender o processo judicial, as possibilidades de que a decisão obtenha a maioria no Conselho de Segurança são mínimas.
Processo Penal, Justiça e Ocupação
Os funcionários do governo palestino, organizações políticas e muitas organizações de direitos humanos, acolheram com beneplácito a decisão do tribunal e afirmaram que era um passo significativo para fazer justiça ante as injustiças de Israel aos palestinos.
Se a expectativa é que o progresso dos procedimentos no tribunal leve o governo israelense a mudar sua política, deter a ampliação dos assentamentos ou atuar para pôr fim à ocupação, a conduta de Israel até esta data indica que se trata de um otimismo errôneo. Se esta ilusão se baseia na expectativa da execução do direito penal sobre os responsáveis pessoais dos principais crimes, tanto do lado israelense como do lado palestino, a alegria é prematura. Provavelmente se necessitarão alguns anos mais para que se tomem decisões para emitir ordens de prisão ou acusações contra pessoas específicas, Enquanto se impeçam os possíveis suspeitos de sair de Israel, não será possível iniciar procedimentos contra eles.
Por outro lado, o embaixador de Israel na ONU qualificou a decisão do tribunal de “antissemita” e afirmou que minava a capacidade das democracias de lutar contra o terrorismo. O primeiro-ministro de Israel declarou que “a ICC se confunde sobre os verdadeiros crimes de guerra, e ao contrário, persegue Israel, o país que possui um sólido estado democrático, e respeita o estado de direito”.
Estas e outras declarações similares, que negam a responsabilidade de Israel e seus cidadãos por sua parte no conflito, não farão desaparecer a ICC. Estas posições são parte do léxico interno israelense, no qual qualquer crítica a Israel é etiquetada como “antissemita” para que se possa descartá-la sem discutir os fatos. São parte de uma linguagem que ignora o fato de Israel exercer o controle em vários níveis sobre quatro milhões de pessoas em Cisjordânia e Gaza, e mantém um regime que não tem nenhuma pretensão de ser democrático. A infâmia associada a Israel e aos israelenses que até agora permanece na arena política, pode muito facilmente passar ao cenário judicial e pessoal. Depois de anos em que o público israelense prefere não saber o que seus líderes fazem, funcionários e soldados nos territórios ocupados, os acontecimentos que se aproximam podem despertar seu interesse.
YAEL RONEN é Professora de Direito Internacional na Faculdade de Direito da Universidade Hebraica de Jerusalém e Pesquisadora no Foro de Pensamento Regional.
[ por Yael Ronen | Foro de Pensamiento Regional em 08|02|2021 | traduzido pelo PAZ AGORA|BR ]