Tishá B’av | Eles Usurparam nossas Bandeiras, Nós as Estamos Retomando

Por Que Choro…

Depois de 32 anos vivendo em Israel, essa é a primeira vez que eu desejei não estar vivendo aqui. Ainda assim, estou sensibilizada pelos manifestantes e por uma mulher com seios nus.

De acordo com o calendário judaico, estamos atualmente na mais dolorosa época do ano: os nove dias de luto que levam ao Tish’á Beav, o dia da destruição de ambos os templos históricos. Batei Hamikdash. Casas de Santidade. Mas este ano, durante este período, eu e muitos outros estamos lamentando a destruição de outra casa sagrada: nosso Lar, o Estado de Israel, e a desintegração da própria fundação sobre a qual está assentado.

Os templos foram destruídos primeiro pelos babilônios e depois pelos romanos. As tentativas anteriores de eliminar o Estado de Israel foram todas externas. Mas agora, estamos sendo destruídos de dentro.

Externamente, parece com qualquer outro ano. Agora, no pico do verão, o sol começou a mover-se lentamente na direção sul, tendo atingido sua trajetória mais ao norte há um mês. Eu começo novamente a ver a luz do sol e sentir seu calor através da janela com vista para o sul, perto da qual trabalho. Nessas primeiras noites do mês de Av, vejo uma perfeita lua crescente descendo para o horizonte num céu escuro. Os dias em Jerusalém são quentes, as noites úmidas e frias, como em todo verão. Mas esses fenômenos naturais enganam, não dão nenhuma indicação da agitação que acontece no nosso Lar, este país.

Eu choro, eu lamento, ao ver nossa democracia, supostamente a única no Oriente Médio, ser esquartejada membro a membro. Rastreamento de celulares; lei de emergência especial do coronavírus que permite à polícia entrar em casa sem mandado judicial (felizmente rapidamente retirada); a possibilidade da Knesset aprovar leis sem que nenhum órgão as ratifique; a lei de censura do Facebook, que já está no terceiro (e último) estágio de aprovação; e a brutalidade policial. A morte pela polícia de um homem árabe com necessidades especiais, sem repercussões e com o “sumiço” das evidências.

Eu choro todos os dias quando leio as notícias. Eu lamento os que morreram de Covid-19, dando seus últimos suspiros sozinhos, sem família ou amigos ao lado e tendo suas mortes desonradas por aqueles que se recusam a admitir o papel do coronavírus nas suas mortes, alegando que morreram por suas co-morbidades e que “morreriam de qualquer jeito” (não morremos todos, afinal?). Não são todos em Israel responsáveis uns pelos outros? E eu choro porque as alas de coronavírus nos hospitais estão lotadas, enquanto todo dia eu leio um post de alguém que alega que o vírus não existe e é apenas uma conspiração.

Eu lamento por um governo que perdeu completamente seu rumo, que permitiu ao covid-19 correr desenfreado, que não consegue controlá-lo ou tomar qualquer decisão sobre como caminhar nessa direção, minando completamente sua própria autoridade ao alterar constantemente as decisões sobre fechamentos, fazendo cumprir ridiculamente as orientações ou as estabelecendo de uma forma completamente confusa.

Eu lamento a falta de assistência econômica adequada por parte do governo para os muitos que estão em situação financeira terrível, prometendo constantemente, mas nunca tomando uma decisão final sobre como ajudar. Cada dia de indecisão é mais um dia em que numerosas famílias não têm comida na mesa.

Eu lamento o fato de que não há liderança à vista neste país, numa época em que precisamos desesperadamente de líderes fortes, lúcidos e honestos, que realmente queiram o melhor para seus cidadãos. Eu lamento pelos policiais encarregados de dispersar demonstrações e obrigar o uso da máscara. E por uma nação inteira cujos nervos coletivos estão tão no limite, que a mínima interação pode levar, e às vezes leva, à violência física, verbal ou virtual.

E eu lamento que, depois de mais de 32 anos vivendo neste país – anos que incluíram duas guerras, uma série de campanhas em Gaza e duas intifadas – esta é a primeira vez que desejei não estar vivendo aqui.

E ainda assim…eu estou sensibilizada. Estou sensibilizada e imensamente orgulhosa dos milhares de pessoas que aparecem noite após noite para protestar contra essa destruição. Jovens e velhos, de todos os contextos, que vêm porque amam seu lar, que se deitam no asfalto e são derrubados por canhões de água para evitar o Churban HaBait [a Destruição do Templo].

Tenho orgulho das centenas de pessoas que se sentam nas ruas e meditam como forma de protesto não violento. Me comovo e vou às lágrimas com a imagem de uma mulher com os seios nus ajoelhada sobre a menorá na frente da Knesset – o símbolo máximo do Estado – oferecendo uma flor aos céus. Uma versão moderna da Liberdade de Delacroix, simbolizando – sim – uma revolução.

Milhares e milhares de pessoas de todas as idades, noite após noite após noite no país inteiro, exibindo cartazes de desespero, raiva e esperança. Dedicados e determinados a salvar o nosso Lar.

Em Tish’á BeAv nós lamentamos a destruição do lugar no qual Deus se manifestava na Terra. Nós rezamos para que seja reconstruído pela força do amor gratuito. E se esse lugar não é aqui, nas nossas ruas e em nossos corações, então onde é? E se não agora, quando?

[ por Ruthi Soudack | publicado no Times of Israel em 27|07|20 | traduzido por José Manasseh Zagury ]


Conforme a edição de hoje de The Times of Israel, manifestantes anti-Nenyahu foram atacados em Tel Aviv por garrafas de vidro, cubos, cadeiras e spray de pimenta, por gangues de extrema-direita. Organizadores da manifestação disseram que dez pessoas foram hospitalizadas, incluindo dois com ferimentos à faca nas costas.

O presidente de Israel, Reuven Rivlin condenou energicamente os atos de violência, lembrando o clima que levou ao assassinato do ativista do PAZ AGORA, Emil Grunweig, e do ex-primeiro-ministro Yitzhak Rabin.

O Ministro da Defesa Benny Gantz disse que os ataques contra os manifestantes anti-Netanyahu eram trabalho de “gangs criminosas organizadas” e iria assegurar a punição dos responsáveis pela violência.

Benjamin Netanyahu silenciou.

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