Ex-Bibistas Protestam Contra Netanyahu

 

ANARQUISTAS? ESQUERDISTAS?

Esses Manifestantes Anti-Netanyahu Costumam Votar em Netaniahu

O Primeiro-ministro Benjamin Netaniahu os rejeitou como “anarquistas” e “esquerdistas” que odeiam seu país. Seu número tem se multiplicado de protesto em protesto, mas o primeiro-ministro e seus apoiadores continuam a insistir que eles são um fenômeno marginal, membros de uma pequena panelinha da elite ashkenazi que ainda não aceitaram que não governam mais o país.

É verdade que a grande maioria dos participantes nas manifestações anti-Netaniahu das últimas semanas provavelmente não vota para o seu partido Likud – ou mesmo por qualquer outro partido de direita.

Mas não são apenas esquerdistas obstinados que estão saindo às ruas nestes dias. O Haaretz falou com seis manifestantes que se juntaram recentemente aos protestos, que definitivamente não se enquadram nesse molde. Aqui, em suas palavras, estão as razões que os fizeram voltar-se contra o primeiro-ministro.

NÃO É MAIS A FIGURA DO PAI

Liat Rotner, de 33 anos, estava hesitante sobre juntar-se às manifestações, “porque pensei que eram só para esquerdistas – e eu definitivamente não sou esquerdista”, diz ela. “Eu não apoio a esquerda em questões de segurança e eu definitivamente não me vejo como parte da bolha de Tel Aviv“.

De fato, a última manifestação da qual participara foi organizada por um grupo de direita para protestar contra a retirada israelense das Colinas de Golan; ela era adolescente na época. Autora de sucesso, que já publicou 21 romances para jovens adultos (o primeiro aos 15 anos), Rotner diz que costumava votar no Likud, mas parou de votar completamente há cerca de cinco anos. “Sou completamente apolítica agora”, diz ela.

Até agora, entretanto, ela admirava Netaniahu como líder e não via problema com a sua propensão à boa vida às custas dos contribuintes israelenses. “Como muitas pessoas na direita, minha atitude era: quem se importa com quanto ele ou sua mulher gasta em jantares encomendados de restaurantes chiques e sorvetes de pistache? Ele trabalha duro, nos protege, então que me importa?”, diz Rotner, que cresceu em um lar religioso na cidade costeira de Netanya e ensina redação criativa no sistema escolar religioso.

Mas no último sábado, ela decidiu que chegou a hora de se juntar às multidões em frente à residência oficial do primeiro-ministro em Jerusalém. O que a fez sair, diz ela, foi sua indignação com a resposta de Netaniahu aos protestos.

“Eu vejo pessoas nas ruas cujas vidas estão um desastre – pessoas jovens que não têm dinheiro para o mercado e foram forçadas a voltar a morar com os pais, jovens israelenses que estão dispostos a dar suas vidas por este país e que foram de repente jogados aos cachorros. E qual a reação dele a tudo isso?”, pergunta ela. “Puro desprezo. Tudo o que ele diz é ‘esquerdistas, esquerdistas, esquerdistas’”.

A última gota d’água para Rotner foi um post que Netaniahu compartilhou recentemente, escrito por um de seus apoiadores. Dizia: ‘Somente Bibi’.
“Eu disse a mim mesma, ‘é isso que importa ao primeiro-ministro? Provar a todos que ele tem fãs?’”.

Ela ficou ainda mais furiosa alguns dias depois quando, após uma das manifestações frente à sua casa, Netaniahu respondeu através da publicação da foto de uma bandeira palestina desfraldada no meio da multidão. “Uma bandeira palestina entre centenas de bandeiras israelenses, as quais ele nem se deu ao trabalho de mencionar”, observou ela. “Eu quero dizer, vamos lá, você sabe que com milhares de pessoas lá, estatisticamente haverá ao menos um carregando uma bandeira palestina. E isso é tudo o que ele tem para dizer”.

