Minha consciência está me atormentando ultimamente por não falar o que me passa pela minha cabeça, de forma que depois eu não tenha que me censurar pelo que não falei quando a luz vermelha estava piscando.
Não sou profeta nem filho de profeta, mas carrego nos ombros décadas em que lidei com os mundos do terrorismo, do contraterrorismo e da guerrilha. Essa experiência me deu, acredito, a capacidade de reconhecer a direção para a qual as coisas caminham e as tendências cujas culminações representam ameaças para a ordem pública e a vida humana.
Até o assassinato do Primeiro-ministro Yitzhak Rabin dissemos: isso (um assassinato político) jamais acontecerá aqui. Então aconteceu e as vigas não tremeram tanto assim. Um número crescente de judeus israelenses vêm inclusive pedindo para que o canalha que cometeu o assassinato seja liberado da prisão. Para que não pensem que sou o único profeta na cidade, aqui vai uma citação de um ex-primeiro-ministro.
Ehud Olmert, que sabe alguma coisa de política e da mentalidade de turba e como esta pode ser influenciada ou manipulada para que um “facilitador” apareça “do nada” e aperte o gatilho, escreve: “os policiais que estão esperando a próxima rodada de nomeações estão prendendo manifestantes que obedecem a todas as regras estabelecidas para encontros de massa, algemando-os e afastando-os. Em breve, as assembleias serão banidas também. Os manifestantes serão declarados fora da lei e os que protestam serão julgados… Esse processo não está apenas começando, já está bem em andamento” (jornal Maariv, 3|7|20)
Olmert conclui: “Netaniahu não é tão versado em história quanto diz, mas sabe o suficiente para saber que isso vai acabar mal, que a situação atual vai evoluir para um conflito civil e derramamento de sangue nas ruas israelenses”.
Neste ponto tenho que dizer alguma coisa também. Passei uma eternidade na ala cirúrgica do Hospital Ichilov quando a equipe de cirurgiões tentava em vão salvar a vida do Primeiro-ministro Rabin, que foi atingido por um membro vil do nosso próprio povo. Como era possível? A primeira decisão que tomei lá foi terminar imediatamente meu mandato como chefe do Mossad, depois de seis anos e meio.
No tempo que me restou no posto e desde então, tenho ponderado a questão: como algo assim pode acontecer? Concluí que há dois modelos possíveis para uma democracia que perdeu seus freios e contrapesos: o modelo messiânico-religioso e o modelo civil.
Cheguei ao primeiro modelo considerando o exemplo iraniano, onde o líder espiritual supremo Ali Khamenei é considerado mais parecido com Alah do que com os fiéis muçulmanos. Ele é infalível porque tudo que sai de sua boca é a palavra do Deus vivo. Esse status o libera de prestar contas a seu rebanho. Se ele quiser, fala com eles. Se não quiser fica em silêncio. Ele não deve a ninguém nenhuma explicação por coisa alguma e a responsabilidade por qualquer ação ou fracasso não o atinge. Nesse modelo, no topo da hierarquia está o líder espiritual que assinala o objetivo de uma forma geral e às vezes obscura. O presidente e o comandante da Guarda Revolucionária convertem suas palavras em um plano de ação que é então executado pelos Basij (termo para as gangues de jovens iranianos desocupados que, por uma ínfima recompensa, estão dispostos a executar qualquer missão que lhes seja dada pela Guarda Revolucionária) ou por mercenários.
No nosso caso, no caso israelense, o modelo é uma combinação de uma democracia em declínio com uma teocracia messiânica em relação à Terra de Israel. Nesse tipo de democracia teocrática, quando você quer se livrar de alguém, a pessoa no topo não pode ser totalmente isenta de responsabilidade e quando se trata de alguma ação ou falha, ela tem que se permitir algum “espaço para negar”. Portanto, a hierarquia nesse caso é manifestada pelo “eco divino” que vem da boca do chefe, aponta para o alvo e o define como ilegítimo. Seus subordinados mais próximos, que são seus confidentes, têm que preparar o plano e fazê-lo chegar ao nível intermediário, onde o plano é traduzido em ações. É aí que o gráfico se divide em dois, se desmembrando na trilha messiânica e na trilha civil.
