Após décadas batendo em Israel na ONU, a UEA e o Bahrain abaixam o tom dramaticamente
Quanta diferença faz um ano… Na Assembléia Geral de 2019, os 2 países do Golfo condenavam ações contra os palestinos. Agora, festejam seus acordos com Israel
Velhos hábitos demoram a morrer. Mas às vezes morrem, e nesta sessão anual da Assembléia Geral da ONU mostrou-se que, com muita vontade política e o conjunto certo de circunstâncias, é possível se livrar mesmo de uma convenção diplomática profundamente arraigada.
Por décadas, os Emirados Árabes Unidos e Bahrain usaram o palco da ONU para bater incansavelmente em Israel e defender a causa palestina. Mesmo nos últimos anos, cada discurso continha uma condenação ao Estado judeu e afirmava que a estabilidade regional seria ilusória, até a criação de um Estado Palestino baseado nas linhas de 1967.
Em 2010, por exemplo, o primeiro-ministro dos EAU, Abdullah Bin Zayed Al Nahyan dedicou 563 longas palavras ao conflito israelense-palestino. Seu país acreditava que a paz entre as duas partes é “central e vital” para toda a região, disse.
“E isto não pode se realizar sem acabar com a Ocupação israelense dos Territórios Palestinos e outros e sua retirada para a linha de 4 de junho de 1967, incluindo Jerusalém Oriental, as Colinas Sírias do Golan e os territórios restantes ocupados no sul do Líbano”.
“Abu Dhabi está com o presidente da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas e o elogia por seus esforços para recuperar os direitos do seu povo”, continuou Al Nahyan.
“Nosso compromisso para atingir a paz, como opção estratégica, torna imperativo condenarmos as práticas israelenses cometidas contra o povo palestino, incluindo a política de punição coletiva e o bloqueio desumano imposto ao povo palestino em Gaza, e suas flagrantes violações da Lei internacional, princípios e propósitos da Carta da ONU e à Lei Humanitária Internacional”, declarou.
“Neste contexto, enfatizamos que a continuação dos assentamentos israelenses e o confisco e judaização da Palestina ocupada e outros territórios árabes, chocam-se com a busca da paz”. “Escolha-se a busca da paz, ou insista-se em continuar os assentamentos. Combinar as duas coisas é incompatível com a paz”.
Ele também pediu um fim para o “atroz bloqueio” de Israel sobre Gaza e condenou a “agressão israelense” contra o Mavi Marmara, navio que tentara romper o bloqueio naval de Gaza. [Naquele ano, comandos israelenses abordaram a embarcação e, sob ataque violento de ativistas turcos armados com barras de metal, matou 10 deles).
Aquele discurso foi feito há muito tempo. Mas mesmo meia década depois, em 2015, o mesmo Abdullah Bin Zayed — conhecido como ABZ — disse à Assembléia Geral que o tema palestino “se mantém no coração do conflito da nossa região, sendo uma das principais ameaças à sua segurança e estabilidade”.
Os “sentimentos de injustiça e frustração resultantes da continuada Ocupação israelense dos territórios palestinos e as flagrantes violações cometidas pelas forças de ocupação, dão aos grupos extremistas uma oportunidade para explorar estas graves condições humanitárias, disseminar seus pensamentos radicais e incitar jovens frustrados a implementar suas agendas destrutivas”, disse ele então.
No discurso de 2019, ele repetiu que o sofrimento palestino continua sendo a “questão central” do mundo árabe: “A estabilidade não pode ser estabelecida em nossa região sem chegar a uma solução justa, duradoura e abrangente que permita ao povo palestino estabelecer sua Estado independente com Jerusalém como Capital”, disse. “As violações cometidas pelo poder ocupante contra os palestinos, incluindo a criação de novos ‘fatos consumados’ em Jerusalém, permitirão aos grupos extremistas explorar o sofrimento do povo palestino”.