Por muitos anos, diz Rotner, ela e muitos dos seus amigos – a grande maioria direitistas israelenses – viam Netaniahu como uma figura paterna. “E agora é como se esse pai estivesse cuspindo na nossa cara, nos dando as costas e nos dizendo que não somos seus filhos”.

Foi a pandemia do coronavírus, ela acha, que finalmente expôs suas debilidades como líder. “Enquanto a economia estava em boa forma, ele parecia estar fazendo um bom trabalho. Mas quando tivemos uma crise importante nas mãos – em vez de mostrar preocupação com o bem-estar do público, ele estava preocupado apenas com o seu próprio bem-estar. Na hora da verdade, ficou claro que afinal ele não se preocupa conosco. E isso realmente me preocupa e me assusta”.

 

UM DESASTRE PARA ISRAEL

Shlomo Barkan, de 61 anos, se considera um linha-dura em assuntos de segurança, um linha-dura convicto. Sócio em várias fábricas nas zonas industriais da Cisjordânia, ele diz que adoraria que Netaniahu cumprisse sua promessa de estender a soberania israelense ao que se refere como Judéia e Samaria [Cisjordânia].

“Eu acredito que temos todo o direito a esta terra”, diz ele, “mas eu insistiria que os palestinos que vivem lá recebam direitos integrais”.

Barkan votou no Kachol Lavan de Benny Gantz na eleição de março, mas principalmente porque apoia o facção linha-dura Telem, liderada pelo ex-ministro da defesa Moshe Ya’alon. Apesar de ser um membro registrado do partido religioso de direita Habait Haiehudi, ele diz que não é particularmente observante. Votara pelo agora defunto Kadima quando era liderado pelo ultra linha-dura Ariel Sharon e no passado mais distante chegou a votar pelo partido ultra-nacionalista Tehyia.

No último sábado à noite, Barkan participou do seu primeiro protesto contra Netaniahu. Juntou-se a centenas de outros israelenses no primeiro grande protesto em frente à residência particular do primeiro-ministro na rica cidade costeira de Cesárea.

Presa ao carro de Barkan havia uma bandeira israelense e no teto amarrou uma prancha de surfe que proclamava “O Estado está num mergulho profundo. Chega.” [‘Tzolelet’, a palavra hebraica para mergulho profundo, também significa ‘submarino’ em uma referência ao suposto envolvimento de Netaniahu num escândalo envolvendo a venda de submarinos alemães a Israel].

“Penso que nosso primeiro-ministro é um desastre para o Estado de Israel”, diz Barkan, que vive em Ramat Poleg, próximo de Netanya. “Tudo o que ele faz é incitar um grupo contra o outro e tudo que lhe importa são seus interesses pessoais. Ele não sabe o que é ser estadista”.

Barkan diz que mesmo para direitistas como ele, Netaniahu se tornou um risco. “Ela não está promovendo anexação e sim trabalhando contra ela”, diz ele. “Ele está ocupado demais com sua sobrevivência pessoal e suas batalhas legais para cumprir qualquer das suas promessas”.

EU ME DIVORCIEI DE BIBI

Moral Levy, de 37 anos, cresceu no que ela descreve como um lar direitista likudnik. Até março, dirigia uma próspera empresa de planejamento de eventos, mas aí chegou o coronavírus e os cancelamentos começaram a chover.

“Perdi contratos no valor de centenas de milhares de shkalim”, informa a mãe de três crianças. Ela não teve escolha, a não ser fechar o negócio que criara do zero, vender seu carro e sair do apartamento que alugava em Rishon Letzion. Atualmente, está vivendo numa pousada em Tel Aviv, onde os donos generosamente lhe ofereceram hospedagem gratuita.

“Eu costumava votar em Bibi”, diz ela, referindo-se ao primeiro-ministro pelo apelido. “Nunca fui uma pessoa muito política, mas quando vi meu negócio indo pelo ralo, comecei a prestar mais atenção ao noticiário e compreendi que cometi um grande erro”.
Levy descreve a gestão da crise do coronavírus por Netaniahu como “uma bagunça total”, observando que muitos israelenses como ela estão sendo obrigados a cavar sua poupança da vida toda para sobreviver.

