Imersa nos protestos contra o primeiro-ministro e com o espírito de luta que a caracteriza, a cantora israelense Noa relata à Efe sua profunda preocupação com o futuro do seu país, que se encaminha para “um lugar muito obscuro”, e fala de sua responsabilidade como artista e também do estado atual do conflito regional.
Achinoam Nini, popularmente conhecida como Noa, não é uma cantora comum. Sua voz penetrante é capaz de adoçar o ouvido, mas também de sacudir multidões e atravessar fronteiras.
Por isso não é de surpreender que suas palavras ressoem no tempo, não como um eco, mas como o estrondo que segue um terremoto.
E por isso, surpreende ainda menos ouvir manifestantes israelenses de todas as idades percorrendo as ruas de Jerusalém enquanto entoam a adaptação de Noa de “We Will Rock You”: “De-mo-cra-tia”, do termo em hebraico para democracia.
Foi nisso que ela se converteu agora. Em uma das vozes mais importantes de um movimento intergeracional, que se estende em uma longa conversa em sua casa no kibutz Shefáyim, onde a cantora permite também que se adentre a fundo em sua identidade política e expressa suas impressões sobre o estado atual do conflito israelo-palestino.
[Neste sentido, foi realizada uma entrevista com a inspiradora Noa, que segue abaixo.]
Entrevistador: Você fez muitos concertos beneficentes durante a pandemia, inclusive para a Espanha, Itália e França. Você sente alguma responsabilidade como artista em ajudar durante tempos difíceis?
Noa: É algo muito pessoal, cada artista vê de seu jeito. Eu definitivamente senti que tinha um papel a cumprir, que é isso que poderia contribuir durante a pandemia, de alguma forma dando esperança e energia positiva. Acredito no poder do “dar”, principalmente quando se está com problemas, é uma boa maneira de não pensar nas dificuldades que se passa, ao mesmo tempo em que se faz algo pelos outros. Acho que nós artistas temos uma certa magia e que somos uma fonte de energia, e senti que as pessoas precisavam de um pouco disso.
E.: Você se considera uma representante de Israel no exterior?
Noa: Ninguém me paga para representar Israel, eu não trabalho para ninguém. Mas sei que para muitas pessoas eu sou a única ou uma das poucas ligações com Israel e procuro passar isso da melhor maneira, com meus valores e minha música, com a mente aberta e segurando a bandeira da paz. Quando eu era jovem, tentei me distanciar disso. Eu tinha vinte e poucos anos e não entendia muito de política. Cresci com uma narrativa claramente sionista judaica e não conhecia em absoluto a narrativa palestina.
Noa e Jorge Drexler cantam a ‘Milonga del Moro Judio’
Então passei a aprender mais e entendi a profundidade do problema que temos aqui em Israel. Por isso me identifiquei com Yitzhak Rabin quando o processo de paz começou e aceitei tocar durante o ato no qual ele foi posteriormente assassinado, algo que foi um enorme trauma para mim e para Israel, um trauma do qual acredito que nunca nos recuperaremos. Foi nesse momento que decidi levantar a voz e tomar partido, e eu faço isso até hoje em dia.
E.: Tanto a sua identidade israelense quanto as suas opiniões têm sido motivo de críticas e questionamentos. Como você passa por isso?
Noa: Foi muito difícil para mim ser criticada por ambos os lados e eu sinto que isso vem de pessoas que não entendem o que está sendo dito, não entram a fundo no cenário dos problemas nem tentam entender suas complexidades. Sempre estive aberta e tentei me comunicar diretamente com as pessoas que me atacaram, sejam elas do BDS (movimento de boicote contra Israel) ou da direita israelense, menos quando eram violentas ou inacessíveis. As pessoas só precisam de respeito, e se você as ouve sem desprezá-las, pode ir longe.
E.: Partindo para o âmbito local, em que consiste o movimento de protestos do qual você faz parte?
Noa: Eu faço parte do movimento Bandeiras Negras, que por sua vez participa de uma série de protestos que estão ocorrendo atualmente em todo o país. Existe em grande proporção uma raiva justificada contra o primeiro-ministro, Benjamin Netanyahu, em parte devido a sua gestão irresponsável do coronavírus, baseada em seus interesses pessoais e não no bem-estar das pessoas, o que causou danos terríveis à economia e ao sistema de saúde.
Eu sei que hoje não há líder à altura do cargo, mas qualquer um que não esteja sendo acusado pelo Estado de fraude, suborno e quebra de confiança, tem melhores condições de governar, porque uma pessoa com essas preocupações não pode estar dirigindo o país. Este tem sido o ponto focal dos protestos, mas não é tudo. Se não solucionarmos a situação política, Israel se encaminha para um lugar muito sombrio, estamos lutando por nossas vidas agora.
E.: E qual seria a forma da mudança que os protestos buscam?
Noa: Não podemos esperar que as coisas melhorem imediatamente, mas precisamos começar de algum lugar e a renúncia de Netanyahu deve ser o primeiro passo. O que vai fazê-lo ir embora? Eu não sei, talvez a pressão faça que ele e seu partido entendam que para o bem de todos ele não pode continuar no poder. Eu espero que a direita (seus eleitores) acorde e se não, que haja eleições.
O que precisamos agora é de um governo honesto que recomponha a sociedade civil e que se concentre em questões como a igualdade e a justiça social, para que este país incrível possa atingir o enorme potencial que possui. O processo de paz, que se tornou uma questão secundária, precisa voltar ao primeiro plano. Porque não poderemos viver em segurança, florescer e estar bem se não tivermos a certeza de que os nossos vizinhos também estarão.
E.: Qual é a sua opinião sobre o estado atual do conflito com os palestinos?
Noa: A minha opinião sobre o conflito não mudou em todos esses anos em que o observei. Eu acredito que devemos retomar o foco e não perder de vista algumas questões centrais. Primeiro, que sim, há um parceiro para a paz, e é só procurá-lo e dialogar com respeito, boa vontade e honestidade. Em segundo lugar, que a solução de dois Estados não está morta, mesmo que digam o contrário.
Eu não acredito em uma solução de um único Estado onde os direitos de um povo são esvaziados, onde não há igualdade de direitos, porque esse é um estado de apartheid.
E se houver igualdade de direitos para todos, teremos um grande problema. Qual será o nome deste país? Quem o comandará? Qual língua será falada? Que religião haverá? Na verdade, acredito que o principal problema hoje é que não temos uma liderança com coragem para resolver esta situação.
[ entrevista por Pablo Duer – Agencia Efe no kibutz Shefayim | 07|08|2020 | publicado pelo Newsroom Infobae | traduzido por Claudio de Albuquerque para o PAZ AGORA|BR]