Tarifa de Ida | Dia do Holocausto

 

TARIFA DE IDA | DIA DO HOLOCAUSTO

O sistema de extermÍnio nazista envolveu todos os estamentos do Estado, toda a administração alemã colaborou de uma forma ou outra com a Shoá (Holoausto). E tudo se pode resumir em uma só palavra: Auschwitz.

“Não digo que cada alemão. Mas sim que cada ministério, cada elemento organizado da sociedade, não importa o pacífico que parecesse, teve seu papel”, assinalava meu mestre, o já falecido professor Menachem Shelach, que dirigia a cátedra de História do Povo Judeu na Universidade de Haifa.

Shelach, membro do kibutz Mishmar Haemek, é o autor do que se considera o estudo mais importante para entender a Shoá, “A Destruição dos Judeus da Europa“, um trabalho monumental de 1.500 páginas ao qual dedicou a sua vida.

Os três volumes concedem um grande espaço aos trens, porque Shelach sustentava que “as ferrovias são o que melhor pode explicar a história”. E a situação geográfica de Auschwitz, o mais gigantesco campo de morte nazista, se explica precisamente porque ali se encontrava um importante nó de comunicações ferroviárias.

“Auschwitz, com seu dinamismo destrutivo, era a encarnação física dos valores fundamentais do Estado nazista”, escreveu o historiador.

Só dois meses depois da chegada de Hitler ao poder, os nazistas abriram o primeiro campo de concentração, Dachau, em 1933. Mas, quando começaram a levar a cabo a Solução Final, o sistema dos campos deu um salto no horror. O Estado hitlerista instaurou dois tipos de campos: os de concentração, destinados a matar com trabalho escravo todo tipo de inimigos políticos e os que consideravam elementos racialmente impuros, desde judeus até homossexuais ou comunistas, entre outros – e os de extermínio, destinados à aniquilação direta de seres humanos em câmaras de gás, todos situados na Polônia ocupada.

Em sua obra, Shelach explica a evolução do antissemitismo doentio dos nazistas até a Shoá: as primeiras leis raciais, as primeiras perseguições, os guetos e, desde o início da Segunda Guerra Mundial, os Einsatzgruppen, batalhões de execução que, na Polônia e na antiga União Soviética assassinaram milhões de judeus a céu aberto. Shelach calculava que a metade dos seis milhões de judeus mortos na Shoá foram assassinados em campos e que a outra metade foi executada.

Mas os arquitetos da Solução Final consideraram este método insuficiente, por sua lentidão e pela enorme pressão psicológica que exercia sobre os assassinos. Uma das muitas coisas que Primo Levi conta no primeiro volume de suas memórias de Auschwitz, “Se isto é um homem?”, é que os encontros com os guardas das SS eram escassos, porque haviam criado todo um sistema para se manterem o mais distante possível do horror direto. Isto faz parte da ‘banalidade do mal”, o “método” que Hannah Arendt descreveu que, com 50.000 guardas permitiu sustentar todo o sistema dos campos da morte.

Assim surgiu uma das ideias mais diabólicas da História, o extermínio industrial de um grupo étnico através de câmaras de gás. Se criaram seis campos de extermínio, todos na Polônia ocupada [onde vivia a maior população judaica do mundo, cerca de 3 milhões de pessoas -NT] e situados próximos a nós ferroviários: Chelmno, Belzec, Treblinka, Sobibor, Maidanek e Auschwitz-Birkenau.

Mas este último era diferente dos demais, por seu gigantismo e porque era também um campo de concentração, de qual dependiam dezenas de pequenos acampamentos.

Birkenau, onde estavam as câmaras de gás e os fornos crematórios, era uma cidade da  morte, que chegou a conter 70.000 presos por vez. Mas existia todo um sistema de campos de concentração satélites, nos quais se utilizava o trabalho escravo dos presos, submetidos também a todo tipo de tormentos de fome, maltrato físico, medo e terror.