“O governo tem reservas de impostos guardadas para situações de emergência, como guerras”, diz ela. “Eu digo que isto é equivalente a uma guerra e essas reservas deveriam ser distribuídas para as pessoas que não conseguem fechar o mês. Em vez disso, eles nos jogam algumas migalhas e esperam que agradeçamos”.

Até aqui, Levy já participou de mais de 40 manifestações contra o primeiro-ministro, por todo o país. Na ultima tarde de sexta-feira, equipada com um megafone, ele caminhou pelo mercado Machané Yehuda de Jerusalém – um muito conhecido reduto do primeiro-ministro e seu partido. Ela vestiu uma camiseta que dizia ‘Eu me divorciei de Netaniahu’ e carregava um cartaz que declarava ‘Bibi, você nos decepcionou’.

“Algumas pessoas me amaldiçoaram, outras me aplaudiram e até se ofereceram para me proteger com seus próprios corpos”, ela relatou. “Estou planejando estar lá novamente nesta sexta-feira. Isto é uma democracia e eu posso protestar onde eu quiser, mesmo no território de Netaniahu. Muitos dos meus amigos da direita estão com medo de falar. Mas eu não. Depois de perder meu negócio, não sobrou nada para perder”.

DO TOPO DA COLINA PARA O PROTESTO

O Rabino Yossi Fruman, de 45 anos, diz que provavelmente é um dos poucos manifestantes em frente à residência do primeiro-ministro que também foi preso há mais de 25 anos ao protestar contra o primeiro-ministro Yitchak Rabin.

Filho do falecido Rabino Menachem Fruman – um proeminente rabino colono conhecido por suas posições relativamente moderadas – Yossi Fruman diz que ficou emocionado quando seu filho de 13 anos concordou em se juntar a ele na manifestação da noite de sábado na última semana.

“Eu estou numa posição de minoria na minha família”, diz Fruman, que vive com sua mulher e seis filhos no assentamento de Tekoa na Cisjordânia e serve como rabino em uma yeshivá próxima. Na quarta-feira à noite – a noite do jejum de Tishá B’Av – ele estava de volta à frente da residência do primeiro-ministro, desta vez lendo o Livro das Lamentações para um público de várias centenas de israelenses, incluindo algumas das mais proeminentes caras da manifestação.

Fruman votou no Kachol Lavan nas últimas três eleições, mas diz que também já votou em Netaniahu no passado e já chegou a considerá-lo um líder muito efetivo. “O que aconteceu a Netaniahu é o que acontece com outros que ficam no poder por tempo demais”, diz ele. “E isso ficou muito claro na maneira como ele lidou com a crise de saúde. Não mostrou flexibilidade nem coragem. E eu digo isso como alguém que definitivamente não é do campo político da esquerda – na verdade, sou alguém que lutou nas colinas [da Cisjordânia] e sente uma profunda conexão à Terra de Israel”.

Diferentemente de muitos que protestam atualmente, Fruman não acredita que Netaniahu tem que renunciar por causa das acusações de corrupção contra ele. “Não sou uma dessas pessoas que gritam ‘suborno, fraude, quebra de confiança’”, diz ele, citando as acusações contra Netaniahu que às vezes são cantadas como slogans nas manifestações. “Da maneira como vejo, se ele é corrupto ou não é um assunto para o tribunal decidir”.

Citando o Rav Nachman de Breslov, Fruman diz que um bom líder é aquele que sabe quando deve passar o bastão. “E se não sabe, é porque nunca foi um bom líder, para começar”, diz ele. “Parece-me que Bibi começou a perder a mão há alguns anos atrás, mas a crise do coronavírus exacerbou as coisas. Tenho rezado para que Deus lhe dê coragem para dizer que acabou a sua parte e que passe o bastão para a próxima geração. Para mim, não importa se a próxima geração for do Likud ou do Kachol Lavan”.