Israel é ainda um “Poder Ocupante” e nenhum Estado Palestino com capital em Jerusalém surgiu, mas ABZ soou muito diferente na terça-feira — exatamente duas semanas após ter assinado o acordo de paz Israel-EAU na Casa Branca — quando proferiu seu discurso (pré-gravado) na ONU.
“O chamado ao estabelecimento de um Estado Palestino independente nas fronteiras de 1967, com Jerusalém Oriental como Capital, alinhado com as resoluções internacionais relevantes e os consensos árabe e internacional, serão mantidos como demanda firme”, disse.
“Meu país tem feito esforços persistentes usando todos canais diplomáticos disponíveis para afirmar nossa rejeição total à anexação de territórios palestinos, e advertimos de seu impacto sobre todas as partes e sobre a segurança na região”.
O “histórico acordo de paz com Israel”, continuou, abriu “amplas perspectivas para alcançar uma paz abrangente na região. Esperamos que este acordo de paz abra uma oportunidade para que palestinos e israelenses se reengajem em negociações que levem à paz”.
Em outras palavras: Ainda estamos a favor de uma Solução de Dois Estados, em princípio. Mas, suspender temporariamente os planos de Israel para anexar unilateralmente partes da Cisjordânia é suficiente para nós por enquanto. Nenhuma palavra sobre violações israelenses. Nenhuma menção de qualquer Ocupação. Condenar expansão de assentamentos? Lamentar sofrimento palestino? Reclamar da judaização de terras ocupadas árabes? Não mais.
Bahrein 2013: ‘Os atos provocativos de Israel enraivecem os muçulmanos de todo mundo’
Bahrain, também, mudou dramaticamente seu tom à luz dos Acordos de Abraão. “Esperemos que cesse a opressão dos palestinos, que se levante o bloqueio de Gaza e pare a construção de assentamentos, para criar um ambiente que conduza ao sucesso dessas soluções”, disse à Assembléia-Geral de 2013 o então ministro do Exterior Khalid bin Ahmed Al Khalifa do Bahrain.
Ele também expressou seu “total apoio” a Abbas. “Ele é um dos melhores líderes já produzidos pela Palestina, e merece nosso apoio em cada passo que tome em direção à desejada paz.
Quatro anos depois, Al Khalifa reiterou que as questões palestinas estão no topo das prioridades do Bahrain em política exterior. O conflito israelense-palestino, disse, é uma questão de ocupação territorial que precisa acabar”.
“Direitos confiscados devem ser devolvidos aos seus donos e isto é precisamente o que Israel, independentemente de todas suas preocupações com segurança, deve entender, pois assim conseguirá a paz para o seu povo e para si. Isto só acontecerá quando abandonar todas formas de violência contra palestinos”.
Israel, adicionou, deve interromper suas atividades de assentamento e “parar de violar a santidade dos locais religiosos, especialmente o que está acontecendo com a mesquita de al-Aqsa [de Jerusalém] na forma de repetidas agressões e atos provocativos que enraivecem muçulmanos em todo mundo e impedem a retomada do processo de paz e todas iniciativas de apoio regionais e internacionais”.
E na Assembléia de 2019, que se realizou após o Bahrain ter sediado o início da primeira parte de “Plano de Paz” do governo Trump, Al Khalifa disse que a comunidade internacional deve forçar Israel “a parar com suas injustas políticas de anexação e violações de Lei Internacional, que minam todos os esforços dirigidos a uma solução justa e sustentável para a questão palestina”.
Na quarta-feira, o Rei Hamad bin Isa Al Khalifa, no seu discurso gravado para a ONU, clamou por “esforços intensificados para acabar com o conflito palestino-israelense, em conformidade com a Solução de Dois Estados” e urgiu pelo estabelecimento de um Estado Palestino nas linhas de 1967, com Jerusalém Oriental, como Capital.
Mas deixou de fazer qualquer ataque contra Israel. Ao contrário, festejou a normalização dos laços do seu país com Israel, como uma “incorporação de nossa resoluta abordagem de abertura e coexistência com todos”.
[ por RAPHAEL AHREN | The Times of Israel | 30|09|2020 | traduzido pelo PAZ AGORA|BR]