Na trilha messiânica e em tudo que está ligado à Terra de Israel, há um pequeno grupo de rabinos, desconhecidos do público, que rapidamente emitem decretos haláchicos de ‘rodef’ (perseguidor) ou ‘mosser’ (informante) – que podem levar a sentenças de morte – contra o alvo que foi escolhido. Nessa trilha estará o “facilitador”, ao menos em parte do tempo, alguém que não realmente se enquadra, que é fanático na sua fé, alguém procurando pelo tipo de reforço que se pode receber facilmente desses rabinos. No caso de Ygal Amir [assassino de Rabin _NT], ele tinha um irmão que era especialista em armas e munições e serviu para acelerar a execução do plano.
A continuação da trilha civil cruza com o mundo da mídia social. É onde se encontra o grupo de potenciais “facilitadores” que não podem ser controlados. Eles passam por um lento e intensivo processo de doutrinação. Essa doutrinação tem que influenciar apenas uma pessoa mentalmente perturbada ou desequilibrada para induzi-la a apertar o gatilho. O estágio que segue esse assassinato político é o da guerra civil.
Escrever tudo isso não me faz me sentir melhor, mas pelo menos não terei que me culpar depois por ter permanecido em silêncio.
[ por Shabtai Shavit – Publicado no Haaretz em 18|10|20 – traduzido por José Menasseh Zagury ]
O Impasse de 1967 e a Tirania da Polarização
MICAH GOODMAN e GUILHERME CASARÕES (em inglês)
(realização CIP+IBI 18|10|20)
Em vários lugares do mundo, a polarização política desponta como ameaça ao valores democráticos. Direita contra esquerda, conservadores contra liberais, punitivistas contra garantistas, religiosos contra seculares, enfim, o centro parece ter desaparecido. E quem pensa diferente, é visto como inimigo.
O impasse de 1967 e a tirania da polarização, com Micah Goodman, Guilherme Casarões (em Português)
O impasse de 1967 e a tirania da polarização, com Micah Goodman, Guilherme Casarões (em Português)Link para acompanhar com tradução simultânea (Zoom): http://bit.ly/Micahgoodman***Em vários lugares do mundo, a polarização política desponta como ameaça ao valores democráticos. Direita contra esquerda, conservadores contra liberais, punitivistas contra garantistas, religiosos contra seculares, enfim, o centro parece ter desaparecido, e quem pensa diferente, é visto como inimigo.Esse é o tema da conversa com o filósofo israelense Micah Goodman, autor do livro “O impasse de 1967: A esquerda e à direita em Israel e o legado da Guerra dos Seis Dias”, recém traduzido para o português pela editora É Realizações.A partir da análise sobre os resultados políticos da Guerra dos Seis Dias em Israel, Goodman pensa como a esquerda e a direita israelense se constroem a partir dos resultados do conflito. Enquanto uns falam sobre segurança, outros falam em paz. Enquanto uns falam da Grande Israel, outros falam da ameaça demográfica.O desafio de Goodman é sair do "é isso ou aquilo" e fazer um debate sobre aceitação do outro, mesmo com suas divergências, em um período no qual o mundo vai para o caminho contrário.
Posted by Congregação Israelita Paulista on Sunday, October 18, 2020
Esse é o tema da conversa com o filósofo israelense Micah Goodman, autor do livro “O impasse de 1967: A esquerda e à direita em Israel e o legado da Guerra dos Seis Dias”, recém traduzido para o português pela editora ‘É Realizações’.
A partir da análise sobre os resultados políticos da Guerra dos Seis Dias em Israel, Goodman pensa como a esquerda e a direita israelense se constroem a partir dos resultados do conflito. Enquanto uns falam sobre segurança, outros falam em paz. Enquanto uns falam da Grande Israel, outros falam da ameaça demográfica.
O desafio de Goodman é sair do “é isso ou aquilo” e fazer um debate sobre aceitação do outro, mesmo com suas divergências, em um período no qual o mundo vai para o caminho contrário.