As cifras são tão selvagens que resultam em algo quase impossível de imaginar: pelo complexo de Auschwitz passaram 1,3 milhões de deportados, dos quais sobreviveram 200.000. Um milhão dos presos eram judeus de quase todos os países de Europa, 450.000 deles húngaros. Morreram também ciganos, presos políticos polacos, prisioneiros de guerra soviéticos, homossexuais e Testemunhas de Jeová.

Treblinka, que era um campo relativamente pequeno, foi projetado só para matar. À diferença de Auschwitz, não eram feitas habitualmente seleções de presos para determinar quem devia morrer e quem viver. Todos estavam destinados à morte. Aqui, de novo, a cifra supera a razão: entre julho de 1942 e outubro de 1943, 750.000 seres humanos foram assassinados, entre eles meus quatro avôs, catorze tios e tías e um número de primos-irmãos que não cheguei a conhecer, assim como seus nomes.

Em sua obra, Shelach explicava assim o sistema de exterminio: “Fora da União Soviética e da Polônia, não se produziram assassinatos em massa ao ar livre, não se assassinava judeus jogando seus cadáveres. Tinham que levá-los de forma que ninguém soubesse para onde íam ou o que acontecia com eles.

Talvez sejam as ferrovias o que melhor explica a história. Me custaram muitos anos até encontrar documentos sobre as ferrovias, mas finalmente achei os arquivos sobre a construção de Auschwitz, em Moscou. A famosa linha férrea que passa por baixo da chamada Porta do Martírio até as câmaras de gás não entrou em funcionamento até abril de 1944, e a partir dessa data foram exterminadas 60% das pessoas assassinadas alí”.

“É fascinante a correspondência entre os SS e os responsáveis da ferrovia, aí está tudo. Os SS não podiam pressionar as ferrovias, que tinham um enorme poder, já que o esforço bélico dependia deles, que decidiam as prioridades. Os SS exigiram a construção dessa linha até as cámaras de gás e aí as ferrovías concordaram, mas com a condição de serem custeada pelas SS, pois se tratava de uma linha privada, um argumento que utilizaram com base numa lei da Bavária.

Era o tipo de correspondência que descobri, que permitiu comprender a mentalidade dessa gente. As SS pagavam por cada deportado, mas só a “tarifa de ida”, a metade dessa tarifa para crianças e uma tarifa de excursão se eram mais de 500. Pode parecer muito estranho, mas é assim que faziam. Eles tentavam manter toda “normalidade”, como se falassem da organização de férias, não do extermínio em massa de seres humanos”.

Auschwitz, operou entre maio de 1940 e  27 de janeiro de 1945, quando foi liberado pelas tropas soviéticas. Encarna todo esse sistema, que tinha como objetivo a aniquilação física, mas também moral das vítimas. Nisto, todos os campos eram iguais.

Como escreveu Primo Levi, “na prática cotidiana dos campos nazistas se realizavam o ódio e o desprezo difundido pela propaganda nazista. Aqui não estava presente só a morte, mas uma multitude de detalhes maníacos e simbólicos, todos tendentes a demonstrar que os judeus, os ciganos, os eslavos, são gado imundo”.

 

[ publicado por Alberto Mazor | em 26|04|21, Dia do Holocausto em pazagora.net

traduzido por Moisés Storch para o PAZ AGORA|BR ]

A live “Holocausto: ecos e memórias” reúne a jornalista Leila Sterenberg, o historiador Tito Milgram e participação de Carlos Reiss, para uma conversa em razão da lembrança dos 76 anos da liberação do Complexo de Extermínio Nazista de Auschwitz-Birkenau, em 27 de janeiro de 1945.

O historiador Tito (Avraham) Milgram, foi pesquisador do Instituto Yad Vashem de Jerusalém, por mais de 30 anos

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📆 27 de janeiro, quarta-feira, às 17h.
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📆 27 de janeiro, quarta-feira, às 19h.

Esperamos você, dia 27 de janeiro, às 19 horas, horário de Brasília, para reverenciarmos as vítimas do Holocausto em um ato solene transmitido ao vivo nas páginas da CONIB no Youtube e no Facebook.
https://youtu.be/m5bazZVk8VE

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