NÃO TRANSIGIR COM A DEMOCRACIA

Yamit Bensadon, de 42 anos, cresceu em uma casa Likudnik, onde ninguém jamais sonharia em votar em outro partido. “Meu pai é do Marrocos e, em famílias como a nossa, a maneira de votar é uma coisa tribal”, diz a instrutora de yoga de Tel Aviv.

Nas últimas semanas, ela e o seu marido têm participado no assim chamado protesto das bandeiras negras, nas pontes por todo o país nas tardes de sábado. Quando perguntada por que ela vai, Bensadon explica: “É a situação toda no país neste momento”. Mas, especificamente, essa mãe de três crianças está preocupada com o futuro da democracia em Israel.

“Não estou disposta a transigir com a democracia”, diz ela. “Para mim não há nada mais importante do que viver numa democracia e me dói ver como o Likud está tentando destruí-la”.

DESTACANDO-SE NA MULTIDÃO

Pinchas, de 30 anos, pediu para que seu nome completo não fosse publicado, nem sua fotografia. Ela era provavelmente o único judeu ultra-ortodoxo [ou Haredi] presente na manifestação da terça-feira à noite, em frente ao edifício do Ministro da Segurança Pública Amir Ohana.

A manifestação, que depois se tornou violenta ao ser infiltrada por extremistas de direita, foi em protesto contra as tentativas de Ohana de fazer com que a polícia proíba as aglomerações maciças nas ruas.

Com sua kipá preta, camisa branca e calça preta, Pinchas se destacava na multidão majoritariamente de jovens israelenses seculares. Ele poderia ter sido inclusive confundido com um espectador curioso, em lugar de participante, se não fosse pelo adesivo ‘Bibi, go home’ colado na sua camisa.

Pinchas, um advogado que trabalhara anteriormente no serviço público, se auto-descreve como centro-direita. “Obviamente, eu ficaria feliz se houvesse paz, mas não acredito realmente que exista parceiro para isso neste momento, então não posso me considerar um esquerdista”, diz ele.

O que o trouxe para a manifestação de terça-feira foi sua profunda preocupação especifica com um dos indiciamentos contra o primeiro-ministro: o Caso 1000, como é conhecido, no qual Netaniahu é acusado por fraude e quebra de confiança por aceitar presentes caros de amigos ricos.

“Como alguém que trabalhou no serviço público, esse é o caso que me incomoda mais do que qualquer dos outros”, diz Pinchas. “É porque sei muito bem o quão fácil é destruir o sistema. Uma vez que você deixa uma pessoa sair impune por esse tipo de comportamento, outros irão tentar fazer o mesmo”.

Pinchas, que vive na cidade predominantemente Haredi de Bnei Brak, diz que já há tempos queria se juntar aos protestos, mas não teve oportunidade. “Eu escutei sobre pessoas deixando o conforto de suas casas e vindo de lugares distantes para participar de manifestações em Jerusalém e disse a mim mesmo ‘kol hakavod para eles por fazerem esse esforço para salvar seu país”, ele recorda.

Ele só descobriu sobre a manifestação de terça-feira em Tel Aviv porque aconteceu embaixo do seu escritório. “Eu vi o que estava acontecendo e falei para mim mesmo ‘wow, vou me juntar’. Liguei para minha esposa e avisei que chegaria tarde em casa”.

Inicialmente, estava preocupado que os manifestantes pudessem vê-lo com suspeição, “porque não estão acostumados a ver pessoas como eu por aí”. Mas isso não aconteceu. “As pessoas foram muito gentis. Muitos vieram a mim e disseram que estavam comovidos por ver um cara Haredi como eu se juntando a eles”.

Pinchas diz que não esconde de seus amigos próximos e de sua família sua opinião sobre Netaniahu, mas também não fica “desfilando em Bnei Brak carregando cartazes anti-Bibi”.

[ por Judy Maltz | publicado no Haaretz em 31|07|20  |  traduzido por José Manasseh Zagury ]

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